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Agricultura familiar busca alternativas para lidar com seca extrema no oeste do Pará

Perda de plantios, redução de peixes, baixo nível de água dos rios e difícil acesso à água potável fazem com que seja decretada situação de calamidade em diversos municípios do Pará.

Prestes a aterrissar em Santarém, no Pará, o espanto ecoa em voz alta pelo avião, apontando a gravidade da seca. Pela janela diminuta, a imensidão das águas recua, deixando bancos de areia expostos na paisagem.

Debaixo de um céu que não derrama chuva há meses, e já caminhando pela secura dos quintais da agricultura familiar, torna-se corriqueiro testemunhar árvores jovens se transformando em esculturas emblemáticas da seca.

“Aqui não temos o costume de trabalhar com irrigação. Trabalhamos esperando que caia do céu”, conta Raimundo Nunes, aos pés de um cupuaçuzeiro morto de sede.

“Não só as frutíferas, mas algumas espécies nativas como a andiroba estão sofrendo bastante”, diz o engenheiro agrônomo em sua casa, na Área de Proteção Ambiental (APA) Jará, em Juruti, oeste do Pará.

Desde maio, a maior parte do oeste da Amazônia registra chuvas abaixo da média. Para além da variação natural e cíclica que caracteriza os períodos de cheia e estiagem na região, a seca severa deste ano se deve ao avanço das mudanças climáticas e à interferência do El Niño, fenômeno meteorológico que eleva as temperaturas e intensifica a seca nas regiões Norte e Nordeste. 

Na zona rural de Juruti (PA), o plantio em agrofloresta busca recuperar área degradada; mudas mais jovens sofrem o impacto da seca. Foto: Julia Lima/Mongabay

A perda de plantios, a redução dos peixes, a complexa logística com o baixo nível de água dos rios e o difícil acesso à água potável fizeram com que fosse decretada no Diário Oficial situação de calamidade em Juruti, em Santarém e em outros municípios do Pará. O Ministério Público também fez recomendações de um plano para diminuir os danos da crise hídrica em Juruti, recomendando a recuperação da cobertura florestal das propriedades rurais localizadas às margens do Rio Amazonas e seus afluentes.

“Nós tínhamos uma base de 200 produtores cadastrados, mas só que hoje na feira tá vindo muito pouco. Do jeito que tá essa quentura grande, não tem produção. A roça tá morrendo. Tá muito seco, a gente tira e a mandioca tá cozida. A gente tira muita mandioca e dá pouca farinha”, conta Zeires Andrade Faria, coordenador da Feira de Agricultores Familiares de Juruti. “Até o momento, não tem nenhuma assistência para nós.” 

Foco de incêndio florestal visível no horizonte: imagem rotineira durante a seca severa no oeste do Pará. Foto: Julia Lima/Mongabay

Poço seco, rio baixo 

Às margens do Lago Tucunaré, José Maria de Sousa Melo, superintendente regional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no oeste do Pará, mostra abacateiros, cacaueiros e cafezeiros se curvando em decorrência da seca e diz que os maiores prejudicados são os agricultores de várzea.

A agricultura familiar tem grande relevância no oeste paraense: metade do território é ocupada por áreas regulamentadas onde se pratica a atividade, entre elas Projetos Integrados de Colonização (PIC), Projetos de Assentamento (PA) e Unidades de Conservação (UC) de Uso Sustentável. 

Lago Tucunaré, em Juruti: água quente com volume baixo não convida os moradores da região ao banho. Foto: Julia Lima/Mongabay

“Nós estamos responsáveis por 29 municípios e dentro deles nós temos praticamente 240 assentamentos tradicionais, alguns deles em Juruti”, conta Melo. “Tem famílias que tradicionalmente cultivam nesse período melancia, jerimum, maxixe, outros produtos de várzea, e estão com dificuldade no transporte desses produtos. Como baixou muito o rio (Amazonas), as embarcações estão ficando distantes, então tem gente que está perdendo o produto por conta desse distanciamento”.

No tempo livre, Melo se dedica aos cultivos da família num terreno às margens do Lago Tucunaré. Ali nossa reportagem avistou um jacaré, duas tartarugas e algumas aves. Num novembro com a sensação térmica ultrapassando os 40 graus centígrados, os moradores locais desaconselham o banho no lago — não por causa do jacaré, mas porque faz tempo que a água deixou de ser refresco, está quente. E, como em outras localidades, o poço artesiano que usavam há anos também secou. O conjunto dessas variantes aumenta a preocupação com a segurança alimentar na região.

“Em terra firme, o prejuízo se dá para quem cultiva a roça de mandioca. As pessoas estão deixando de fazer roçado porque está muito forte a estiagem e a orientação é que se evite fazer queimadas”, indica Melo.

“Então, é muito preocupante essa questão, porque esses são os produtos que sustentam essas famílias. Uma vez que elas deixarão de produzir e de cultivar as suas roças, elas vão ter problemas nos próximos meses”.

José Maria de Sousa Melo, superintendente regional do Incra no oeste do Pará, observa abacateiros castigados pela seca. As mangueiras resistem. Foto: Julia Lima/Mongabay

Ainda muito utilizado na região, o sistema de corte-e-queima, herdado das populações originárias, consiste na derrubada e na queima da floresta em uma área de até um hectare, o que produz grande volume de cinzas, aumentando a fertilidade do solo. Depois de alguns anos, quando o solo já não está mais fértil e o agricultor repete o processo em nova área de floresta.

O problema é que, com as mudanças climáticas aceleradas e o clima mais seco, a floresta se torna mais inflamável. Qualquer fogo oriundo do desmatamento, de manejo agropecuário e também da agricultura de subsistência pode escapar e invadir a floresta, causando incêndios florestais de enormes proporções. Em outubro, um megaincêndio se alastrou por milhares de quilômetros quadrados na região de Santarém.

Por causa disso, “a gente vem incentivando a mudança do corte-e-queima para a agrofloresta”, diz Lucieta Martorano, meteorologista e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.” 

A mandioca, alimento essencial para a subsistência na Amazônia, também sofreu as consequências da seca: diminuiu de tamanho ou nem mesmo vingou. Foto: Julia Lima/Mongabay

Cultivo de diversidade 

Os Sistemas Agroflorestais não são exatamente novidade na Amazônia, já que os povos locais há muito praticam o plantio em sistemas diversificados.

Nas últimas duas décadas, no entanto, eles vêm crescendo de forma mais estruturada:reúnem diferentes espécies, combinando árvores nativas e cultivos agrícolas O sistema considera também espaçamento entre as mudas, sombreamento, podas e manejo das espécies. Além de não lidar com o manejo do fogo, a agrofloresta aumenta a biodiversidade e tem potencial para restaurar áreas agrícolas degradadas.

Iniciativas robustas, como a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta) e o Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), já mostraram resultados promissores na Amazônia, sendo mais rentáveis do que a agricultura de corte-e-queima para comunidades de produtores familiares.

Estima-se que, em 2017, em toda a Região Norte, 430 mil trabalhadores, sendo 90% deles agricultores familiares, cultivavam SAFs em 200 mil estabelecimentos, somando 8 milhões de hectares. 

Agrofloresta recentemente instalada em Juruti. Foto: Julia Lima/Mongabay

As árvores de grande porte que vão ser implantadas: será que não vai demorar? Será que a gente vai estar vivo pra ver realmente isso daí?”, pensava Adeílson da Silva quando começou a implementar uma agrofloresta no seu terreno. “A gente plantou primeiro jerimum, segundo nós plantamos a melancia e a gente plantou também a pimenta-de-cheiro dentro da área.”

