O encontro entre a águia e o condor selará a libertação de Abya Yala, de acordo com uma antiga profecia presente na cultura de diversos povos indígenas americanos. A águia representa o norte, enquanto o condor simboliza o sul, e esse voo simbólico significa a união de todos os povos originários de Abya Yala, como é chamado o continente americano.
A pesquisadora Bárbara Flores Borum-Kren acredita que “a profecia se cumpre sempre que os povos indígenas atravessam fronteiras geográficas impostas para construir coletivamente o bem viver”.
É o que Bárbara busca fazer com seu trabalho de pesquisa, que defende a reocupação de áreas degradadas pelos seus povos originários como a melhor maneira de promover recuperação ambiental e revitalizar práticas culturais, dando origem a “socioecossistemas resilientes e prósperos.”
Atualmente, Bárbara está nos Estados Unidos fazendo pós-doutorado na Universidade do Colorado, onde investiga a situação de territórios dos povos Ute, Walatowa, Navajo, Lakota, Odibwe e Yurokcomo em cinco estados norte-americanos.
Terra indígena degradada. Foto: Felipe Werneck.
“Eu estou buscando fazer uma troca de conhecimentos com povos indígenas, que estão passando por esse processo de restauração da memória biocultural ou que já passaram, e também me adentrando mais no movimento do land back (retomada da terra, em tradução livre), que aqui é bem forte, pelo reconhecimento dos Estados Unidos enquanto território indígena”, explica.
A pesquisa foi viabilizada pelo Programa Beatriz Nascimento para Mulheres na Ciência, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Bárbara também foi uma das contempladas por um edital de apoio a cientista negros e indígenas do Instituto Serrapilheira.
O trabalho da pesquisadora Bárbara Borum-Kren se baseia em dois conceitos principais, a memória biocultural e as cascatas socioecológicas.
“Toda essa relação que é construída ao longo de muitas gerações, de milênios, dos povos com o território, cria um vínculo tão forte que passa a ser uma relação de parentesco, que a gente chama até de floresta genealógica. Isso seria a memória biocultural a partir dessa perspectiva indígena. Ela atrela as questões biológicas do território com as questões culturais”, explica.
A pesquisadora defende que terras devastadas devem receber intervenções considerando a memória biocultural dos seus habitantes originários, o que provocaria as cascatas socioecológicas, processos em cadeia que levam tanto à recuperação ambiental, quanto ao resgate da identidade desses povos.
“Por exemplo, fazer todo o levantamento das plantas que são culturalmente importantes para o nosso povo, onde elas estavam distribuídas dentro do território e em qual quantidade, assim como dos animais, também são culturalmente importantes. E a partir desse diagnóstico, a gente consegue ver onde precisa atuar e intervir”, defende.
De acordo com Bárbara, algumas experiências estadunidenses podem apontar caminhos para o Brasil.
“No Colorado e na Califórnia, eles já fazem, por exemplo, projetos de restauração ecológica em parceria com os povos indígenas, utilizando os conhecimentos tradicionais para fazer a restauração de áreas degradadas. Também fazem gestão pública de parques naturais e áreas verdes em parceria com os povos indígenas que vivem no território”, esclarece.
Novas iniciativas, no entanto, segundo a pesquisadora, têm sofrido com as políticas educacionais do governo de Donald Trump, que vêm cortando o financiamento para pesquisas de temáticas consideradas progressistas, como os direitos da população indígena e meio ambiente.
O trabalho de Bárbara, por enquanto, não foi afetado, mas ela foi orientada pela Universidade do Colorado a não sair do país, nem mesmo para participar de eventos em outros países, pelo risco de ser impedida de retornar aos Estados Unidos.
O objetivo principal de Bárbara é que a troca de conhecimento com os povos norte-americanos contribua com o trabalho que ela desenvolve desde a graduação, voltado para a retomada e a recuperação do território Borum-Kren, na região de Ouro Preto, em Minas Gerais.
Foi isso, inclusive, que motivou Bárbara a se tornar a primeira pessoa de sua família com ensino superior. Desde criança, ela tinha o anseio de conhecer melhor a história de seus antepassados, soterrada por séculos de massacres e dominação cultural. O povo Borum-Kren é descendente dos Botocudos que, segundo a pesquisadora, foram perseguidos e assassinados, para abrir caminho para a exploração do ouro.
Os que restaram, ainda de acordo com a pesquisadora, sofreram diversas formas de assimilação cultural violenta.
“Os colonos que chegavam ganhavam o título da terra quando casavam com uma indígena, então isso desencadeou muitos sequestros de mulheres indígenas e muitos estupros. Houve também um comércio de crianças indígenas, para trabalhar nas carvoarias. Meu avô foi um trabalhador escravizado e o irmão dele foi uma dessas crianças sequestradas”, disse.
Sem acesso às próprias terras e enfrentando a miséria, a família de Bárbara se mudou para a capital, Belo Horizonte, em busca de melhores condições. Enquanto crescia, ela questionava sobre a história do seu povo, e o pai dizia que “todos já morreram”.
Povos indígenas do Amazonas — Foto: Marcos Vicentti/Secom
Hoje, ela sabe que isso é uma meia-verdade, e tem defendido que os Borum-Kren não somente resistiram à extinção alegada oficialmente, apesar de grande parte ter sido obrigada a deixar suas terras originárias, como a retomada dessas terras seria a melhor forma de restaurá-las após anos de exploração.
“Na medida que a gente restaura o território, a gente também restaura a cultura. Da mesma forma, quando a gente restaura a cultura, a gente também restaura o território”, defende.
Mas segundo Bárbara, uma condição primordial para que isso aconteça é o reconhecimento dos territórios usurpados das suas populações originárias e a demarcação.
“Ele [reconhecimento dos territórios] garante que você possa fazer esse trabalho que leva à recuperação ambiental, porque a partir do momento que você tem garantida por lei o usufruto da terra pelo povo indígena, é que a gente pode desenvolver ações. E muitas vezes essas terras estão em uma área de amortecimento, na divisa com parques naturais. Então, com a demarcação, a gente acaba criando um corredor ecológico e ampliando essas áreas protegidas”.
Bárbara tem se articulado com outros jovens Borum-Kren remanescentes e também integra o Movimento Plurinacional Wayrakuna, o primeiro grupo de pesquisa do Brasil composto por mulheres indígenas. Wayrakuna significa “filhas do vento”.
“É uma necessidade muito forte que a minha geração sentiu de mudar esses destinos de morte, que eram como uma predestinação. A gente quer mostrar que não é bem assim, que a gente pode fazer diferente, pode fazer algo efetivo em prol da ressurgência”, conclui.
O Amapá possui uma das áreas de maior biodiversidade do país, e apesar de serem estimadas cerca de 700 mil espécies, menos de 10% da fauna e da flora são conhecidas. Além disso, a região possui uma distribuição altitudinal que vai do nível do mar até 702.701 metros de altitude.
“A altitude fica lá no complexo da serra das montanhas do Tumucumaque, e nessa região não tem muita amostragem de fauna. A gente pode ter várias espécies distribuídas nessas serras porque o que a gente da biologia costuma perceber quando caminha no topo das montanhas é que existe toda uma fauna e toda uma flora extremamente adaptada”, declarou o doutor em ecologia Rogério Fonseca.
De acordo com Fonseca, os topos de morro das pequenas montanhas, das serras do Tumucumaque, por exemplo, formam núcleos de endemismos com espécies que só ocorrem naquele lugar.
