Jorge Lopes largou tudo para voltar para suas origens, já Adenias e a esposa sempre viveram na região mas não trabalham mais com o extrativismo. Elissandra viu quase todos os amigos irem para a cidade estudar, mas decidiu ficar.
“Nasci e me criei aqui, mas fui para a cidade. Quando voltei para passear, senti que tinha voltado para as minhas origens. Eu sou filho, neto e irmão de extrativista, esse é o meu legado”.
É com essas palavras que Jorge Lopes, de 61 anos, relembra como foi retornar para o lugar onde foi lhe dada a vida: a comunidade Silva Lopes, dentro da Reserva Extrativista (Resex) Lago do Cuniã, em Porto Velho (RO). Lá vivem descendentes de indígenas que habitavam o entorno do lago e migrantes que vieram para Rondônia em busca de trabalho em seringais.
Uma das principais características da região é mata verde e a presença de mais de 36 mil jacarés nos lagos. O local é monitorado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio).
As famílias são divididas em cinco núcleos dentro da Resex: Araçá, Neves, Pupunhas, Silva Lopes Araújo e Bela Palmeira.
Na Reserva Extrativista Lago do Cuniã em Porto Velho a existência e o sustento dependem da preservação da Amazônia. Confira a história dos moradores:
‘Esse é o meu legado’
Jorge Lopes nasceu e viveu na reserva até os 12 anos. Quando sua mãe faleceu, ele teve que mudar para Porto Velho e morar com uma tia. Durante esse período, trabalhou em diversas atividades até encontrar estabilidade como atendente de farmácia.
Em 1994, quando voltou à comunidade para uma visita, Jorge tomou a decisão de permanecer e preservar seu legado. Ao relembra o retorno, há 28 anos, ele descreve a comunidade como um “lugar rico e povo pobre”.
Jorge notou que a riqueza do local era a natureza, que permanecia da mesma forma desde sua mudança para a cidade. No entanto, a população carecia de diversos serviços. Foi quando ele percebeu que tinha algo errado: faltava liderança e união.
Ele decidiu conversar com os moradores e acabou se tornando líder da Associação de Moradores do Cuniã (Ascomun). No inicio, o principal objetivo da associação era lutar pelo direito de permanecerem no lugar de origem.
Isso porque, nos anos 80, a região do Lago do Cuniã foi declarada Estação Ecológica de proteção integral e não permitia a presença humana. Após uma longa batalha pelos direitos territoriais, a população local conseguiu transformar parte da Estação Ecológica em Reserva Extrativista, em 1999.
A partir desse ponto, ocorreram diversas transformações dentro da comunidade, como a implementação de energia elétrica, rede de água e acesso à internet. Surgiu também algo único: o manejo de jacarés, com frigorífico dentro de unidade de conservação.
Saiba mais: Conheça o único frigorífico do país com liberação para manejo de jacarés em área de reserva
Jorge ficou na liderança da Asmocun por quase uma década, até 2004. Depois disso, dedicou seu tempo à culinária regional. Atualmente, ele é especialista em pratos feitos com jacaré e peixes. É apaixonado pela reserva e não pretende voltar para a cidade.
A vida do extrativista e as mudanças
Um desafio ainda persiste na região é a renda local. Isso porque a maioria das famílias depende das épocas produtivas de diferentes frutos. Por exemplo, a renda proveniente da castanha só ocorre entre outubro e abril.
Atualmente ele é piloto de transporte escolar (que é feito por voadeira) e conta que essa foi a forma que encontrou para ajudar no sustento da família. Além disso, ele e a esposa criam galinhas para a própria alimentação e para ajudar a complementar a renda.
Adenias vive na comunidade Silva Lopes com a esposa Valdivania, que era pescadora e agora realiza serviço de censo de pescado. A filha do casal também trabalha com o transporte escolar.
‘Quero permanecer aqui’
Gesuíta Gomes mora no núcleo Araça e chegou à reserva com apenas um ano de idade. Aos 63 anos, desempenha o papel de dona de casa: sua rotina inicia às 5h da manhã.
A cozinha é o coração da casa de Gesuíta. Entre as panelas e pratos, a equipe encontrou a Luarinha, uma arara muito simpática que faz companhia para a dona de casa nos afazeres domésticos.
Elissandra de Oliveira, filha de Gesuíta, tem 25 anos e participa da liderança do programa “Jovem Extrativista” promovido pelo Icmbio. O objetivo é aprender a monitorar e preservar a floresta.
“A nossa tarefa é cuidar da floresta e da comunidade, não jogar lixo, cuidar dos animais. Eu acho que somos nós (moradores) que precisamos manter a reserva em pé”,
explica.
Embora tenha visto muitos amigos se mudando para a cidade para estudar e trabalhar, Elissandra não pensa em sair da reserva. A jovem busca oportunidades para construir sua vida dentro da própria comunidade.
Segundo Mauro Guimarães, analista ambiental do ICMBio, observa-se uma crescente tendência de esvaziamento nas Reservas Extrativistas. Isso se deve à migração dos jovens para áreas urbanas, deixando apenas os casais mais idosos. Essa evasão é uma realidade nacional.
A permanência nas reservas é restrita aos parentes próximos dos moradores e a venda de imóveis dentro da reserva não é permitida. Além disso, eles têm o direito de realizar o extrativismo do pescador e dos frutos nativos. A mineração e a atividade madeireira também não são permitidas.
*Por Emily Costa, do g1 Rondônia
Essa reportagem faz parte da série “Vivendo da floresta” do g1 Rondônia, que conta as histórias de moradores que vivem dentro da Reserva Extrativista Lago do Cuniã, em Porto Velho.