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Sexta, 03 Mai 2024

Livro com mais de 100 artigos conta dificuldades e ataques enfrentados pelos povos indígenas brasileiros

Livro com mais de 100 artigos conta dificuldades e ataques enfrentados pelos povos indígenas brasileiros Foto: Reprodução /Funai

Publicada pelo Instituto Socioambiental (ISA), a 13ª edição do livro 'Povos Indígenas no Brasil' foi lançada em 21 de março, em São Paulo. A edição reúne registros pós-redemocratização das tentativas de extermínio dos povos indígenas no país e diversos relatos de histórias de ataques contra indígenas.

Os artigos que compõem o livro abordam temas como associações e políticas indígenas; legislação; demarcação de Terras Indígenas; gestão, manejo e proteção territorial e ambiental; pressões e ameaças impostas pelo avanço de grandes projetos de infraestrutura; desenvolvimento econômico e político; educação; saúde pública; cultura e patrimônio.

Entre os mais de 100 artigos, 'Magnitude das pressões e ameaças relacionadas a desmatamentos e obras de infraestrutura nas terras indígenas do brasil', do pesquisador do ISA, Antonio Oviedo, mostra a importância das Terras Indígenas como "ilhas de conservação e diversidade cultural", que estão sendo cercadas por pastagens, agricultura, áreas urbanas e áreas degradadas por uso industrial.

Foto: Claudio Tavares/ISA

Apesar do grande potencial das Terras Indígenas e de toda importância dos mais de 200 povos no Brasil, houve um aumento significativo das invasões e do desmatamento dentro de suas terras, além de episódios de violências, especialmente durante a pandemia. 

Nos últimos cinco anos, por exemplo, mais de 113 milhões de árvores adultas foram derrubadas dentro das Terras Indígenas. Além disso, cerca de 6% do desmatamento entre 2017 a 2021 foi provocado pela mineração, atividade ilegal e de alto impacto socioambiental. A degradação por mineração ou garimpo nas TIs aumentou 183% nesse mesmo período. 

"Quando um corpo indígena luta, ele luta por uma coletividade, ele luta por um país melhor", afirma a liderança Vanda Witoto em entrevista exclusiva para o livro.

A publicação mostra também que é cada vez mais necessário conhecer o Brasil indígena para entender que "viver com a floresta é uma arte e requer uma sabedoria que não pode ser fabricada em laboratório", como afirmou o líder Yanomami, Davi Kopenawa.

Panorama dos Povos Indígenas Isolados na América do Sul

De acordo com as informações reunidas no livro, em 2005 estimava-se a existência de 84 registros de povos indígenas isolados (51 confirmados) em toda a América do Sul. Já em 2019, 15 anos depois, a partir das informações sistematizadas pelo 'Informe Regional: Pueblos Indígenas en Aislamiento - Territorios y Desarrollo en la Amazonía y el Gran Chaco', constatou-se um total de 1.854 registros de PIIRC (66 confirmados). 

Este aumento de 45,4% no número de registros é decorrente do acréscimo considerável de práticas protetivas e sistematização de informações sobre os povos isolados, protagonizadas principalmente pela sociedade civil, derivando num maior controle social e impulsionou alguns Estados a iniciarem formulação de políticas públicas.

Antenor Vaz, autor do texto, afirma que ainda há a preocupação da existência de 119 registros de povos indígenas isolados que não foram confirmados em sete países amazônicos. 

"Nos últimos anos, observa-se uma mudança de eixo, um movimento pendular no espectro político ideológico, com possibilidades de revés no campo democrático. Essas mudanças acarretam consequências negativas para as políticas de proteção dos PIIRC. A exemplo citamos os casos do Brasil e Equador, em que o Poder Executivo promoveu reestruturação das esferas administrativas dos setores responsáveis pela proteção dos PIIRC (com tentativas na Fundação Nacional do Índio (Funai), no Brasil, e Dirección de Protección de Pueblos Indígenas en Aislamiento Voluntario (DPPIAV), no Equador), de forma autoritária e sem consultas".

Trecho do texto 'Panorama dos Povos Indígenas Isolados na América do Sul', página 37

As reestruturações acabaram criando uma perspectiva de insegurança. No caso do Equador, houve a transferência do DPPIAV, vinculado ao Ministério da Justiça, para a Secretaria de Direitos Humanos e, no Brasil, a tentativa de transferir a Funai, vinculada ao Ministério da Justiça, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e, também, a tentativa de transferência de responsabilidade sobre demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa), espaço dominado pelo agronegócio e historicamente anti-indígena. 