“A natureza do Amapá é fortemente marcada por um equilíbrio entre terra, água e biodiversidade. Mas, diferentemente de outros estados amazônicos, o Amapá tem mais de 90% de sua vegetação nativa preservada, tornando-se um dos últimos refúgios de espécies que já desapareceram em outras partes da Amazônia”, destacou o mestre em biologia, João Pedro Costa Gomes, complementando a explicação de Fonseca.
Segundo Costa Gomes, o estado é privilegiado por suas paisagens praticamente intocadas, já que grande parte de seu território está sob proteção ambiental. Além disso, o Amapá combina florestas tropicais densas, rios imponentes, manguezais e campos abertos de savana amazônica.
O Portal Amazônia pediu aos biólogos para destacarem cinco animais que são a cara do Amapá e representem essa complexa diversidade característica da Amazônia para a #Série ‘A cara da Amazônia’:
Flamingo
Segundo Rogério Fonseca, o flamingo não está em todo o território brasileiro, sendo restrito somente ao Amapá, e se destaca na região litorânea do estado.
O flamingo possui uma perna extremamente alta, e de uma função ecológica de filtragem. Além disso, o animal come micro crustáceos que permitem que ele possua uma coloração avermelhada, assim como o guará, e o bico adaptado.
“A gente tem essa distinção de que no Amapá tem esse animal que nas demais partes do Brasil a gente não vai ver fora do zoológico, na natureza a gente não vai ver esses animais”, afirmou Fonseca.
O peixe-boi-da-Amazônia é um dos poucos mamíferos aquáticos herbívoros da América do Sul, com alimentação baseada em plantas aquáticas. É dócil, tímido e muito vulnerável à ação humana, especialmente devido à caça e ao tráfego de embarcações.
O animal é considerado a menor espécie de peixe-boi do mundo, chegando a medir até 3 metros de comprimento e 450 kg de peso. Sua coloração varia de cinza à preto, possuindo uma mancha de cor branca ou rosada na barriga que pode ser comparada à uma impressão digital.
De acordo com Costa Gomes, este animal desempenha um papel ecológico vital ao manter o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos e ajudar na dispersão de sementes submersas. Além disso, sua presença é rara, mas não impossível, e é alvo de programas de proteção e reabilitação.
Peixe-boi-da-Amazônia. Foto: Reprodução/Associação Amigos do Peixe-boi
Macaco-aranha-preto
O macaco-aranha-preto é um dos maiores e mais ágeis primatas amazônicos, possuindo uma cauda preênsil que atua como um quinto membro, ele se locomove com grande destreza entre as árvores.
Medindo cerca de 60 centímetros e pesando em média 8 kg, os machos da espécie possuem um chamado, utilizado para alertas de predadores e localização de alimentos, que pode ser ouvido a cerca de 500 metros pelos outros animais da espécie.
“O macaco-aranha é frugívoro e cumpre um papel fundamental na dispersão de sementes, o que o torna indispensável para a regeneração da floresta. No entanto, está sob ameaça pela caça e pelo desmatamento, sendo uma das espécies mais afetadas pela fragmentação florestal”, afirmou o biólogo João Pedro Costa Gomes.
Macaco-aranha-preto. Foto: Reprodução/Proteção Animal Mundial
Arraia-de-água-doce
A arraia-de-água-doce, com padrão circular semelhante aos olhos no dorso, é um predador do fundo dos rios, alimentando-se de pequenos invertebrados. Apesar de sua beleza, é temida por moradores ribeirinhos, pois possui um ferrão venenoso na cauda que pode causar acidentes dolorosos.
A espécie pertence a família Potamotrygonidae, e apresenta o corpo achatado em formato de disco, em que as nadadeiras peitorais, bem desenvolvidas e projetadas para as laterais, constituem a maior parte do corpo
De acordo com Costa Gomes, a arraia tem papel importante nos ecossistemas aquáticos, controlando populações de organismos bentônicos e indicando boa qualidade de água.
Arraia-de-água-doce. Foto: Itamar Júnior Tonial
Tartaruga-da-Amazônia
A tartaruga-da-Amazônia é uma das maiores tartarugas de água doce do mundo. Conhecida localmente como “tracajá” ou “jurará”, é uma espécie que desova nas praias fluviais durante a época seca, e que sofre há séculos com a coleta ilegal de ovos e caça dos adultos.
“Ela é considerada uma espécie “engenheira ecológica”, pois ao escavar ninhos e revirar as margens dos rios, ajuda a oxigenar o solo e promove o equilíbrio dos ambientes ripários. Hoje, é foco de ações comunitárias de conservação em várias regiões do Amapá”, afirmou Costa Gomes.
Além disso, a tartaruga-da-Amazônia possui como inimigos naturais, quando filhotes, os urubus, as piranhas, os jacarés e alguns outros peixes.
O Acre, situado no sudoeste da região Norte, tem como limites os estados do Amazonas e Rondônia e os países Bolívia e Peru. O estado é lar de uma das maiores biodiversidades, sendo considerado um santuário ecológico e berço das mais variadas pesquisas sobre biologia no mundo.
“O Acre abriga uma das porções mais preservadas da floresta amazônica brasileira. Sua paisagem é dominada por florestas de terra firme, várzeas e igarapés sinuosos, onde a biodiversidade prospera em níveis impressionantes”, declarou o mestre em biologia, João Pedro Costa Gomes.
Segundo o biólogo, a fauna do Acre é extremamente rica e diversificada, refletindo a imensidão e a complexidade da Floresta Amazônica, que cobre grande parte do estado. Essa biodiversidade destaca a importância ecológica do Acre, tornando-o um dos principais redutos de vida silvestre do Brasil.
O Portal Amazônia pediu ao biólogo para destacar cinco animais que são a cara do Acre e representem essa complexa diversidade característica da Amazônia para a #Série ‘A cara da Amazônia’:
Macaco-de-cheiro
O macaco-de-cheiro é um primata de hábitos diurnos que vive em grandes bandos nas copas das árvores da floresta. Ágil, comunicativo e sociável, o animal desempenha um papel ecológico fundamental como dispersor de sementes, sendo também um importante indicador da saúde do ecossistema.
Na espécie, os machos são maiores que as fêmeas e, com o avançar da idade, apresentam uma coloração geral mais clara no pelo. Seus braços e pernas são curtos, enquanto a cauda é longa, peluda, forte e preênsil, geralmente com a ponta enrolada, para ajudar na locomoção sobre as árvores.
De acordo com Costa Gomes, sua aparência simpática, com olhos grandes e expressão curiosa, o torna um dos queridinhos da fauna amazônica.
Macaco-de-cheiro. Foto: Rudimar Narciso Cipriani
Onça-pintada
Conhecido como o maior felino das Américas e predador de topo nos ecossistemas amazônicos, a onça-pintada pertence ao gênero Panthera, mesmo gênero dos leões, leopardos, tigres e leopardos-das-neves. Dotada de força extraordinária e uma mordida capaz de perfurar cascos e carapaças, ela é uma caçadora habilidosa, silenciosa e solitária.
Além disso, o padrão de pintas é único para cada onça, funcionando como uma espécie de ‘impressão digital’ do animal, o que ajuda a identificar o indivíduo e melhor estudá-lo.
“Presente em mitologias indígenas e temida por seu poder, a onça é também uma guardiã ecológica: sua presença indica um ecossistema equilibrado, onde a cadeia alimentar funciona plenamente. Infelizmente, ela sofre com o avanço do desmatamento e a fragmentação de habitat”, afirmou o biólogo.
O tamanduá-bandeira possui corpo grande, pelagem espessa e focinho longo, além de uma cauda grande e peluda, lembrando uma bandeira hasteada, o que dá origem a seu nome popular.