Adeílson conta que o mamão se saiu muito bem e depois vieram as mudas de graviola. Morador da zona rural, na comunidade de Batata, em Juruti, o pai de seis filhos trabalhava apenas com a roça de mandioca e tinha algumas galinhas para consumo.

O agricultor recebe assistência técnica e incentivo do Instituto Juruti Sustentável (Ijus), que estima ter apoiado a instalação de 60 hectares de SAFs no município. No momento, o Ijus trabalha a implementação de novos SAFs por meio do Projeto Ingá, que tem investimentos da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), da Citi Foundation, da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) e da Alcoa Foundation. 

Adeílson da Silva produz a farinha de mandioca em seu quintal: anteriormente trabalhava apenas com a roça de mandioca, hoje experimenta o plantio em SAF em parte do terreno. Foto: Julia Lima/Mongabay

Ainda jovem, porém, o SAF de Adeílson também sofre com a seca. Apesar de contar com algumas horas semanais de irrigação – que só não é mais abundante por causa dos altos custos do combustível para manter o gerador ligado, puxando a água do igarapé próximo à sua casa –, algumas mudas não estão resistindo à falta de chuvas.

Lucio dos Santos Moraes está avaliando a possibilidade de instalar também um SAF em seu terreno. Ele deixou de plantar apenas a mandioca e o café e começou a experimentar o plantio do açaí em consórcio com o café, mas está sentindo com intensidade os efeitos da seca. “Nessa época aqui a gente já estava vendendo a pupunha, já tinha bastante pra vender e ela é uma plantação quase permanente, vai dando. Agora, devido ao verão, não teve produção”, conta.

“Nós temos plantio de café, pupunha, abacate e plantas pequenas. O açaí está sendo mais resistente no verão porque tem uma área sem irrigação e ele não morreu, diferente da pupunha, que está quase 100% morta”, conta. “A gente não precisava de irrigação. E agora, mesmo com a irrigação precária que a gente tem, não é o suficiente”. 

Lucio dos Santos Moraes começou a trabalhar com plantio em consórcio e estuda a possibilidade de instalar um SAF em seu terreno. Foto: Julia Lima/Mongabay

Além da morte de culturas já plantadas, a seca prolongada deverá atrasar os plantios de ciclo curto — como feijão, milho, abóbora — que ocorreriam normalmente em dezembro, quando começa a estação chuvosa. Mas as chuvas estão previstas para fevereiro.

“Uma forma importante de minimizar o impacto da seca seria se os agricultores de base familiar tivessem uma irrigação que o governo incentivasse e uma irrigação de baixo custo”, diz Lucieta Martorano, que já trabalhou em Santarém com projetos de irrigação.

Outras questões desafiadoras na região são a logística, a comercialização e políticas públicas que favoreçam o pequeno agricultor, a exemplo das políticas de compras públicas com foco em segurança alimentar e nutricional.

“A gente precisa de políticas públicas integradoras”, diz Joice Ferreira, bióloga e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental. “Esse exemplo do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) é o tipo de coisa que a gente precisa ter desenhado para lidar com o problema. Ou seja, você tem um programa de compra que está aumentando demanda. Você tem que favorecer iniciativas em que os próprios agricultores são protagonistas e líderes.” 

Mudas cultivadas por Adeílson da Silva para serem incluídas em seu SAF no próximo período de chuvas. Foto: Julia Lima/Mongabay

Polinizar quintais 

Uma alternativa que traz benefícios para os quintais produtivos é o consórcio com abelhas nativas, como as espécies jupará (Melipona interrupta) e canudo (Scaptotrigona postica).

Raimundo Nunes é especialista em meliponicultura e cria abelhas em seu quintal. Já coordenou projetos e deu curso para 20 criadores de abelha da região de Juruti. “Utilizar essas abelhas para fazer a polinização dos quintais ajuda a ter uma produtividade melhor.” 

Criação de abelhas nativas no quintal agroflorestal de Raimundo Nunes na APA Jará, em Juruti. Foto: Julia Lima/Mongabay

As abelhas nativas são aliadas dos agricultores porque fazem a polinização de espécies nativas da Amazônia, ajudam os frutos a crescer de forma mais uniforme, contribuem para manter a floresta em pé e são uma fonte de renda extra: ao mesmo tempo em que potencializam a produção agrícola também produzem o mel, que pode ser vendido.

“Tem um produtor que utiliza abelha para fazer polinização no plantio de melancia que ele faz todo ano, e ele percebeu que ele ganha tanto na produção da melancia quanto na produção do mel”, conta Raimundo enquanto degustamos o mel de sabor delicado da abelha jupará, direto da caixa de criação.

O técnico agrícola lembra, porém, que, para melhorar as condições das colheitas em tempos de mudanças climáticas, é imprescindível manter as florestas em pé. “A gente teve a questão do El Niño. Mas a questão da preservação da natureza, principalmente da floresta, contribui para que essa estiagem não seja tão forte, né? E que a gente não tenha a perda da biodiversidade também”, conclui Raimundo. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Sibélia Zanon e Julia Lima. 

Moradores de reserva em Rondônia dependem da natureza e da criatividade para sobreviverem

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Casal realiza a extração da polpa do cupuaçu e da castanha-do-Brasil e dá uma destinação diferente aos resíduos que sobram. Morar isolados foi uma escolha e eles afirmam que não se arrependem. 

Francisco Luís — mais conhecido como “Paçoca” — e Ermosina Costa moram no núcleo de Pupunhas, a única comunidade dentro da Reserva Extrativista (Resex) Lago do Cuniã, em Porto Velho (RO), que tem acesso terrestre (mas somente no período da seca). Para sobreviver, eles dependem de duas coisas: a natureza e a criatividade.

Casal vende castanha e produtos de cozinha feitos com casco de cupuaçu. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

O casal produz de cocada à artesanato. A matéria prima eles encontram no quintal de casa: cupuaçu e castanha-do-Brasil. Além disso, juntos, eles aproveitam restos de madeira e galhos para personalizar paneiros [cesto] de roupa, vassouras e outros objetos. 

Comunidade de Pupunhas é a única que possui acesso terrestre na Reserva. Foto: Emmily Costa/g1 RO

‘Tudo no quintal de casa’ 

Aos 65 anos, Francisco Luís, que trabalhou a vida inteira com a pesca dentro da Resex, agora é aposentado e se dedica na extração de frutos nativos e na produção de artesanato. Sua esposa, Ermosina Costa, nascida e criada em Porto Velho, optou por se mudar para a reserva há mais de 28 anos para construir uma vida ao lado do marido. 

Produtos feitos com casco de cupuaçu. 

O casal realiza a extração da polpa do cupuaçu e da castanha-do-Brasil e dá uma destinação diferentes aos resíduos que sobram:

  • Os cascos do cupuaçu são transformados em porta-lápis, copos e cuias feitas por Francisco;
  • a castanha-do-Brasil torna-se a matéria-prima para as deliciosas cocadas e paçocas preparadas por Dona Ermosina. 
Cocada de castanha-do-Brasil feitas por Ermosina. Foto: Emily Costa/g1 RO

Além disso, galhos e pedaços de madeira recebem uma nova vida nas mãos do casal, e viram paneiros (cestos), vassouras e tábuas para cozinha. 

“Aqui a gente faz de tudo um pouco e é mais fácil porque está tudo na nossa área. É só ir ali no quintal”,

explica o morador.

