Foto: Divulgação/UFRA
Além de cultura alimentar na Amazônia, o açaí é um dos principais produtos de exportação do Pará. Dados divulgados pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap) apontaram que só no primeiro quadrimestre de 2024, o Pará exportou 4,2 mil toneladas de açaí. Um número que mantém o estado na liderança nacional de produção do fruto.
Mas a preocupação de pesquisadores como a professora Lina Bufalino, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), não é o açaí consumido ou o que sai da região. Mas o que sobra disso tudo.
“Se formos pensar que em um único fruto somente 20% é a polpa aproveitada para o consumo, temos aí 80% somente de resíduo, ou seja, de caroço. É um quantitativo muito alto”, explica a professora.
O caroço do açaí é um poluente ambiental que ainda não possui uma destinação adequada na região.
Diante dessa preocupação surgiu o AmazonCel, o primeiro laboratório de produção de celulose a partir da fibra de caroço do açaí. A fibra é aquele “pelinho” que encobre o caroço depois que é extraída a polpa. Pelo menos oito equipamentos instalados no laboratório possibilitam toda a linha de produção de celulose até a formação do papel.
“Existem outros laboratórios de celulose no Brasil, mas a intenção do AmazonCel é o contexto da Amazônia, porque a maioria dos laboratórios produz a partir do eucalipto, enquanto o AmazonCel visa atender demandas relacionadas à matérias-primas da Amazônia”, explica. O laboratório Amazoncel foi inaugurado na Ufra em junho de 2024, a partir de recursos da Fundação de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa).
O projeto visa o potencial da fibra do caroço do açaí na produção de embalagens, que podem ser utilizadas na indústria de cosméticos, farmacêutica, alimentícia. “Hoje fazemos um protótipo desses papéis, porque precisamos descobrir a melhor forma de produção e aí sim pensar num escalonamento de produção”, explica Bufalino.
Os estudos iniciais focam na fibra do caroço do açaí, mas há a possibilidade de que sejam utilizadas outras fibras de plantas amazônicas. “A estrutura que temos vai permitir que futuramente possamos diversificar e testar outras matérias-primas, como o Miriti; cipó titica, Paricá, tachi branco, são várias possibilidades”, afirma.
Os pesquisadores já conseguiram produzir o papel de forma eficiente, agora estão realizando testes para verificar o quanto o produto é resistente.
“Iniciamos os teste de resistência mecânica, para verificar se ele ele aguenta força, se rasga fácil, se em contato com a água ele desmancha rápido. São testes científicos que vão dar suporte para para o desenvolvimento da tecnologia”.
O caroço, recolhido junto a batedores de açaí da cidade, precisa passar por um tratamento antes que vire papel. É preciso lavá-lo, secá-lo e depois separar as fibras.
“Nesse primeiro processo há um grande potencial de envolvimento e parceria de cooperativas e das comunidades nessa separação, porque para a fabricação do papel precisamos de fibra em muita quantidade”, diz.
A equipe também está planejando o desenvolvimento de máquinas que possibilitem essa remoção e auxiliem no processo, visando a transferência dessa tecnologia para mais pessoas.
Etapas para a produção do papel
- Com as fibras em mãos, o papel pode ser produzido em três dias, passando por oito equipamentos na linha de produção.
- O primeiro processo se chama polpação ou cozimento, um processo em alta temperatura, pressão e com reagentes químicos. É um processo que serve para isolar a celulose.
- A partir disso é preciso fazer uma limpeza dessa polpa, em um processo chamado depuração, onde será coletada qualquer sujeira ou fibra que não foi bem despolpada e precisa ser limpa.
- Depois disso é feito um refino, que serve para deixar a fibra mais reativa, o que dá uma resistência melhor ao papel.
- Então é feito o processo de formação da folha, onde são usados quatro equipamentos, incluindo uma prensa de folhas;
- Aí se tem o papel pronto.
Óleo amazônicos
Outra etapa do projeto é associar esse papel à óleos amazônicos bem conhecidos na região, como a copaíba e a andiroba. Lina Bufalino explica que esses óleos poderiam agregar ao papel capacidade antifúngicas antibacterianas, por exemplo, o que seria interessante para a indústria de cosméticos.
“Ultimamente também estamos fazendo alguns papeis com valor decorativo, então seria interessante esses aromas para a identidade de papéis da Amazônia”, observa.
Para esses estudos é necessário um Nanofibrilador, equipamento que deve chegar ainda esse ano ao laboratório.
O caroço que fica
Enquanto a fibra tem potencial para produtos de maior valor agregado, ainda assim sobra o caroço. Segundo a pesquisadora, o caroço apresenta enorme potencial de virar bioenergia e biocarvão, ambas pesquisas que também são feitas pelo grupo.
“Bioenergia seria a queima direta do resíduo para produção de energia, algumas empresas já fazem isso”. Ela explica que para a bioenergia é necessário que tenha muita disponibilidade de resíduo (biomassa), o que é o caso do caroço.
O caroço também tem alta densidade, o que significa que num pequeno volume de caroço há bastante massa e consequentemente bastante energia estocada. “ Na prática isso significa maior rendimento energético ou maior rendimento em carvão vegetal”.
Já na produção como carvão, o Biochar, o caroço tem a vantagem de ter um tamanho regular, o que possibilita que a carbonização seja feita de modo regular. Mas é preciso ter cuidado com a carbonização, a partir de um processo chamado pirólise. “É um processo que temos que ter a presença controlada ou ausência de oxigênio. Se não tiver isso, a biomassa vira cinza, para ela virar carvão, essa degradação térmica tem que ser controlada”, explica.
O Biochar tem sido utilizado na agricultura, especialmente como potencial para recuperação de solos degradados e como retenção de carbono, estimulando os chamados créditos de carbono. O projeto também é desenvolvido por outros pesquisadores da universidade.
Lina Bufalino explica que o maior desafio com relação à bioenergia e biocarvão é a alta umidade do caroço. Mas a equipe já tem esse trabalho em andamento, testando formas de secagem para acelerar esse processo. “Além de perspectivas futuras, como secadores solar”, diz a professora.
*Com informações da UFRA