O animal percorre as florestas e campos em busca de cupins e formigas, que captura com sua língua pegajosa e rápida. Apesar de parecer lento e inofensivo, possui garras fortes que usa para se defender.
Segundo Costa Gomes, o tamanduá é importante no controle natural de insetos e também enfrenta ameaças, como atropelamentos e queimadas.
Tamanduá-bandeira. Foto: Reprodução/Onçafari
Traíra
A traíra, conhecida localmente também como “curupira”, é um peixe de comportamento sorrateiro, que caça à espreita e possui mandíbulas poderosas com dentes afiados. Alimenta-se de outros peixes, insetos aquáticos e até pequenos vertebrados.
A traíra é um peixe utilizado em açudes e represas como controlador de populações que se proliferam muito rápido e de forma descontrolada, como tilápias e piabas. Além disso, o peixe pode atingir 60 cm de comprimento e 4 kg de peso.
“Embora seja considerada um peixe ‘comum’, ela é vital para o equilíbrio das cadeias alimentares aquáticas e tem grande valor na pesca de subsistência e na culinária tradicional”, afirmou o biólogo.
Traíra. Foto: Reprodução
Jacaré-açu
O jacaré-açu, considerado um dos maiores répteis do continente, pode ultrapassar os 5 metros de comprimento. O animal, predador noturno e oportunista, se alimenta de peixes, aves aquáticas, mamíferos e até carcaças, desempenhando papel essencial na limpeza dos corpos d’água.
Ele apresenta uma coloração escura e manchas, quando jovens, que somem com o tempo. Além disso, sua reprodução ocorre uma vez por ano, quando as fêmeas põem de 40 a 50 ovos.
De acordo com Costa Gomes, o jacaré-açu já esteve à beira da extinção devido à caça ilegal por sua pele valiosa, mas sua população vem sendo recuperada graças a áreas protegidas como a Reserva Extrativista Chico Mendes e políticas de conservação.
Jacaré-açu. Foto: Reprodução/Instituto Marcos Daniel
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar
Estação Ecológica do Rio Acre. Foto: Reprodução/Estação Ecológica Rio Acre
A Estação Ecológica Rio Acre (EERA), criada por meio do decreto 86.061 de 2 de junho de 1981, fica localizada no município de Assis Brasil, no Acre, e possui uma área de 79.395,22 hectares. Além disso, a estação é uma área de proteção integral gestada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e uma das Unidades de Conservação de difícil acesso na Amazônia, o que dificulta a permanência de humanos residentes na área.
“Acerca da Estação Ecológica do Rio Acre, o primeiro aspecto importante é destacar que ela é uma unidade de conservação regulada pelo Sistema Nacional de Unidade de Conservação, que é uma lei federal que estabelece as unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável. A Estação Ecológica, juntamente com a Reserva Biológica, são as unidades de conservação mais restritivas, que quase não se pode fazer muita coisa ali”, declarou o doutor em geografia, Deivison Molinari, ao Portal Amazônia.
De acordo com Molinari, a ideia da estação é preservar a fauna e a flora para futuras gerações e para reprodução, focada em estudos, pesquisas, iniciação científica, dissertação de mestrado, tese de doutorado, trabalhos na área de biológica, de botânica, de alguma espécie animal que só tem ali, e de as espécies endêmicas.
A EERA antecede a constituição federal de 88, e possui um plano de gestão que organiza o funcionamento, o que pode ser feito e o que não pode ser feito nos limites da estação. Como se trata de uma unidade de conservação federal, ela é administrada pelo governo federal através de um órgão chamado ICM-1000 e possui quase 100% do seu território intacto.
Espécies ameaçadas de extinção encontradas na Estação Ecológica
O biólogo Nonato Amaral informa que, acerca de dados do IBAMA, apesar da reserva possuir uma área pequena em comparação com o restante do país, são encontradas no Acre cerca de 40% das espécies de mamíferos e 45% das espécies de aves do Brasil, além de 16% das espécies de animais brasileiros ameaçados de extinção.
Tatu-canastra. Foto: André Borges.
Tatu-canastra– Apesar de ser o maior tatu existente e ter ampla distribuição geográfica, essa espécie é considerada rara e está em perigo de extinção devido à caça e à destruição de seu habitat. Na EERA, foram encontradas apenas quatro tocas do animal, cuja dieta é baseada em cupins, o que indica que sua ocorrência na reserva é pouco comum.
Macaco-preto- O animal, considerado extinto ou com baixas densidades nas UC do Acre, possui baixas taxas reprodutivas e uma necessidade de grandes áreas de vida, além de ser facilmente extinto mesmo sob uma pressão de caça moderada. Segundo Amaral, o grande número de observações do animal na EERA evidencia o grau de preservação da área, pois essa é uma excelente espécie indicadora de pressão de caça no estado do Acre.
Tamanduá-bandeira. Foto: Luiz Carlos Rocha
Tamanduá-bandeira– Embora ocorra em todo o Brasil, o tamanduá-bandeira apresenta as maiores densidades populacionais no cerrado e no Planalto Central. Contudo, a intensificação do fogo e a caça predatória colocam a espécie sob ameaça em seus habitats principais. Na EERA, segundo Amaral, o tamanduá-bandeira parece ter alta abundância, tendo sido observados quatro indivíduos, além de dois rastros distintos e afastados, indicando presença significativa na área.
Soim-preto– Naturalmente raro e com distribuição restrita aos estados do Acre, Rondônia e ao trecho do rio Juruá, no Amazonas, o soim-preto não costuma ser alvo de caçadores devido ao seu pequeno porte. No entanto, sua baixa densidade populacional natural o torna vulnerável, sendo classificado pela IUCN como “Quase Ameaçado”.
Anta- De acordo com Amaral, apesar da sua ampla distribuição natural, a anta já desapareceu de diversas regiões (extinção local). Devido ao seu porte, é um animal muito visado pelos caçadores e seu hábito semi-aquático favorece a sua captura.
Lontra– A espécie foi registrada na EERA, no Igarapé do Tombo, por meio de observação direta feita por Alexandre Aleixo e pela identificação de fezes, confirmando sua presença na área.
Ariranha- Segundo Amaral, não houve registro da ariranha na EERA durante a coleta de dados, mas sua ocorrência é provável, pois a UC está inserida em sua área de distribuição e pelo registro feito pelos auxiliares de campo em expedição passada. Apesar de sua ampla distribuição, já está extinta em várias partes do País.
Onça-pintada– A destruição do habitat e a pressão de caça são as principais ameaças à sobrevivência da onça-pintada. Atualmente, grandes populações da espécie existem quase exclusivamente na floresta amazônica.
Onça-vermelha– Segundo maior carnívoro da EERA, atrás apenas da onça-pintada, a onça-vermelha também sofre com a destruição de seu habitat e a caça. De acordo com Amaral, esses animais costumam ser mortos por fazendeiros e moradores locais, geralmente mais por medo do que pelos prejuízos que possam causar a criações domésticas.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar (Com informações do Instituto Socioambiental)
Em um país marcado pela diversidade cultural como o Brasil, os livros de escritores indígenas têm conquistado cada vez mais espaço nas prateleiras. Eles trazem à tona a riqueza das culturas, línguas e saberes dos povos originários, além de explorarem a riqueza das línguas originárias, o protagonismo dos autores indígenas e os saberes e narrativas ancestrais.
Produzidas por autores indígenas de diferentes etnias, esses livros transitam entre a tradição oral e a escrita contemporânea, preservando memórias ancestrais e reafirmando identidades. Os variados estilos, que vão da poesia à narrativa autobiográfica, do conto ao pensamento filosófico, oferecem uma nova maneira de compreender os povos indígenas, seus mitos e modo de vida.