O comércio da família

A Pupunhas é a única comunidade com acesso terrestre no Lago Cuniã, mas a estrada tem um período muito específico para aparecer: durante a seca. O caminho fica localizada um quilômetro depois do distrito de São Carlos. 

Estrada que dá acesso a comunidade de Pupunhas, que fica intrafegável no periodo de chuva. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

No período de chuva, essa estrada fica intrafegável. Pra ter acesso à comunidade só restam dois caminhos: por barco ou por uma trilha conhecida exclusivamente pelos locais.

Ao chegar na comunidade de Pupunhas, a primeira residência vista é de seu Francisco. Em sua casa, ele possui um “comércio” construído com palha, onde comercializa os produtos artesanais, a castanha in natura e iguarias preparadas por sua esposa. 

Comércio de Franscisco e Ermosina na comunidade de Pupunhas dentro da Resex. 

Francisco destaca que as vendas desse estabelecimento contribuem para a renda familiar e muitos moradores visitam diariamente e compram diversos utensílios. 

“De pouco em pouco a galinha enche o papo”,

comenta.

Como é incomum o encontro com visitantes dentro da reserva, o comércio da família exibe um mural com várias fotos antigas com retratos tanto de moradores locais quanto de pessoas especiais que passaram pela comunidade. 

Mural de retratos de moradores e visitantes no comércio. Foto: Emily Costa/g1 RO

*Por Emily Costa, do g1 Rondônia

Essa reportagem faz parte da série “Vivendo da floresta” do g1 Rondônia, que conta as histórias de moradores que vivem dentro da Reserva Extrativista Lago do Cuniã, em Porto Velho.

Força Nacional tem atuação prorrogada na TI Pirititi, onde indígenas vivem isolados em Roraima

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Terra Indígena tem cerca de 40 mil hectares. Região fica em Rorainópolis, no Sul de Roraima, onde também há presença de garimpeiros.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) prorrogou a atuação de agentes da Força Nacional de Segurança Pública na Terra Indígena Pirititi, localizada no município de Rorainópolis, ao Sul de Roraima, onde há indígenas isolados e presença de madeireiros.

Em nota, no último dia 20, o ministério informou que por “questões de segurança dos agentes, o efetivo empregado não será divulgado”. A atuação dos militares ocorre em apoio às ações da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), “nas atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado”.

Terra Indígena Pirititi, no Sul de Roraima. Foto: Divulgação/Ibama

A Força Nacional atua no território de Pirititi desde novembro de 2022. A prorrogação da atuação foi assinada pelo ministro Flávio Dino, em portaria publicada no Diário Oficial da União dia 19. 

Com presença de indígenas isolados, a Terra Indígena Pirititi tem cerca de 40 mil hectares e perímetro aproximado de 192 km. A área fica imediatamente acima da Reserva Indígena Waimiri Atroari, uma das maiores de Roraima, e é apontada como uma das mais vulneráveis ao desmatamento, com forte presença de madeireiros.

De acordo com a portariaassinada pelo ministro Flávio Dino, os militares atuaram “nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado”. A atuação deve durar 90 dias.

A Força Nacional foi enviada para o território pela primeira vez em 2022. Desde então, o governo federal tem prorrogado a atuação dos agentes na terra indígena.

Terra Indígena Pirititi e isolados

A Terra Indígena Pirititi está localizada no município de Rorainópolis, na região Sul de Roraima. Conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai), o grupo é chamado de Piruichichi (Pirititi) ou Tiquiriá, parentes dos Waimiri-Atroari, na divisa com o Amazonas.

Durante a demarcação da TI Waimiri-Atroari, entre Roraima e o Amazonas, acreditava-se que esses indígenas estariam protegidos dentro da área demarcada. No entanto, estudos posteriores confirmaram sua presença fora da reserva.

Em 2011, foram avistadas maloca e roçado do grupo, durante sobrevoo da equipe da Funai. Não há informações sobre quantidade de indígenas que vivem na área.

Em maio de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) entrou na Justiça com um pedido de tutela provisória de urgência para garantir a proteção da reserva. A ação foi movida porque a região sofre graves ameaças de invasão e degradação por grileiros, colonos e madeireiros que vivem nos limites da área.

Cerca de 20 dias depois, a Funai prorrogou a portaria que restringe a entrada de pessoas não autorizadas na Terra Indígena Pirititi. Com a medida, apenas os funcionários do quadro da Funai podem ingressar, locomover-se e permanecer na região. 

Terra Yanomami: Justiça Federal determina que União estabeleça novo plano de ação contra garimpo ilegal

Decisão ocorre a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Onze meses depois do início da força-tarefa do governo federal, garimpeiros ilegais estão voltando a explorar a Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

A Justiça Federal em Roraima determinou que a União crie um novo cronograma de ações contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami após o retorno dos garimpeiros ao território. A decisão, divulgada dia 21 de dezembro, ocorre a pedido do Ministério Público Federal (MPF).

A audiência de conciliação foi realizada entre a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A decisão atende pedido do MPF, feito no dia 17, diante da permanência de invasores no território, o que afeta a segurança, a saúde e a vida dos povos indígenas. Onze meses depois do início da força-tarefa do governo federal, garimpeiros ilegais estão voltando a explorar a Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

Garimpo do Rangel, na Terra Yanomami, volta a extrair ouro ilegal da Terra Yanomami. Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica

No dia 13, lideranças indígenas reforçaram o pedido de retirada dos invasores ao MPF. A audiência com o órgão reuniu associações indígenas, representantes do governo federal e o procurador da República Alisson Marugal. As lideranças mencionaram que problemas relacionados à crise sanitária e humanitária ainda permanecem no território

A retirada dos garimpeiros foi determinada pela Justiça no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo MPF contra os órgãos federais, em 2020, com o objetivo de garantir a edição e a implantação de plano emergencial de ações de monitoramento territorial efetivo na terra indígena.

A medida deveria viabilizar o combate a ilícitos ambientais e a retirada de infratores. No entanto, segundo o Ministério Público, os esforços empreendidos pelos órgãos federais até o momento se mostraram ineficazes.

No requerimento à Justiça, o MPF destaca que os resultados promissores das operações governamentais realizadas no território, no início deste ano, não conseguiram evitar a reocupação de áreas pelo garimpo.

“Anotou-se que o garimpo é um empreendimento criminoso de grande resiliência e de alta capacidade de reorganização, exigindo, pois, o aperfeiçoamento constante das estratégias de comando e controle”,

destacou o procurador da República responsável pelo caso, Alisson Marugal.

As ações geraram resultados positivos até o início do segundo semestre, quando houve um retrocesso mediante o retorno de não indígenas para o garimpo ilegal sobretudo em áreas já desmatadas, de acordo com o MPF.

Ainda segundo o órgão, há diversos relatos de aliciamento, prostituição, incentivo ao consumo de drogas e de bebidas alcoólicas e até estupro de indígenas por parte dos garimpeiros.

A decisão judicial aponta que não foram adotadas medidas satisfatórias para o monitoramento eficaz da Terra Indígena Yanomami e não há um planejamento interinstitucional de caráter permanente para garantir a segurança, a saúde e a vida dos povos locais e dos profissionais de saúde que atuam no território.

Na avaliação da Justiça Federal em Roraima, o Estado brasileiro permanece em mora perante os povos indígenas, que deveriam ser protegidos efetivamente mediante o cumprimento das obrigações de fazer decorrentes da liminar concedida na ação civil pública.

