Especialistas preveem avanço maior das queimadas em 2022 no Amazonas

Manutenção da atual política ambiental do país, especulação em torno da pavimentação da BR-319 e eleições explicam o cenário de falta de proteção da floresta.

Após registrar recordes históricos nos últimos dois anos, o Amazonas deverá ter ainda mais focos de queimadas em 2022, segundo ambientalistas. Questões relacionadas à pavimentação da BR-319, ano eleitoral e a manutenção da atual política ambiental do país explicam o cenário pessimista para a proteção da floresta.

Em 2021, o Amazonas registrou um total de 14.848 focos de incêndio, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse é o terceiro pior número de queimadas da série histórica, iniciada em 1998.

Em 2020, o estado teve o maior número de queimadas da história: foram 16.729 focos de incêndio. O número superou o recorde anterior, de 2005, que agora figura como o segundo ano com os piores registros: foram 15.664 focos de queimadas.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) informou que a a Operação Tamoiotatá 2 tem previsão para iniciar ainda no primeiro trimestre de 2022, para prevenir as queimadas, que costumam aumentar a partir do segundo semestre.

Os meses de agosto, setembro e outubro são, geralmente, os mais secos do ano na Amazônia e também formam o período em que ocorrem os maiores índices de queimadas e desmatamento. 

Os ambientalistas respondem: 

  • Qual o cenário de queimadas previsto para 2022?
  • Qual o interesse em queimar a Floresta Amazônica?
  • Como reverter o quadro atual?

Qual o cenário previsto para 2022?

Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, acredita na manutenção da atual política ambiental do Ministério do Meio Ambiente, e por conta disso, prevê um cenário parecido, ou até pior, do que o registrado nos últimos anos.

“Temos visto, desde o início do atual governo, o desmonte sistemático dos órgãos de monitoramento e fiscalização da Amazônia. Além disso, é notório o enfraquecimento das políticas ambientais que mantém a floresta em pé. Vale lembrar, também, que esse número preocupante de queimadas aconteceu em um ano em que tivemos um curto verão amazônico”, pontuou o ativista.

Em abril de 2021, mais de 400 servidores de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assinaram um ofício, no qual afirmaram que todas as atividades de fiscalização de infrações ambientais desenvolvidas pelo órgão estavam paralisadas. 

Membro da brigada de incêndio do Ibama tenta controlar as chamas em um ponto de queimada em Apuí, no Amazonas, no dia 11 de agosto. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Segundo Muriel Saragoussi, doutora em Fisiologia Vegetal e ex-secretária nacional de Coordenação de Políticas Públicas para a Amazônia do Ministério do Meio, a especulação em torno do asfaltamento da BR-319 também tem atraído as ações de grileiros e garimpeiros, o que deverá ser intensificado em 2022, por ser um ano eleitoral.

“Em geral, nos anos eleitorais, há um crescimento do desmatamento porque todos os candidatos ficam prometendo que vão passar a mão na cabeça dos criminosos. E acho que aqui no Amazonas, infelizmente, a grande maioria dos candidatos são favoráveis ao asfaltamento da BR-319, e isso vai criando essa expectativa de posse da terra e essa expectativa de que o desmatamento vai ser recompensado”, explica. 

Qual o interesse em queimar a Floresta Amazônica? 

O ambientalista Rômulo Batista explica que a maior parte das queimadas registradas na Amazônia são criminosas. Geralmente, o fogo é utilizado para criação de áreas de pastos e como instrumento de desmatamento por madeireiros e grileiros.

“No verão amazônico, quando chove menos e a umidade do ar é menor, a grama seca, e o fogo é utilizado para a criação ou renovação de pastos, só que as chamas se espalham muito rapidamente. Além disso, os focos de incêndios também são provocados para finalizar o processo de desmatamento: tira-se a madeira de alto valor, e derruba-se a floresta, queimando todo o seu material orgânico”, explica.

Os municípios de Lábrea e Apuí, no extremo sul do Amazonas e na fronteira com os estados de Rondônia e Mato Grosso, concentram o maior número de focos de queimadas no ano passado. Justamente por conta da substituição da floresta por pastagens.

Muriel Saragoussi aponta, ainda, a especulação de grileiros em torno do asfaltamento da BR-319 como fator determinante para o aumento das queimadas.

“Grileiros e madeireiros têm entrado em áreas próximas à BR-319, e provocando esse desmatamento sucedido pelas queimadas, por acharem que assim que a estrada estiver asfaltada haverá aumento dos valores dessas terras. Então, eles acreditam que vão conseguir regularizar esses terrenos com o apoio do governo federal”, explica.

Nos dois primeiros anos do Governo Bolsonaro, a ocupação irregular em áreas da Amazônia Legal cresceu 56%, de acordo com levantamento do do Instituto Socioambiental (ISA). 

Como reverter o quadro atual? 

Os dois especialistas ressaltam que é necessária uma guinada na postura do Governo Federal para possibilitar a reversão do atual cenário, marcado pelo aumento contínuo da destruição da floresta amazônica.

“O Brasil já conseguiu reduzir, entre 2004 e 2012, as queimadas e o desmatamento na Amazônia. O que precisa ser retomado é justamente o que já deu certo no passado: forte investimento em tecnologia, valorização das carreiras ambientais, um plano de prevenção coordenado, e a participação da sociedade civil eh participação de universidades como a gente viu no passado”, afirma Rômulo.

A ex-secretária nacional de Coordenação de Políticas Públicas para a Amazônia do Ministério do Meio também cobra uma postura mais firme das autoridades federais para coibir os crimes ambientais.

“Precisamos de declarações públicas e ação efetivas das autoridades que transmitam a mensagem de que não vai haver leniência com quem comete crimes ambientais. É necessário uma ação firme na ãh declaração e na proteção das áreas protegidas, tanto nas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) quanto nas terras indígenas e em unidades de de conservação”, concluiu Muriel. 

No último mês, especialistas do Instituto Socioambiental (ISA) realizaram um levantamento apontando que o desmatamento durante a gestão Bolsonaro (2019 a 2021) aumentou 79% em comparação com os três anos anteriores (2016 a 2018) nas áreas que deveriam ser protegidas na Amazônia (Unidades de Conservação e terras indígenas).

Por Ayrton Senna Gazel, g1 AM

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