Pétala e Isa Souza, do perfil no Instagram afrofuturas fizeram uma curadoria com indicações que “podem ser uma ação de rompimento com imaginários coloniais estigmatizantes e reducionistas”. Elas informam que essa é uma lista “que fala da busca pela diversidade literária e o encontro com a pluralidade sociocultural dos povos indígenas, que no Brasil, somam mais de 300 povos”.
A ação foi também pensada para o desafio @leiarepresentatividade, para o tema ‘narrativas originárias – leia um livro ou HQ pra descolonizar imaginários sobre povos originários a partir da escrita de autores indígenas’. Confira a lista:
‘Ideias para adiar o fim do mundo’ – Ailton Krenak (Povo Krenak)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Em Ideias Para Adiar o Fim do Mundo, o líder e filósofo indígena Ailton Krenak desafia os alicerces do pensamento ocidental ao questionar a separação entre natureza e humanidade. Com base em palestras e entrevistas realizadas em Portugal, o autor denuncia o colapso ecológico como uma consequência direta da visão de mundo antropocêntrica e mercantilista.
“Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, dançar e de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta e faz chover. […] Minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história”, declarou o autor na sinopse do livro.
Krenak propõe uma nova forma de habitar o mundo, com base no reconhecimento da diversidade e na escuta dos saberes ancestrais dos povos indígenas. Um livro que aborda a necessidade de repensar a relação da humanidade com a natureza e a busca por um futuro mais sustentável.
‘Mapinguari, o dono dos ossos’ – Yaguarê Yamã (Povo Maraguá)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Misturando tradição oral e elementos da literatura fantástica, Yaguarê Yamã apresenta sete contos que mergulham no imaginário do povo Maraguá, localizado no rio Abacaxis. As histórias narradas giram em torno de criaturas míticas como o Mapinguari, o terrível monstro comedor de carne humana, a Pókwára, a monstrenga de mãos furadas, e o Zuruãga, aquele que vagueia, apreciador das noites escuras e luas cheias, dos nevoeiros e temporais noturnos. Essas histórias habitam o universo noturno das aldeias e assombram crianças e adultos com sua presença.
O livro também aborda as histórias de Matī tapewéra, que aparece sob a forma de uma mulher velha, de um garoto maltrapilho ou de um pássaro negro, Jougororou, que assombra e come as pessoas, Tipuã, transformado pela magia numa entidade devoradora de pessoas e, por fim, um ser maldoso que adquire o aspecto físico de pessoas desaparecidas para devorar os parentes
Além disso, a obra transmite lições sobre coragem, comunidade e o valor da escuta, revelando como o medo pode ser enfrentado coletivamente.
‘Ay Kakyri Tama, eu moro na cidade’ – Márcia Kambeba (Povo Kambeba)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Em ‘Ay Kakyri Tama, eu moro na cidade’, em tupi-kambeba, Márcia Kambeba constrói uma ponte entre sua origem indígena e a vida em Belém do Pará, apresentando a história de seu povo e sua luta em poesias e imagens. A autora compartilha sua experiência como mulher indígena que vive entre dois mundos, sem abandonar suas raízes.
Com uma população conhecida de 50 mil pessoas, entre aldeados e moradores da cidade, o leitor pode conhecer e se encantar pela etnia Omágua/Kambeba pelo olhar de Márcia, uma de suas vozes mais expressivas.
A obra inclui poemas intercalados com fotografias de crianças indígenas em seus ambientes de brincadeira, domésticos e rotineiros. As poesias compostas por rimas diversas marcam os rituais e às marcações feitas com os pés, durante, por exemplo, as danças sagradas e as comemorações pertencentes aos povos originários.
‘Os herdeiros de Jurema’ – Eva Potiguara (Povo Potiguara)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Vencedora do Prêmio Carolina Maria de Jesus, Eva Potiguara narra no romance a trajetória de Jurema, uma jovem indígena dotada de dons espirituais e profundamente conectada com a força da terra e de seus ancestrais.
A história acompanha sua luta contra a invasão de terras por fazendeiros, ao mesmo tempo em que constrói uma narrativa de resistência e pertencimento. Além disso, a autora denuncia o apagamento histórico dos povos originários e evidencia a força da espiritualidade e da ancestralidade como elementos fundamentais da luta indígena.
“E eis que Eva Potiguara nos oferece, em forma de romance, cheio de poesia e generosidade, a história e a sabedoria que recebeu de seu povo e não guarda só para si. Obrigada, Eva, por nos ajudar a encontrar o caminho para fora do abismo que nos ameaça”, declarou a escritora Maria Valéria Rezende no texto de apresentação do livro.
‘Antes o mundo não existia’ – Umúsin Panlõn Kumu e Tolamãn Kenhíri (Povo Desana)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Publicado originalmente em 1980, o livro é uma coletânea de narrativas míticas que descrevem a história da criação do mundo sob a gênesis do povo Desana, habitante da região do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas. Além disso, a coletânea marca um momento histórico, pois é o primeiro livro escrito e ilustrado por indígenas no Brasil.
Os autores, pertencentes ao povo Desana, apresentam mitos de criação que explicam a origem do mundo, dos seres humanos, dos rios e da floresta, conforme sua tradição. O prefácio e introdução da sua primeira edição em 1980, ficou a cargo da antropóloga Berta Ribeiro, que em 1978 se encontrava na região do Alto Rio Negro para estudar o trançado indígena.
Em 2018 Tõrãmü Këhíri foi convidado para ir ao Rio de Janeiro. Através de longas conversas foi estabelecido algumas alterações referentes às edições anteriores. Além disso, Tõrãmü Këhíri também criou novas ilustrações, respeitando a narrativa anterior, que foram inseridas ao longo do texto e não no final como nas edições anteriores.
‘A queda do céu’ – Davi Kopenawa e Bruce Albert (Povo Yanomami)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Resultado de décadas de convivência entre o xamã Davi Kopenawa e o antropólogo francês Bruce Albert, a obra combina autobiografia, cosmologia Yanomami e manifesto político. Foi publicada originalmente em francês em 2010, na coleção Terre Humaine. O livro narra as meditações do xamã a respeito do contato com o homem branco, e a ameaça constante para seu povo desde os anos 1960.
Os capítulos do livro narram a vocação de xamã desde a primeira infância, fruto de um saber adquirido graças ao uso de potentes alucinógenos, o avanço dos brancos pela floresta e seu cortejo de epidemias, violência e destruição, e a odisseia do líder indígena para denunciar a destruição de seu povo.
Recheada de visões xamânicas e meditações etnográficas sobre os brancos, a obra é uma porta de entrada para um universo complexo e revelador. Além disso, o livro é uma ferramenta crítica para questionar a noção de progresso e desenvolvimento defendida por aqueles que os Yanomami chamam de “povo da mercadoria”.
‘Eu sou Macuxi e outras histórias’ – Trudruá Dorrico e Julie Dorrico (Povo Macuxi)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Julie Dorrico constrói, por meio de textos curtos e poéticos, um exercício da memória ancestral, reivindicando a força da circularidade e do pertencimento. Além disso, a autora explora a identidade indígena em meio à modernidade, convidando o leitor a mergulhar nas águas profundas da história de seu povo.
Ao recuperar histórias, sentimentos e símbolos que compõem a cosmovisão Macuxi, ela afirma que ser indígena é, acima de tudo, resistir, lembrar e criar.