Retorno dos garimpeiros 

Garimpo do Rangel, na Terra Yanomami, volta a ser usado por garimpeiros ilegais. Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica

Uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) destruiu acampamentos e encontrou até um aparelho de internet via satélite na região conhecida como “garimpo do Rangel”, uma das mais exploradas pelos invasores dentro do território.

A operação do Ibama ocorreu em ao menos cinco pontos de garimpo em operação na região do Rangel. Foram destruídas balsas usadas para desbarrancar o solo em busca de ouro, além de barracos que funcionam como ponto de apoio aos garimpeiros.

Maior território indígena do Brasil, a Terra Indígena Yanomami está em emergência sanitária na saúde desde janeiro deste ano. A medida foi decretada pelo governo federal para levar atendimento de saúde aos indígenas e também para retirar garimpeiros da região.

Durante esta mais recente operação, agentes do Ibama flagraram aviões clandestinos sobrevoando a região. Além, disso, segundo eles, uma aeronave caiu no dia 6 de dezembro e os invasores conseguiram escapar.

O espaço aéreo no território Yanomami está fechado e é monitorado pelas Forças Armadas. O governo federal afirma que a “Força Nacional de Segurança Pública tem intensificado suas atividades na TIY, inclusive realizando atividades na aldeia Homoxi, desde maio de 2023, garantindo a assistência aos indígenas e realizando ações de segurança pública no entorno da aldeia.”

Destacou ainda que o “controle do espaço aéreo sobre o Território Yanomami permanece ativo e é feito exclusivamente pelo Comando da Aeronáutica”.


Bioparque no Amapá tem área ampliada para abrigar mais de 800 espécies de orquídeas

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Área possui 374 exemplares de orquídeas nativas e 82 de espécies híbridas coletadas de diversas áreas do Estado.

O orquidário do Bioparque da Amazônia recebeu uma reforma e ampliação e agora pode receber mais de 800 espécies. As plantas foram coletadas em áreas de manejo, distritos e no Centro de Macapá, além de outras que foram coletadas na Região dos Lagos, no Leste do Amapá.

Orquidário Municipal Terezinha Leite Chaves, no Bioparque da Amazônia. Foto: Fernando Tavares/PMM

 A capacidade de armazenamento passou de 456 exemplares para mais de 800. No Amapá existem mais 2 mil espécies de orquídeas registradas.

O espaço abriga escritório, berçário e adaptação ambiental das mudas, com bancadas e prateleiras, além de ser local de aprendizado para os visitantes.

Local serve para visitações e pesquisas de estudantes — Foto: Fernando Tavares\PMM

O Orquidário Municipal Terezinha Leite Chaves também serve para estudantes e pesquisadores analisarem as plantas.

A área tem 374 exemplares de orquídeas nativas e 82 de espécies híbridas, além de abrigar a primeira espécie catalogada há 59 anos oriunda do Amapá, a Epidendrum amapaense.

A reforma custou R$ 141.813,16 e incluiu a inclusão de um telhado misto em telha cerâmica, sombrite e alambrado. 

Local abriga a primeira espécie catalogada no Amapá, a Epidendrum amapaense. Foto: Fernando Tavares\PMM

Jacaré no tucumã: pratos com filé de jacaré são servidos por chef em reserva de Rondônia

Restaurante foi construído no quintal da casa de Jorge Lopes. ‘Jacaré no tucumã’ é um dos pratos mais famoso do local.

Aos 50 anos, Jorge Lopes descobriu sua verdadeira paixão: a culinária regional. Inicialmente, ele começou cozinhando para esposa e amigos próximos, que já notavam seu dom florescendo.

Hoje, ele é especialista em pratos feitos com carne de jacaré e gerencia seu próprio negócio dentro da comunidade Silva Lopes, dentro da Reserva Extrativista (Resex) Lago do Cuniã, local onde fica o único frigorífico do país com liberação para manejo de jacarés em área de reserva.

Jorge administra o próprio negócio e é especialista em pratos feitos com carne de jacaré e peixe. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

O que era hobby virou sustento 

Jorge Lopes nasceu e viveu na reserva até os 12 anos. Em 1994, quando voltou à comunidade para uma visita, tomou a decisão de permanecer e preservar seu legado como extrativista.

Restaurante de Jorge foi construído na varanda de sua casa dentro da Reserva. Foto: Emily Costa/g1 RO

Ele revelou que ficou na liderança da Associação de Moradores do Cuniã (Ascomun) por quase uma década, até 2004. Depois disso, dedicou seu tempo em aprimorar sua paixão culinária, que considerava apenas um ‘hobby’.

Sua motivação para se tornar chef de cozinha surgiu do desejo de surpreender o paladar de seus familiares e pelo apoio daqueles que provaram seus primeiros pratos. Ele acreditou no seu talento e resolveu investir.

“As pessoas que acreditaram e degustaram da minha comida lá atrás, quando o Jorge era apenas um cozinheiro de primeira viagem, foram meus maiores incentivadores para eu construir tudo isso”, 

relata, emocionado.

Jorge decidiu concretizar um sonho e transformou seu quintal em um restaurante de comida regional. Foto: Emily Costa/g1 RO

Há dois anos, Jorge decidiu concretizar um sonho e transformou seu quintal em um restaurante. Segundo ele, é um espaço dedicado a receber clientes, degustar as iguarias servidas e partilhar histórias. 

A história do ‘jacaré no tucumã’

O restaurante de Jorge fica dentro da Reserva, onde está localizado o único frigorifico do país com liberação de manejo de jacarés dentro de uma Unidade de Conservação Federal. No local, é permitido a comercialização da carne exótica para consumo. 

Carne de jacaré é vendida á vácuo e embalada pelo frigorífico da Reserva. Foto: Acervo/ICMBio NGI Cuniã Jacundá

Seu prato mais renomado, o ‘jacaré no tucumã’, surgiu da curiosidade do chef de inovar. Inicialmente, Jorge, que fazia parte da equipe de moradores envolvida no manejo e abate do animal, recebeu a tarefa de preparar uma costela de jacaré para a janta.

Ao chegar em casa, Jorge colocou a carne para marinar (quando o alimento, ainda cru, é exposto a temperos por um período determinado de tempo) e enquanto esperava, notou que sua esposa tinha deixado três tucumãs (fruto nativo da região) descascados. 

Carne de jacaré sendo cozida ao molho de tucumã. Foto: Emily Costa/g1 RO

Ao colocar a carne para cozinhar, percebeu que faltava algo. Ele então decidiu inovar. Pegou o fruto, cortou em pedaços, misturou com o caldo de jacaré, bateu no liquidificador e colocou na carne.

Hoje em dia, a receita do molho passou por aprimoramentos e é feita de uma forma diferente. Como todo cozinheiro experiente, Jorge guarda seu segredo. Esse prato representa uma das criações mais famosas chef.

Jacaré no tucumã é um dos pratos mais famosos do restaurante. 

Ingredientes nativos da região 

Jorge, um apaixonado pelo rock nacional, encontra inspiração para seus pratos enquanto se entrega às melodias de Titãs, Jota Quest, Legião Urbana e Paralamas do Sucesso, que ecoam em seu restaurante. 