"Casos semelhantes observam-se nos demais países. A Colômbia enfrenta o desafio de implementar a política pública para PIIRC, aprovada no governo anterior. No Paraguai, as políticas desenvolvimentistas que afetam a região do Chaco e a ausência de políticas de proteção promovem a fragmentação do território Ayoreo na região fronteiriça com a Bolívia. Na Bolívia, a não regulamentação e a consequente não implementação dos marcos jurídicos referentes aos PIIRC, bem como a ausência de iniciativas protetivas no âmbito da fronteira com o Paraguai, colocam em risco a sobrevivência dos Ayoreo em situação de isolamento. Por outro lado, a incidência da ação petroleira (Bloco Nova Esperança) por iniciativa do Estado, com recursos financeiros de empresas chinesas, na região TCO Tacana II, coloca em risco a sobrevivência do grupo indígena em situação de isolamento (possivelmente Taromona). No Peru, diversos setores, privados e estatais, vinculados à exploração hidrocarburífera, se articulam para a aprovação de uma nova lei de hidrocarbonetos. Na Venezuela, além da crise profunda que passa o país, o Estado não reconhece a presença de PIIRC em território nacional. Inexistem políticas protetivas para povos indígenas em situação de isolamento. Organizações indígenas e indigenistas têm realizado esforços para apresentar informações na perspectiva de conseguir reconhecimento oficial. Por fim, a situação é similar no Suriname, onde inexistem políticas de proteção para PIIRC e a regulamentação jurídica para os povos indígenas é escassa e antiga".

O maior ataque legislativo aos Direitos Indígenas da história

O Instituto Socioambiental (ISA) reuniu três membros jurídicos para levantar um dos textos intitulado 'O Maior Ataque Legislativo aos Direitos Indígenas da História', no qual afirmam que a Legislatura que foi iniciada em 2019 pode ser considerada responsável pelo maior volume e variedade de propostas legislativas que ameaçam os direitos dos povos indígenas.

Um dos momentos de maior preocupação ocorreu em 2015, quando uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o parecer da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215,1 que pretendia desconstituir os direitos fundamentais previstos no art. 231 da Constituição Federal, objetivando, em síntese: a demarcação de Terras Indígenas (TI) passasse a ser feita por lei editada pelo Poder Legislativo, e não mais pelo Poder Executivo; a paralisação das demarcações dessas áreas; a abertura desses territórios a diversos empreendimentos de grande impacto socioambiental; e a inserção da tese do "marco temporal" no texto constitucional. Naquele momento, a maioria dos senadores manifestou-se contra a proposta por meio de uma nota pública, enterrando a matéria.

"Pode-se concluir, sinteticamente, que a atual legislatura do Congresso Nacional caracteriza-se como a de mais alto risco para os direitos dos povos indígenas na história. Os ataques legislativos ocorrem em conjunto com o grave cenário de ilegalidades e todo tipo de violência, com invasões de TIs, garimpo, assassinatos de indígenas, agentes do estado e jornalistas, ameaças e crimes ambientais gravíssimos, inclusive contra comunidades em condição de isolamento. O desmonte da estrutura dos órgãos responsáveis pela gestão, fiscalização e controle, como Funai e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), agrava a problemática. A paralisação das demarcações e das políticas públicas do setor foi anunciada previamente pelo atual chefe do Poder Executivo". 

Trecho do Texto 'O Maior Ataque Legislativo aos Direitos Indígenas da História', página 44

A morosidade da identificação e a "indústria" do desmatamento 

Produzido por Jaime Siqueira Jr. antropólogo e coordenador-executivo, e por Renan Chaves, historiador e assessor do Centro de Tecnologia da Informação (CTI), a análise 'Morosidade da Identificação e a "Indústria" do Desmatamento' relata os impactos na área dos Canela Apãnjêka e Canela Memortumré, no Maranhão.

"Práticas intimidatórias, longo histórico de conflitos fundiários, omissão da Funai, incentivos desenvolvimentistas do governo estadual do Maranhão e a força do capital predatório sulista têm caracterizado a região e impactado fortemente a área de ocupação tradicional dos povos Canela. Esperamos que ainda não seja tarde demais para tentar colocar algum freio nesse processo, para garantir as condições adequadas à reprodução física e cultural desses povos", justificam no texto.

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