“Julie Dorrico fez o caminho de esvaziar-se para ser preenchida pela memória e pelo pertencimento. Essas duas coisas estão presentes nos escritos poéticos e imagéticos que as palavras escritas agora dão forma. Ela nos presenteia com um mergulho em suas memórias ancestrais e contemporâneas para nos ajudar a criar coragem de trilharmos o mesmo caminho, aceitarmos o que há de originário em cada um nós e fazermos o caminho de volta, da aceitação, do desprendimento, da ancestralidade”, prefácio de Daniel Munduruku escrito no livro.
‘A Terra uma só’ – Timóteo Verá Tupã Popyguá (Povo Guarani Mbya)
Capa do livro. Reprodução/Amazon
Com base em sua vivência como liderança espiritual e intelectual do povo Guarani Mbya, o autor compartilha mitos de criação, narrativas sagradas e reflexões sobre a relação entre os seres humanos e a natureza. O livro propõe uma releitura do mundo sob a ótica indígena, evidenciando a espiritualidade como um eixo essencial para compreender a origem da linguagem, dos animais e das florestas.
O livro foi pensado durante os caminhos que o autor percorreu pela “Ka’a porã”, a Mata Atlântica, junto ao seu povo e foi a primeira obra contada pela primeira vez, por um Guarani Mbya, sem intermediário de um “juruá”, não indígena.
As narrativas dos Guarani Mbya sobre a origem da terra, do ser humano, da linguagem humana e dos animais e plantas da Mata Atlântica foram documentadas e traduzidas pela primeira vez por León Cadogan em Ayvú Rapyta. Cadogan dedicou-se por mais de 40 anos à defesa dos direitos dos Guarani Mbya, por quem foi apelidado de Tupa Cuchuví Vevé.
‘Awyató-Pót: Histórias indígenas para crianças’ – Tiago Hakiy (Povo Sateré-Mawé)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Voltado ao público infantil, o livro reúne quatro contos protagonizados por Awyató-Pót, personagem mítico que representa coragem, astúcia e liderança. Em uma linguagem acessível e cheia de fantasia, Tiago Hakiy aproxima o universo mítico dos Mawé ao cotidiano das crianças da cidade, mostrando que a sabedoria indígena também habita o universo lúdico.
A primeira história conta sobre o nascimento do curumim, fruto da união de uma índia metamorfoseada em cobra com um gavião real. A segunda narra a valentia e o caráter de liderança de Awyató-pót que conseguiu negociar com a Surucucu a Noite para levá-la a sua tribo.
Na terceira, o indígena derrotou o monstro Juma, devorador de seus parentes. Já na quarta e última história, Awyató-pót, já viúvo e dominado pelo ciúme que tinha da filha, e é enganado pelo sapo que desposou a moça.
‘A boca da noite’ – Cristino Wapichana (Povo Wapichana)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon.
Ambientado em uma aldeia repleta de encantos e mistérios, o livro narra a aventura de dois irmãos curiosos diante do mistério da noite. Além disso, o livro conta um pouco da infância, da família, do cotidiano e da criatividade do povo Wapichana.
O que será que acontece quando o sol mergulha no rio? Será que ele toma banho antes de dormir? E depois disso, será que ele passa a noite dormindo dentro do próprio rio? São algumas dúvidas que levam os irmãos Dum e Kupai a subirem a Laje do Trovão, o lugar mais perigoso da aldeia.
Os garotos ainda tiveram que ir dormir depois da história que seu pai contou sobre a Boca da Noite. Kupai, protagonista dessa história, ficou se indagando antes de dormir: será que essa boca tem dentes? Ela fala? Tem nariz? E se tem boca, deve ter cabeça e corpo, não é mesmo?
Estreando na literatura, Ytanajé Coelho Cardoso oferece ao leitor um retrato do cotidiano, das memórias e das transformações vividas pelo povo Munduruku. Situada na região do rio Canumã, a narrativa enfatiza o papel dos anciãos, a ameaça do desaparecimento da Língua Munduruku, com a morte dos velhos, e a vida na comunidade.
O livro também denuncia a extinção progressiva da língua materna e propõe a escrita como forma de resistência cultural e afirmação de identidade.
“Eu venho observando que nessa última década, na verdade, a literatura indígena tem ganhado cada vez mais destaque, sobretudo com as políticas desenvolvidas pelos povos indígenas de falarem, de exporem as suas perspectivas, as suas vozes, e sobretudo a partir da lei 11.645 de 2008, que é uma lei que obriga as escolas, por exemplo, a colocarem em seus currículos o estudo de história afro-brasileira e culturas indígenas em sua grade curricular”, declarou o autor, ao Portal Amazônia.
Ytanajé traz para o leitor, numa linguagem simples, o conhecimento da cultura, o dia a dia, as relações de amor, de amizade e da infância, do povo munduruku, habitantes do rio Canumã, na região de Borba-AM.
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
‘Umbigo do mundo’ – Francy Baniwa e Francisco Baniwa (Povo Baniwa)
Resultado de um diálogo entre pai e filha, o livro alterna as vozes narrativas inserindo palavras em Baniwa e Nheengatu.
A obra convida o leitor a adentrar um mundo habitado por entidades míticas, forças espirituais e saberes ancestrais, por meio de relatos sobre ciclos de vingança, benzimentos, metamorfoses e cantos sagrados.
Capa do livro. Foto: Reprodução/Estante Virtual
‘Wanrêmé Za’ra: mito e história do Povo Xavante’ – Vários autores (Povo Xavante)
Publicada 50 anos após o primeiro contato dos Xavante com os brancos, a obra resgata a história oral e a memória coletiva do povo.
Com narrativas míticas ilustradas por desenhos feitos por artistas Xavante, o livro dá forma e cor às histórias sagradas e aos rituais desse povo do cerrado.
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
‘Estrela Kaingáng, a lenda do primeiro pajé’ – Vãngri Kaingáng (Povo Kaingáng)
A obra narra a origem do primeiro pajé do povo Kaingáng por meio da figura de uma estrela que desce dos céus para viver entre os humanos, e se apaixona por uma bela índia, com quem logo se casa.
Misturando elementos cósmicos com valores espirituais, a narrativa apresenta a luta entre o bem e o mal e destaca o papel fundamental dos líderes espirituais na proteção e na condução do coletivo.
Com a ajuda da sua Mãe Lua, a estrela terá de enfrentar espíritos do mal que tentarão atacar seu filho e sua esposa. Assim começa a história do primeiro pajé da tribo kaingáng, o líder que protegerá seu povo de todas as ameaças e os guiará para uma vida de paz, sabedoria e harmonia com a natureza.
Capa do livro. Foto: Reprodução/Livraria Maracá
‘Coração na aldeia, pés no mundo’ – Auritha Tabajara (Povo Tabajara)
Utilizando da literatura de cordel e da poesia nordestina, Auritha Tabajara constrói um livro que é, ao mesmo tempo, memória pessoal e manifesto coletivo.
A autora narra sua trajetória como mulher indígena, nordestina e artista, compondo um retrato plural de resistências e afetos.
Com xilogravuras que dialogam com a estética popular brasileira, o livro valoriza a persistência e a reinvenção cultural dos povos indígenas.
‘Boacé Uchô – A história está na Terra’ – Aline Rochedo Pachamama (Povo Puri)
Aline Rochedo Pachamama apresenta em “Boacé Uchô”, expressão que, em Puri, significa “palavra que pulsa na terra”, um documento de resgate e valorização da memória de seu povo.
Filha da Serra da Mantiqueira, Aline narra as histórias dos Puri a partir dos relatos de seus anciãos, denunciando o apagamento histórico e o silenciamento cultural resultado pelo colonialismo.