Chefe de cozinha possui outras criações próprias, feitas com a carne de peixes nativos da região. Foto: Emily Costa/g1 RO

Além do ‘jacaré no tucumã’, o chefe de cozinha possui outras criações próprias, todas feitas com a carne de peixes nativos da região, como:

  • pirarucu no molho do tucupi;
  • pirarucu no molho da chicória;
  • pirarucu na castanha-do-Brasil;
  • jacaré com abacaxi;
  • baião de dois com banana e outros.
Jacaré no tucumã é um dos pratos mais famosos do restaurante. Foto: Emily Costa/g1 RO

Durante o preparo dos pratos, ele conta com a ajuda de ajudantes e garçons, que são os moradores da própria comunidade. “Contrato ajudantes e auxiliares de cozinha que são moradores daqui mesmo. Somos uma comunidade, a gente se ajuda como pode”, destaca. 

Café da manhã regional preparado pelo chefe de cozinha. Foto: Emily Costa/g1 RO

Jorge revelou que adquire a carne do peixe diretamente dos pescadores, a carne de jacaré do frigorífico da reserva e as galinhas caipiras dos criadores da comunidade. Além dos ingredientes que são os próprios frutos nativos da reserva. 

*Por Emily Costa, do g1 Rondônia

Essa reportagem faz parte da série “Vivendo da floresta” do g1 Rondônia, que conta as histórias de moradores que vivem dentro da Reserva Extrativista Lago do Cuniã, em Porto Velho.

População de caranguejos-uçá é estimada por pesquisadores em ilha na costa do Amapá

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Estudo a longo prazo é feito pelo ICMBio na Estação Ecológica de Maracá-Jipioca. Pesquisadores da Ueap e do Iepa também participam do monitoramento.

A estimativa populacional e a média de tamanho dos caranguejos-uçá estão sendo monitorados na Estação Ecológica de Maracá-Jipioca, no litoral do Amapá. O objetivo do estudo também é verificar a saúde dos manguezais, se estão preservados ou se sofreram algum tipo de impacto negativo.

A pesquisa de longo prazo é desenvolvida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e conta com a participação de pesquisadores da Universidade do Estado do Amapá (Ueap) e do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (Iepa).

Reserva possui cerca de 58.756 hectares. Foto: Alessandra Lameira/ICMBio

Esse foi o sexto monitoramento da área, onde ocorrem a verificação e medição de tocas. O chefe da reserva, Iranildo Coutinho, detalhou como ocorre a contagem.

“A partir da contagem obtemos dois resultados com essa análise: a estimativa populacional do caranguejo e a média de tamanho, ou seja, se está havendo alguma alteração por algum fator externo. A gente avalia com esse monitoramento se as estratégias de proteção estão surtindo efeito”,

descreveu Coutinho.

Pesquisadores percorreram tocas em pontos espalhados pela reserva. Foto: Alessandra Lameira/ICMBio

Na estação ecológica, que possui 58.756,95 hectares, é proibida a captura de caranguejo por se tratar de uma unidade de conservação. A área serve como berçário da espécie, que acaba se dispersando para outros manguezais fora das áreas protegidas.

Os manguezais são áreas que servem como proteção do litoral, regulação climática, fonte de alimentos e ecoturismo, por exemplo. Essas áreas são habitats para espécies terrestres, estuarinas e marinhas.

Um dos braços da pesquisa é o estudo de fatores físico-químicos, como explicou o cientista do Iepa, Salustiano da Costa Neto. “Trabalhamos com o monitoramento da água intersticial, aquela água que está no solo, onde analisamos os parâmetros de salinidade (teor de sal no solo), potencial hidrogeniônico (pH) e a profundidade de onde está presente essa água para poder fazer a relação com a estrutura da comunidade de plantas dos manguezais”, explicou o pesquisador do Iepa. 
Dados servirão como base para gerenciamento da estação ecológica. Foto: Alessandra Lameira/ICMBio

Já a Uepa, analisa os componentes vegetais, como detalhou a pesquisadora Zenaide Miranda. “Nós fazemos coletas de dados relacionados à altura e ao diâmetro das árvores A importância desse monitoramento é saber como as florestas de mangue estão respondendo às mudanças ao longo do tempo”, informou a pesquisadora.

Os dados coletados serão analisados a partir do protocolo do Subprograma Marinho Costeiro, e darão subsídios ao gerenciamento da reserva. 

Monitoramento busca mapear caranguejos-uçá no litoral. Foto: Alessandra Lameira/ICMBio

Casal rondoniense constrói restaurante à margem de lago cercado por jacarés

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Com 71 anos, Eduardo realizou o sonho da esposa no dia do aniversário dela. Casal se conheceu na Resex do Lago do Cuniã e está junto há mais de 50 anos.

Domingas Lopes sempre desejou ter um restaurante dentro da Reserva Extrativista (Resex) Lago do Cuniã, na região do Baixo Madeira, em Porto Velho (RO), mas jamais imaginou que isso seria possível.

Há cerca de um ano, seu marido realizou esse sonho ao inaugurar o restaurante, localizado às margens do lago repleto de jacarés, no dia do aniversário dela.

“Com muito trabalho e esforço, eu estou realizando seu sonho. Esse restaurante é seu. Eu sou apaixonada pela minha esposa e faço tudo por ela”,

relatou Eduardo. 

Restaurante de Domingas foi construído á margem do Lago do Cuniã. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

Domingas possui algo único: o amor pela culinária regional. Ela se dedica em preparar pratos feitos com carne de jacaré dentro da comunidade Silva Lopes no Cuniã, local onde fica o único frigorífico do país com liberação para manejo de jacarés em área de reserva. 
Eduardo realizou o sonho da esposa Domingas de ter o próprio restaurante ás margens do Lago do Cúnia. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

Sonho distante 

Domingas Lopes, de 62 anos, e Eduardo Lopes, de 72 anos, nasceram dentro da Reserva. O casal se conheceu na região e estão juntos há mais de 50 anos.

Eduardo conta que na época que conheceu a esposa, ela era uma pessoa bem ‘difícil’ de conquistar, mas como todo brasileiro, persistiu. Domingas, que havia se mudado para Porto Velho, em uma de suas visitas à família na reserva, se apaixonou por Eduardo e resolveu ficar.

Apesar de cozinhar há mais de duas décadas, a senhora começou a se dedicar à culinária regional nos últimos cinco anos. Seu sonho sempre foi se tornar ‘chef de cozinha’ e ter um restaurante às margens do Lago do Cuniã, dentro da reserva. 

Domingas é cozinheira há mais duas décadas mas nos últimos 5 anos começou a se dedicar á culinária regional. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

O marido, ao ouvir diariamente os sonhos da esposa à beira do lago, decidiu preparar uma surpresa. Eduardo se planejou e economizou dinheiro por um tempo. O restaurante foi construído de acordo com os desejos de Domingas, com uma vista privilegiada e nas cores favoritas dela. 

“Todo mundo se admirava em ver eu carregando madeira. Meus filhos até falavam que eu ia não aguentar trabalhar. Mas eu precisava realizar o sonho da minha esposa”,

explicou Eduardo.

Marido construiu restaurante de acordo com os desejos da esposa e nas cores favoritas dela. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

O sabor da região 

Em setembro de 2022, o restaurante foi oficialmente inaugurado em uma celebração que aconteceu no dia do aniversário da chef de cozinha. Domingas se emociona ao relembrar dessa data tão importante em sua vida e expressa profunda gratidão ao marido pelo gesto.

“Eu tinha a esperança de realizar o meu sonho, mas não imaginava que viria do meu marido. Foi uma grande surpresa. Sou muito grata”,

conta.

Sonho de Domingas sempre foi se tornar chef de cozinha e ter um restaurante às margens do Lago do Cuniã, dentro da reserva. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

O restaurante foi nomeado pela cozinheira como ‘Sabor da Região’ e as especialidades da casa são pratos feitos com carnes de jacaré (em tira e frito ao molho), galinha caipira (cozida) e peixes nativos (assado e frito). 