‘Um estranho espadarte na aldeia’ – Edson Kayapó (Povo Kayapó)
Capa do livro. Foto: Reprodução/Amazon
Ambientado no limite entre o real e o mítico, o romance de Edson Kayapó retrata o inusitado encontro entre um fugitivo italiano de um presídio na floresta amazônica e uma aldeia Karipuna, no extremo norte do Brasil. A partir desse choque cultural, o autor conduz o leitor por uma narrativa repleta de reflexões sobre pertencimento, reciprocidade e o olhar estrangeiro sobre o modo de vida indígena.
A trama, entrelaçada com fatos históricos do início do século XX, questiona a lógica da prisão, da civilização e da resistência, ao mesmo tempo em que explora a sabedoria e a espiritualidade dos povos da floresta.
“Quando o homem se acalmou, o pajé veio e lhe soprou sobre a cabeça a fumaça densa do cachimbo, falando um tanto de coisas que eu ainda não entendo, mas desconfio que seja a linguagem dos Karuãnas. O homem respirou profundamente, como alguém que emerge do fundo do rio, quase sem fôlego” (trecho do livro).
Em seu primeiro livro, a escritora Ane Kethleen entrelaça relatos biográficos, cantigas e histórias da vida e da liderança de Cacique Zé Fragoso e Luciana Zabelê, figuras centrais da luta Pataxó no sul da Bahia.
A obra revela a força da juventude indígena, que carrega consigo a memória dos antigos e o compromisso de recontar sua própria história.
‘O que falam as águas?’ – Ezequiel Vitor Tuxá (Povo Tuxá)
A obra de Ezequiel Vitor Tuxá propõe uma escuta poética e espiritual das águas como entidades vivas e sagradas. Ao refletir sobre os rios que atravessam o território e a existência do seu povo, o autor conduz o leitor por uma viagem onde natureza e cultura são inseparáveis.
Além disso, o livro é uma denúncia contra os impactos ambientais causados por barragens e um convite à reconexão com a Terra, combinando relatos comunitários, experiências pessoais e cantos ancestrais.
‘O presente de Jaxy Jaterê’ – Olívio Jekupé (Povo Guarani)
Olívio Jekupé apresenta a história de Kerexu, uma jovem indígena que busca fazer um pedido ao misterioso Jaxy Jaterê, guardião da floresta. Através de uma narrativa mágica, o autor mostra como a ancestralidade ainda orienta a vida das crianças indígenas e como a natureza é compreendida como um espaço sagrado e dotado de vozes.
Voltado para o público infantojuvenil, o livro também funciona como uma ferramenta pedagógica e de valorização da língua guarani.
O diesel verde, também conhecido como diesel renovável ou HVO (Hydrotreated Vegetable Oil), é um biocombustível destinado a motores de ciclo diesel. Sua composição é semelhante ao óleo diesel de petróleo, porém é derivado de matérias-primas renováveis.
Diferente do diesel convencional, um derivado do petróleo, e do biodiesel (FAME), que contém oxigênio em sua composição e pode exigir ajustes técnicos nos motores, o diesel verde se destaca por ser quimicamente semelhante ao diesel de origem fóssil, mas produzido a partir de fontes renováveis como óleos vegetais, gorduras animais e até resíduos orgânicos.
Além disso, o diesel verde integra a segunda geração de biocombustíveis, sendo resultado de um processo tecnológico avançado que remove o oxigênio e outras impurezas por meio do hidrotratamento.
“Nesse processo, as matérias-primas (óleos vegetais e gorduras animais) são tratadas com hidrogênio em altas temperaturas e pressão. Isso remove o oxigênio e outras impurezas, resultando em um combustível composto por hidrocarbonetos parafinícos, quimicamente idênticos aos encontrados no diesel convencional derivado do petróleo”, explicou o doutor em engenharia de transportes, Geraldo Alves de Souza, ao Portal Amazônia.
Entre as principais características do diesel verde estão sua maior estabilidade, longa vida útil (podendo chegar a 10 anos) e maior resistência à absorção de umidade, o que reduz significativamente os problemas de armazenamento. Segundo Souza, essa estabilidade contribui também para menor risco de entupimento de filtros, bicos injetores e bombas de combustível.
Diesel verde pode ser misturado ao diesel convencional. Foto: Reprodução/Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás
Além disso, o diesel verde também apresenta um número de cetano elevado (medida da qualidade da ignição do combustível diesel), fator que melhora a qualidade da combustão e a eficiência do motor, além de ser isento de contaminantes, o que reduz o desgaste dos componentes dos veículos (IBP).
De acordo com Souza, o diesel verde, conhecido como HVO, é um combustível “drop-in“, o que significa que pode ser usado puro (100% HVO) ou misturado ao diesel convencional em qualquer proporção, sem a necessidade de modificações nos motores ou na infraestrutura existente.
Um dos principais desafios do mundo atualmente é reduzir o impacto das fontes de energia sobre o clima. O grande problema está nos combustíveis fósseis, como o diesel, a gasolina e o carvão, que são responsáveis por grande parte das emissões de CO₂ (dióxido de carbono), um dos gases que intensificam o efeito estufa e contribuem para o aquecimento global.
“Esses combustíveis vêm do subsolo, onde o carbono está armazenado há milhões de anos. Quando extraímos e queimamos esse material, ele reage com o oxigênio do ar e libera energia, e também dióxido de carbono. O problema é que esse CO₂ não fazia parte do ciclo atual da natureza: ele estava ‘escondido’ e, ao ser liberado, aumenta a quantidade total de gases na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global”, explica Geraldo Souza.
De acordo com o Geógrafo, os biocombustíveis, como o etanol (álcool da cana-de-açúcar) ou o biodiesel (produzido a partir de soja, por exemplo), funcionam de forma diferente, já que plantas usadas para fabricar esses combustíveis crescem absorvendo CO₂ da atmosfera durante o processo de fotossíntese. Ou seja, quando queimamos esse combustível, o CO₂ que é liberado é o mesmo que foi retirado do ar antes pela planta.
“Isso significa que, embora também emitam CO₂, os biocombustíveis não aumentam a quantidade total de carbono na atmosfera, pois fazem parte de um ciclo natural de renovação. Essa é a grande vantagem deles em relação aos combustíveis fósseis”, afirmou Geraldo.
A combustão (queima de combustível no motor) libera CO₂ e consome oxigênio, já a fotossíntese consome CO₂ e libera oxigênio. Por isso, quando biocombustíveis são usados, o ciclo natural está apenas se repetindo, sem adicionar ‘carbono extra’ ao planeta, como acontece quando o petróleo é utilizado.
Por isso, o biodiesel e o diesel verde entram no grupo de energias limpas, já que eles representam uma forma mais consciente e equilibrada de produzir energia, sem contribuir para o aumento do efeito estufa.
Diferenças entre diesel convencional, biodiesel e diesel verde
De acordo com o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás, o diesel convencional é derivado do petróleo e vem sendo utilizado por séculos. O biodiesel e o diesel verde, embora sejam biocombustíveis e derivados de fontes renováveis como óleos vegetais e gorduras animais, são produzidos por processos químicos distintos e têm características diferentes.
O biodiesel (também conhecido como FAME – Fatty Acid Methyl Ester) é produzido por um processo chamado transesterificação. Nesse processo, óleos vegetais ou gorduras animais reagem com um álcool (geralmente metanol ou etanol) na presença de um catalisador.
Já o diesel verde ou HVO (Hydrotreated Vegetable Oil) é produzido por um processo de hidrotratamento, em que as matérias-primas (óleos vegetais e gorduras animais) são tratadas com hidrogênio em altas temperaturas e pressão.
Diesel verde na Amazônia
No Amazonas, um projeto de pesquisa desenvolvido em iniciativa conjunta da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), da empresa Eneva e de outras instituições parceiras, ‘Diesel Verde na Amazônia’, tem como foco estudar o potencial de oleaginosas nativas da região amazônica como matéria-prima para a produção de diesel verde.
Evento de lançamento do projeto. Foto: Reprodução/ Universidade Estadual do Amazonas.
“O diesel verde tem características muito parecidas com a do diesel fóssil, porém ele é uma fonte renovável. Sendo assim, nossa proposta visa apoiar comunidades locais que possam vir a produzir essa oleaginosa. Dentro dos nossos laboratórios, vamos verificar aquelas propriedades interessantes para que possamos escolher uma oleaginosa, de fato, capaz de suprir essa demanda”, explicou a Prof.ª Dra. Patrícia Melchionna, integrante do projeto e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia (GP-QAT) da UEA.
Segundo Melchionna, o projeto lançado em julho terá duração de 30 meses e prevê a transformação das oleaginosas selecionadas em HVO, a implantação de uma planta-piloto, a realização de análises técnicas e econômicas, além da avaliação do uso do combustível renovável no transporte fluvial e na geração de energia elétrica.
“Estamos muito felizes com o início deste projeto na EST/UEA. Imagine se, ao final dessa pesquisa, comprovamos que o HVO derivado das oleaginosas amazônicas pode ser usado em rabetas no interior do estado. Isso significaria redução de custos, menor impacto ambiental e maior integração com as comunidades ribeirinhas”, afirmou Márcio Lira, coordenador da Eneva, maior operadora privada de gás natural do Brasil.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar
Navio a vapor “Pará e Amazonas”. Foto: Reprodução/ Facebook Amadeu Hermes
Na madrugada do dia 8 de julho de 1870, um dos maiores desastres fluviais da história da região Norte marcou tragicamente os rios amazônicos. A colisão entre os vapores Purus e Arary, nas proximidades do Lago do Rei, resultou em mais de 100 mortos e cerca de 73 sobreviventes, entre eles crianças, mulheres e trabalhadores da região. O evento marcou a memória da região e expôs as fragilidades da navegação na Amazônia do século XIX.
O vapor Purus, da companhia Fluvial Do Alto Amazonas, zarpou de Manaus (AM) na noite do dia 7 de julho de 1872, com 204 pessoas a bordo e os porões abarrotados de mercadorias. Comandado pelo português Joaquim Corrêa de Brito, o navio seguia em direção ao alto rio Madeira, após uma viagem anterior já marcada por incidentes e tensão. Ao mesmo tempo, o vapor Arary, pertencente à Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas (do Barão de Mauá), subia o rio rumo à capital amazonense, com 228 passageiros.
Ambos operavam rotas regulares entre Belém (PA) e Manaus, transportando passageiros e mercadorias, especialmente borracha, que naquela década movimentava intensamente o comércio da região.
Conforme narra o historiador e artista Moacir Andrade no livro ‘História, costumes e tragédias dos barcos do Amazonas’, as lojas de Manaus estavam agitadas na véspera da partida do Purus, com famílias comprando objetos e mantimentos para seus parentes nos seringais do alto rio Madeira.
De acordo com o relato de Francisco Bernardino de Souza, em seu livro ‘Lembranças e Curiosidades do Vale do Amazonas’, o Purus seguia sua rota normalmente na noite do dia 7 de julho, quando, por volta das 2h15 da manhã, colidiu com o vapor Arary, que viajava de Belém rumo a Manaus.
A curva fechada do rio, somada à escuridão da noite e à forte correnteza, impediu que os dois navios se avistassem a tempo, causando um choque violento.
Navio a vapor desenhado por Moacir Andrade. Imagem: Reprodução/ Livro História, costumes e tragédias dos barcos do Amazonas
Os vapores navegavam pela mesma margem, em sentidos contrários, quando o Purus, comandado naquela hora por um prático embriagado, fez uma manobra errada e colidiu frontalmente com o Arary. O choque foi tão devastador que a proa do Arary penetrou o casco do Purus, dobrando-o quase ao meio.
A cena foi descrita com horror: “Os gritos de terror dos que se achavam no Arary, confundiam-se com o gemer dos moribundos, com o estertor dos que se debatiam esmagados, com os gritos pungentes de soccorro que soltavam os do Purús”, declarou Souza em seu livro.
Segundo relatos no livro de Moacir Andrade, o Arary “entrou sobre o Purus como se fosse parti-lo ao meio”. O desespero foi tão grande que passageiros foram lançados ao rio, onde muitos se afogaram ou foram atingidos por fragmentos do navio, e outros ainda, tragicamente, foram devorados por jacarés que infestavam a região.
As caldeiras do Purus explodiram após a colisão, acelerando o naufrágio e provocando ainda mais mortes. Além disso, a forte correnteza impediu que muitos alcançassem a margem, e os poucos botes lançados do Arary conseguiram resgatar sobreviventes, entre eles, 13 pessoas salvas pelo pescador Cirillo, que chegou ao local com sua canoa em meio ao caos.
Além disso, as mercadorias atrapalham a movimentação dos tripulantes e depois de muito caos entre os passageiros dos navios, o Purus afundou e os mortos foram encontrados flutuando nas margens do rio.
De acordo com Moacir Andrade, o navio Arary chegou a Manaus ao meio-dia do dia 8 de julho, com sobreviventes, feridos e mortos. A notícia do naufrágio se espalhou rapidamente pela cidade, provocando pânico e fazendo com que multidões invadissem o porto em busca de parentes.
Porto de Manaus. Foto: Reprodução/Instituto Durango Duarte
O governo provincial enviou embarcações para buscar os possíveis sobreviventes. No entanto, nenhum novo corpo foi encontrado nos dias seguintes, apenas fragmentos do navio e alguns pertences pessoais boiando pelo rio.
Depoimentos colhidos pelas autoridades da província apontaram grave negligência por parte da tripulação do Purus. O tripulante Antônio da Silva Lacerda, responsável pelo leme, afirmou que o prático Madeira, mesmo advertido sobre o risco da rota, insistiu na direção imprudente.
Além disso, ambos os práticos, segundo ele, estavam alcoolizados, e não havia nenhum oficial de comando no passadiço no momento do choque, o mestre dormia no convés inferior.
Uma reportagem de investigação publicada no jornal ‘O Catechista’, em 6 de agosto de 1870, questionava duramente a narrativa oficial e a ausência de responsabilização dos envolvidos. Além disso, o periódico criticava a falta de uma apuração séria e cobrava explicações claras das autoridades e da própria companhia de navegação, criticando severamente a ausência de responsabilização e o excesso de ‘hipóteses vagas’ e ‘versões contraditórias’ circulando entre a população e nos jornais locais.
Página do jornal O Catechista relatando o ocorrido. Foto: Reprodução/Biblioteca Pública do Amazonas
Segundo ‘O Catechista’, o Purus navegava de forma imprudente, enfrentando correntezas e obstáculos perigosos ao tentar cortar caminho pela rota do rio Arary, uma escolha considerada ‘injustificável’ dadas as advertências anteriores.
A matéria expressava ainda o sentimento de luto coletivo e revolta que tomava conta da população: “Não basta lamentar os mortos; é preciso aprender com os erros, rever instruções, treinar melhor os tripulantes e garantir que tragédias como essa não voltem a acontecer”.