Pratos regionais servidos no restaurante da chef de cozinha dentro da Reserva. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

As iguarias são vendidas no estilo self-service e os temperos são o amor, carinho e um segredo guardado a sete chaves pela chef de cozinha. 

“Hoje eu me sinto feliz de estar trabalhando no meu restaurante aqui no Lago do Cuniã. Não pretendo sair daqui nunca”,

relata, emocionada.

Vista do restaurante para o Lago. Foto: Emily Costa/g1 Rondônia

*Por Emily Costa, do g1 Rondônia

Essa reportagem faz parte da série “Vivendo da floresta” do g1 Rondônia, que conta as histórias de moradores que vivem dentro da Reserva Extrativista Lago do Cuniã, em Porto Velho.


Questão climática sobre a floresta amazônica deve incluir justiça social

Para pesquisadores reunidos na COP 28, a discussão sobre a proteção e o futuro da Amazônia não pode desprezar as realidades regionais.

No painel ‘A Amazônia e Justiça Climática’, 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai (Emirados Árabes Unidos), pesquisadores reiteraram que é necessário incluir as comunidades locais nas discussões sobre o que precisa ser feito na Amazônia para a redução da emissão dos gases de efeito estufa e na questão da transição energética.

Organizado pelo Consórcio Interestadual Amazônia Legal, USP, Pontifícia Universidade Católica (PUC) São Paulo, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seção São Paulo e Tribunal Regional Federal da 3ª Região, todos os participantes do painel, concordaram que para um futuro justo e sustentável da maior floresta tropical do mundo as regras precisam ser juridicamente determinadas e focadas nas diferentes comunidades.

A discussão sobre o futuro da floresta amazônica foi além da necessidade da preservação e sua resposta ao aquecimento global e colocou no centro dos debates a questão das comunidades pobres e vulneráveis que vivem e dependem dela. O encontro trouxe para a discussão o desafio da sua extensão: a floresta amazônica possui mais de 5 milhões de km2, distribuídos por nove países; 60% deles em território brasileiro. No Brasil sua área abrange nove Estados, 775 municípios, uma área que representa quase a metade de todo o território nacional.

Da direita para esquerda, Rosa Ramos da OAB-SP, Patrícia Iglecias da USP e Consuelo Yoshida da PUC-SP/TRF3, que abriram o Painel Amazônia e Justiça Climática durante a COP28. Foto: Rose Talamone

O painel, com a presença de pesquisadores da USP, também discutiu o papel fundamental do Judiciário nos assuntos ambientais e climáticos, a necessidade de implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para uma efetiva justiça climática, direito fundamental e a necessidade de pensar o desenvolvimento sustentável de forma global, focado em ações locais.

No debate em torno do Direito e das políticas ambientais foram destacados os impactos ambientais como elementos centrais. Para os pesquisadores, historicamente no Brasil e no mundo ocidental a consideração desses impactos tem sido limitada, especialmente em relação às discussões climáticas, que afetam fauna, flora, recursos hídricos, uso do solo, estética e cultura. 

“O Brasil carece de uma análise climática direta em seus processos de licenciamento ambiental, estudos e termos de referência. A lacuna na política ambiental é evidente na ausência de padrões de qualidade ambiental relacionados ao clima. Enquanto há parâmetros para outras áreas, como som, construção civil e atividades minerárias, não existem padrões climáticos estabelecidos administrativamente para penalizar seu descumprimento”, segundo Talden Farias, professor das Universidades Federais da Paraíba (UFPB) e de Pernambuco (UFP). 

Para ele, a discussão climática ainda é incipiente, sem um ponto de partida definido administrativa ou juridicamente. 

“Esta falha precisa ser encarada e enfrentada, já que os principais instrumentos de política ambiental têm negligenciado a discussão climática. O que é inaceitável”.

Desenvolvimento sustentável

Farias cita a necessidade de aplicar o princípio do desenvolvimento sustentável, que preconiza pensar globalmente e agir localmente. Como exemplo interessante de iniciativas locais, cita os corredores ecológicos em Medellín, Colômbia, que incorporam questões como direito à moradia e saneamento para comunidades desfavorecidas. “Essas iniciativas devem ser amplamente discutidas e integradas a uma perspectiva ambiental que leve em conta a justiça social. Portanto, é urgente que nossas políticas ambientais considerem os desafios climáticos e incorporem medidas para promover uma transição mais justa e sustentável para todos os setores da sociedade.”

Para a representante da USP Patrícia Iglecias, superintendente de Gestão Ambiental (SGA), o País precisa de um modelo econômico que leve em conta o uso sustentável dos recursos naturais. A bioeconomia, diz, “movimenta cerca de 22 milhões de empregos atualmente e 2 trilhões de euros e existe uma projeção de que até 2030 a bioeconomia poderá responder por 2,7% do PIB dos países membros. Em termos práticos, existem desafios nessa região e são muitos. A defesa da sociobiodiversidade amazônica é um ponto fundamental, mas também a gestão de resíduos sólidos é um grande desafio, assim como a qualidade do ar. São temas que podem ser vistos como temas macros, que precisam ser resolvidos regionalmente. Aí entra a questão da justiça climática, onde o Judiciário possui um papel fundamental”. 

Para Consuelo Yoshida, desembargadora do Tribunal Regional Federal, se sabe que está cada vez mais difícil viver no planeta e que são os mais vulneráveis os que mais sofrem com as mudanças climáticas. 

“Portanto, implementar os 17 ODS até 2030 é um dever com as futuras gerações”.

O meio ambiente como direito fundamental foi lembrado por Gabriel Wedy, do Instituto O Direito Por um Planeta Verde. “Na luta para enfrentar os extremos climáticos e o aquecimento global, temos que pensar também na educação climática”. 
A degradação na Amazônia devido a atividades como desmatamento e incêndios continua ocorrendo. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

Mercado de carbono na Amazônia 

 Mesmo que o bioma da Amazônia tenha uma importância indiscutível para o Brasil e para o mundo, a degradação, devido a atividades como desmatamento e incêndios, continua a ocorrer, “sendo que 90% dessas áreas são direcionadas para a pecuária, muitas vezes feita de maneira ilegal e prejudicial ao meio ambiente. Isso resulta em 50% das emissões brasileiras de gás de efeito estufa, embora a Amazônia represente apenas 9% do PIB do País”, diz Rodrigo Jorge Moraes, do Instituto dos Advogados do Estado de São Paulo. 

Segundo Moraes, estudos da PUC-Rio e do Projeto Amazônia 2030 indicam que tornar as atividades na floresta mais rentáveis e legais exigiria que uma tonelada de carbono, por exemplo, valesse no mínimo US$ 20. No entanto, diz, o mercado atualmente já sugere valores que podem girar de US$ 90 a US$ 100. Se o valor fosse estabelecido em US$ 20, que é o mínimo, o Brasil poderia receber cerca de US$ 320 bilhões nos próximos 30 anos, devido à captura de carbono pela floresta e à redução do desmatamento. “Esses dados demonstram a enorme importância da regeneração e conservação da floresta amazônica. Para alcançar esse objetivo, desafios práticos precisam ser enfrentados, como a regulamentação do mercado de carbono, a garantia da integridade dos créditos de carbono por meio de uma titulação adequada e o estabelecimento de uma linha de base para negociações futuras”.

População ribeirinha. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O advogado destaca ainda a necessidade de um cuidado especial com a integridade das áreas, já que muitas são terras públicas sem documentação adequada, tornando essencial a regularização fundiária. “É importante que os créditos de carbono negociados tenham confiabilidade e integridade para garantir a eficácia das iniciativas de preservação ambiental na Amazônia. Assim, o cuidado com o bioma Amazônia não apenas preservaria um ecossistema valioso, mas também representaria uma oportunidade econômica significativa para o Brasil, desde que sejam implementadas práticas sustentáveis e eficazes”.

A representante da União Brasileira dos Advogados Ambientais, Renata Franco, falou sobre a importância de se conciliar políticas de comando e controle com incentivos para a preservação da floresta. Renata também mencionou a necessidade de garantias e regularização fundiária para efetividade nos pagamentos por serviços ambientais e ainda a importância da transformação digital para melhorar a eficiência na fiscalização e implementação dessas políticas. “É preciso envolver as comunidades locais, incluindo povos indígenas, para garantir o sucesso dos programas de pagamentos por serviços ambientais”. Para ela, não se pode mais discutir a Amazônia sem a participação e voz das comunidades locais.

O secretário adjunto de Meio Ambiente do Pará, Rodolpho Zahluth Bastos, destacou a necessidade de se debater a desigualdade socioambiental e como as políticas climáticas têm exacerbado a disparidade, resultando em injustiças na distribuição de recursos e vulnerabilidades. “A proteção ambiental muitas vezes acentua a desigualdade social, especialmente afetando os países menos poluentes, que enfrentam os maiores impactos. A implementação de políticas de baixo carbono e restauração florestal pode privilegiar grandes propriedades em detrimento de comunidades locais”, alerta. Para ele, a vinculação do crédito rural à regularidade ambiental exclui pequenos agricultores sem acesso à tecnologia, por exemplo. “Por essa razão, são necessárias políticas mais inclusivas e sensíveis a essas realidades regionais, especialmente na Amazônia, onde falta acesso à internet e recursos básicos para comunidades locais”.

Durante os debates, Fernanda Brando Fernandez, professora do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, manifestou sua preocupação com o esvaziamento do debate sobre a COP da Biodiversidade, em comparação à COP do Clima. “Coloco minha proposição para a COP do Clima, que acontecerá no Brasil, trazer aspectos da biodiversidade, a partir das colocações do Rodolpho sobre qual o papel do mercado de carbono na conservação da biodiversidade, considerando as pessoas em todos os elos da cadeia produtiva e o valor agregado nesse aspecto”.

Na opinião dos debatedores, é necessário o fortalecimento da base científica, conectando a academia com os setores público e privado para promoção de soluções realmente eficazes para os desafios ambientais. A ênfase na discussão recai sobre a conservação da floresta em pé e sua relevância, indo além do valor financeiro do mercado de carbono. Eles concluíram que há uma chamada para estabelecer métricas e metodologias que regulem o mercado de carbono de forma a garantir eficácia ecológica, sem esquecer as realidades regionais. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, escrito por Rose Talamone.

Povo Kokama, no Amazonas, tem história marcada por fugas e pressão política

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Os indígenas não sabiam ler, mas resgataram a oralidade de seus antepassados para explicar como seu povo, os Kokama, vieram do Peru para habitar aldeias no Alto Solimões, no Amazonas.

Na virada do século 19 para o 20, provavelmente fugindo da colonização espanhola na Amazônia peruana que obrigava os indígenas a trabalhos forçados, quatro famílias da etnia Kokama se encontraram no Alto Solimões, no Brasil, longe dos seus algozes. Em uma área de várzea, às margens do grande rio, o grupo encontrou as condições naturais que permitiram manter vivas suas tradições e cultura. Por quase 100 anos, os Kokama ocuparam pacificamente as terras ao redor da aldeia Acapuri de Cima, no Amazonas, sem se preocupar onde era a fronteira do território. Até a chegada do homem branco.

“Certa vez chegou um tal de Zé Ferreira prometendo nos ajudar em troca de votos na eleição. Mas os indígenas não votaram e ele então ameaçou nos expulsar”, lembra o ex-cacique Aty Manã, o Eduardo Januário, 80 anos. Ameaçados de perder suas terras, os Kokama não sabiam muito bem o que fazer. Foi então que eles deram início a uma verdadeira saga, por mais de três décadas, em busca da demarcação e do direito sobre o seu território ancestral.

Foto: Christian Braga/InfoAmazonia

“Nossos pais não chegaram aqui em um barco da Europa, eles vieram por esse rio, procurando lugares melhores para viver. Somos filhos dessa floresta. Foi aí que eu decidi ir atrás de saber dos nossos direitos, aquela terra era nossa casa, tudo que tínhamos”, 

contou Januário ao lado do seu fiel parceiro nessa jornada, Umari, o Benjamin Santiago, hoje com 70 anos, e que na época era vice-cacique.

A reportagem da InfoAmazonia chegou à Terra Indígena Acapuri de Cima, próxima da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia, em 6 de setembro deste ano. Um dia antes, o presidente Lula (PT) havia homologado a demarcação definitiva do território e reconhecido a ocupação tradicional dos indígenas da etnia Kokama. Para chegar até lá, é necessário uma longa viagem de 24 horas em uma lancha rápida. De barco convencional, saindo de Manaus, são mais de cinco dias navegando pelo Rio Solimões. Mas no final dos anos 80, quando Januário e Santiago descobriram que esse também era o caminho para buscar o reconhecimento dos direitos indígenas, uma viagem até a capital poderia demorar meses.

Januário (esquerda) e Santiago (direita) viabilizaram documentação e desenharam mapas para confirmar ocupação tradicional indígena, que levou mais de 30 anos para ter demarcação confirmada pelo presidente Lula. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia.

“A gente não tinha dinheiro nem para ir, nem para voltar. Íamos pegando carona com os barcos que desciam o rio e dormíamos nas aldeias que tinham pelo caminho. Na cidade, a gente dormia na rua mesmo”, lembra Santiago, que nos últimos anos se mudou para Manaus para acompanhar o tratamento de saúde da sua esposa.

Por muito tempo, a demarcação do território não era uma necessidade urgente para os Kokama de Acapuri de Cima. Mas o fato de não terem votado em Zé Ferreira para prefeito colocou o território em risco. Na época, explica Januário, a maioria dos indígenas não tinha título de eleitor e os que tinham votavam em Jutaí, município que fica na outra margem do Solimões, a poucos minutos de canoa da aldeia. Já a sede de Fonte Boa, onde Zé Ferreira queria que os indígenas votassem, fica a mais de 120 quilômetros, um trajeto de no mínimo um dia inteiro de barco.

Terra Indígena Acapuri de Cima foi homologada em setembro deste ano depois de mais de 30 anos de espera. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia.

“Quando ele viu que os indígenas não votaram, disse que era dono das terras e iria expulsar a gente. Que ia nos jogar em algum lugar de Jutaí. Eu fui até Manaus e desenhei lá para o pessoal da Funai qual era a nossa área”, conta Januário, que, apesar de não saber ler nem escrever, conseguiu identificar no mapa os lugares de uso comum dos indígenas, os pontos de roças, de coleta e de caça. 

A memória que tinham da história contada pelos pais, que só falavam em kokama, língua nativa de origem Tupi, ajudou os antropólogos a reconstituir a migração dos Kokama, que saíram da região de Caballococha, no Peru, para viver no Alto Solimões. No entanto, esse processo se arrastou mais que o esperado. 

Januário guarda os registros da luta pela demarcação e aponta foto em que ele e Santiago desenham área ocupada pelos indígenas para técnicos da Funai. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia

Identificação e delimitação do território 

Januário e Santiago estiveram na Funai em Manaus em 1991 e em 1995. Na segunda visita ao órgão, parte da Terra Indígena já estava sendo invadida, principalmente para retirada de madeira, contam os indígenas.

A portaria para identificação e delimitação do território só foi publicada em 1997. Já a confirmação da delimitação da área, feita com base nas informações de Januário e das pesquisas técnicas, só ocorreu em 1999.

“Cada vez que a gente ia para Manaus, as nossas expectativas aumentavam, mas sempre tinha um novo caminho a se fazer. Mas seguimos firmes e unidos na luta”, diz Santiago.

As idas e vindas viraram história para contar e exemplo para toda comunidade. Januário lembra que se não fosse a pressão e o risco real de serem expulsos, talvez os Kokama estariam até hoje vivendo como sempre fizeram naquela região.

“A gente não sabia nada, só sabia que éramos índios e que estávamos há muito tempo naquela terra. Fomos descobrindo que tinham leis para proteger nossos direitos, fomos descobrindo os caminhos sozinhos. Foi praticamente uma vida toda nessa luta”, 

lembra Januário.

A dupla se alternou nos cargos de cacique e vice-cacique de 1980 a 2017, quando ambos se afastaram para cuidar da própria saúde ou da saúde de familiares. A homologação da Terra Indígena em setembro deste ano pegou os dois de surpresa. Januário foi avisado por um telefonema do genro, que estava em Manaus, viu a notícia pela televisão e tratou de avisar prontamente Santiago.
Por mais de 30 anos aguardando a demarcação definitiva, povo Kokama na TI Acapuri de Cima preservou a floresta e própria cultura sob ameaças de serem expulsos. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia.

Agenda ambiental no centro da cultura Kokama 

No início dos anos 90, quando o mundo despertou para a pauta climática, Benjamin Santiago já sabia há muito que os indígenas só sobrevivem nesse mundo se preservarem também suas florestas. No Alto Solimões, por essa mesma época, o dito desenvolvimento fazia a população das cidades crescerem —mas não necessariamente em indicadores sociais. Jutaí, por exemplo, cidade mais próxima da TI Acapuri de Cima, tem uma das maiores desigualdades sociais do Brasil e um Índice de Desenvolvimento Humano Médio (IDHM) entre os mais baixos do país. O único acesso à cidade é de barco e a maioria dos suprimentos chega de Manaus.

A essa altura, não era somente Zé Ferreira que estava de olho nas terras dos indígenas: “até 1990, praticamente não existia contato com os não indígenas, mas, depois, a pressão vinha de todos os lados”, conta Santiago. 

Francieti Estevão Santiago cultiva milho, melancia, mandioca e jerimum. Enquanto os homens passam dias pescando, as mulheres cuidam da roça. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia.

Na época, ele buscou capacitação para fazer a preservação ambiental da Terra Indígena e foi um dos primeiros na região a implantar um sistema de manejo de peixes nos lagos da comunidade, ajudando a transformar a pesca, que já era uma habilidade nata dos Kokama, em meio de geração de renda.

“Nós sabíamos que os de fora estavam vindo para tirar as riquezas da nossa terra e, para nós, só tem sentido viver na terra se pudermos preservar”, contou, lembrando do sucesso que foi a primeira safra da empreitada.

No primeiro manejo dos indígenas de Acapuri de Cima no lago Mata-Mata, segundo Santiago, foram capturados 5.800 tambaquis. Na época, eles conseguiram melhorar a safra para vender o excedente na cidade. Até hoje, o manejo do tambaqui e do pirarucu é uma das principais atividades da comunidade junto da agricultura. Nas boas épocas para a pesca, como a da visita da InfoAmazonia à aldeia em setembro, os homens vão para o lago e ficam lá por dias, enquanto as mulheres cuidam das roças.

Cultivo agrícola na TI Acapuri de Cima. Foto: Reprodução/Mongabay 

Indígenas chegaram ao Brasil fugindo dos espanhóis 

A homologação da Terra Indígena deixou os Kokama da Acapuri de Cima mais tranquilos. “Agora ele [Lula] cadastrou, homologou e tá reconhecida”, diz Januário. Mesmo assim, as pressões continuam de outras formas.

Recentemente, as atuais lideranças que estão no cacicado do território firmaram acordos para desenvolverem um projeto para venda de créditos de carbono que é gerado com a preservação da floresta, que cobre praticamente toda Terra Indígena. O projeto é recheado de contradições.

Januário e Benjamin, assim como outros moradores da aldeia, dizem que não conhecem os detalhes do projeto, que nunca recebeu aval da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Ao falar sobre o assunto, Januário diz não ter muito a opinar, “mas algo me diz que isso não está nada certo”, disse à reportagem.

Esse parece ser só mais um capítulo da história dos Kokama de Acapuri de Cima, que remonta à trajetória de um povo que foi perseguido por séculos, com registros de contatos desde os primeiros anos da colonização espanhola no Peru. Os diferentes projetos colonizadores incluíam trabalho forçado dos indígenas nas chamadas haciendas, que também foi um dos motivos que forçou o deslocamento deste povo em busca de áreas mais retiradas na floresta amazônica. 

Família Santiago, uma das quatro que fundou a primeira aldeia, reunida na TI Acapuri de Cima um dia após Lula homologar a demarcação do território. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia.

O resumo do Relatório de Identificação da Acapuri de Cima narra que os Kokama que vivem no território descendem do grupo que vivia no rio Ucayali, que forma a bacia do rio Solimões do lado peruano, entre as cidades de Iquitos e Contamana. Pesquisadores estimam que os Kokama chegaram às terras altas da Amazônia peruana em torno de 200 ou 300 anos antes dos exploradores europeus. Os motivos variaram entre procura por alimento, fugir de guerras contra outros indígenas, motivos religiosos e, mais tardiamente, para escapar da escravidão europeia.

O movimento continuado de migração dos Kokama foi estabelecendo aldeamentos cada vez mais próximos do Brasil. No início do século 20, parte de um grupo que vivia nas proximidades da cidade peruana Caballocha, na fronteira, imigrou para o alto Solimões, estabelecendo aldeias que até hoje se estendem por 17 terras indígenas na calha do rio nos municípios de Tabatinga, São Paulo de Olivença, Benjamin Constant, Amaturá, Santo Antônio do Içá, Tonantins, Fonte Boa, Tefé e Jutaí, todos no estado do Amazonas.

O longo processo de migração do povo Kokama para a Amazônia brasileira foi marcado por diferentes formas de interação a depender da região em que escolhiam se assentar. Ao longo dos anos, relacionaram-se com outras etnias, como os Tikuna, Kambeba, Katukina, entre outros, e até hoje é comum encontrar Kokamas nos territórios tradicionais desses povos.

Em muitas aldeias, a cultura sofreu forte pressão para apagamento da identidade indígena. Até a década de 1980, a língua Kokama chegou a ser dada como praticamente extinta. Fora das aldeias, eles evitavam o próprio idioma com medo de perseguição. Mas graças a figuras como Januário, Santiago, e tantos outros que injetaram o orgulho de ser indígena na própria comunidade, a língua, a cultura e os costumes Kokama seguem resistindo. E agora com o território oficialmente reconhecido e homologado. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Fábio Bispo, em parceria com InfoAmazonia.