Uma terceira versão, publicada posteriormente em reportagem do jornal ‘A Crítica’, tenta reunir elementos de todas as fontes e oferecer uma síntese mais próxima dos fatos. O texto narra que, por volta das 11 horas da noite do dia 7 de julho, o navio começou a apresentar problemas estruturais, provavelmente uma fissura no casco ou falha na caldeira, o que teria acelerado seu naufrágio.
Estima-se que 135 pessoas tenham morrido, e a figura do imediato João da Mata Fleury é lembrada com heroísmo, pois morreu ao lado da caixa do leme, mostrando-se fiel ao dever até o fim.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar. Os jornais utilizados como referência foram disponibilizados pelo Centro de Documentação e Memória da Amazônia e pela Biblioteca Pública do Amazonas.
A província do Grão-Pará incluía territórios que hoje pertencem os estados do Pará, Roraima, Amapá, Amazonas, Rondônia, Acre, Tocantins e Mato Grosso. Foto: Reprodução/MultiRio.
O termo ‘Grão-Pará‘ se refere a denominação que marcou por séculos a vasta região que hoje compreende o atual estado do Pará. Antes de ser apenas ‘Pará’, o território já foi capitania, província e estado, e seu nome está totalmente ligado à grandiosidade das águas que o banham especialmente à do rio Amazonas.
O termo ‘Pará’ vem do tupi pa’ra, que significa ‘rio-mar’, e era uma forma de traduzir a imensidão do braço de rio que compõe o complexo ao sul da ilha do Marajó, alimentado principalmente pelo rio Tocantins. Era tão largo que os povos indígenas acreditavam estar diante do próprio mar.
O adjetivo ‘grão’, hoje pouco usado no cotidiano, era sinônimo de ‘grande’ nos séculos passados, como se vê em expressões como ‘grão-duque’ e ‘grão-mestre’, e foi nesse contexto que surgiu o nome ‘Grão-Pará’, ou seja, o ‘grande rio-mar’.
Segundo o pesquisador e historiador amazonense Francisco Jorge dos Santos, autor de ‘Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia Pombalina’, no capítulo “Amazônia, uma colônia portuguesa diferente na América” o uso do termo ‘Grão-Pará’ tem origem na percepção portuguesa de que aquela região era marcada por proporções excepcionais.
“O ‘grão’ é só uma forma antiga de dizer ‘grande’. A ideia que se tinha na época era que o rio era muito grande, e achavam que ele até se confundia com o rio Amazonas”, afirma o historiador ao Portal Amazônia.
A designação também serviu como estratégia simbólica de posse e dominação num período em que Portugal disputava a Amazônia com potências estrangeiras.
A Amazônia era um estado autônomo, e com a presença portuguesa na região começa oficialmente em 1616 a fundação do Forte do Presépio, que deu origem à cidade de Belém, inicialmente batizada como Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Era o início da chamada ‘Terra de Feliz Luzitânia’, nome poético que logo deu lugar a uma nomenclatura mais estratégica: Estado do Maranhão, instituído formalmente em 1621.
Desenho de E. Riou a partir de croqui de M. Biard, 1862. Imagem: Domínio público/Biblioteca Nacional Digital
Em 1654, o governo português criou o Estado do Maranhão e Grão-Pará, separado do Estado do Brasil (cuja capital era Salvador). O objetivo era garantir maior controle sobre uma região repleta de riquezas naturais, de grande importância geopolítica e ameaçada por ingleses, holandeses e franceses.
“Por exemplo, lá no início do século 18 o que existia era o Estado do Maranhão, que mais tarde passou a se chamar Estado Maranhão e Grão Pará, e depois do Estado do Grão-Pará e Maranhão em 1751, depois o estado do Grão-Pará e Rio Negro em 1772, permanecendo assim até a independência, em 1822. Em seguida, com a formação do império, o território tornou-se a Província do Pará em 1823, perdendo oficialmente o grão”, detalhou Francisco.
A estrutura visava fomentar a economia local com a extração das chamadas ‘drogas do sertão’, especiarias como cravo, baunilha, cacau e urucum.
A antiga unidade territorial do Grão-Pará se manteve até meados do século XIX. Em 1850, por razões administrativas, a província foi desmembrada, dando origem à província do Amazonas, separando-se da região que permaneceu como Província do Pará, o que deu fim ao que já foi o imenso território do Grão-Pará.
O nome representava não apenas a tentativa portuguesa de consolidar sua presença na Amazônia, como também a percepção de que aquele território era grandioso demais para nomes comuns. Era, afinal, uma comunha portuguesa distinta no continente americano, como definiu o professor Francisco Jorge em seus estudos.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar
A Galeria do Largo, localizada no centro histórico de Manaus (AM), celebra em 2025 seus 20 anos de atuação com uma trajetória marcada pela diversidade artística, inclusão e compromisso com a contemporaneidade nas artes visuais.
Desde sua fundação em 2005, o espaço se consolidou como uma das principais referências culturais do estado, tendo realizado 173 eventos e exposições, sendo 111 mostras individuais e coletivas, com um total de 469 propostas artísticas apresentadas ao público.
As comemorações pelos 20 anos da galeria começaram com uma série de exposições coletivas que ressaltam a produção artística do estado. Entre elas está ‘Criaturas’, uma mostra que reúne 22 artistas professores entre o grafite, muralismo, desenho e performance.
Outro destaque da programação é a exposição o ‘Mergulho Entre Mundos’, do Estúdio Buriti, que apresenta o trabalho de jovens artistas de Parintins com produções que transitam entre o grafite, muralismo, desenho e performance.
A programação inclui ainda a exposição da artista indígena trans Awa Mendes, que mescla pintura, desenho, intervenções murais e vídeos.
“É importante frisar que é uma artista indígena trans e que faz do seu trabalho um conceito de abrangência bastante interessante a nível nacional”, destaca Cristovão Coutinho, diretor e curador da galeria.
O espaço também abriga uma exposição permanente da cidade fictícia de Santa Anita, além de uma mostra de fotografias do artista Alonso Júnior. da rede pública.
Exposição “Mergulho Entre Mundos”. Foto: Aguilar Abecassis/SEC-AM
Fundação da galeria
De acordo com Coutinho, os registros mantidos pela galeria a respeito da sua inauguração foram marcados por dois momentos importantes para a galeria.
“Nós temos duas datas em registros no memorial que nós mantemos aqui. Ela teve uma abertura no dia 4 de novembro de 2005, quando ocorreu no local uma exposição de cartazes de filmes históricos do cinema nacional, onde estava sendo realizada a abertura do segundo Amazonas Film Festival. Já na área de artes visuais a abertura acontece no dia 9 de dezembro de 2005, com a exposição de artes visuais dos artistas Sérgio Cardoso, Ottoni Mesquita e Jair Jacquemont”, afirma o diretor e curador.
A primeira diretora da Galeria do Largo foi Cléia Viana, que, ao lado do então secretário de Estado de Cultura, Robério Braga, idealizou o espaço com o propósito de integrar os artistas às políticas públicas culturais.
Depois, passaram pela direção nomes como Sandra Praia e o artista Turenko Beça, que continuaram o trabalho de articulação e fortalecimento do setor. Desde 2018, sob a direção de Cristovão Coutinho, a galeria tem buscado aprofundar o diálogo com os diferentes territórios e sujeitos criadores, acompanhando a materialização de suas ideias em obras.
Como expor na galeria do Largo
Artistas interessados em expor seus trabalhos podem enviar propostas para o e-mail da galeria (galeriadolargo@cultura.am.gov.br), desde que alinhadas à contemporaneidade das artes visuais.
“Uma proposta que tenha uma relação na contemporaneidade e que trabalhe as artes visuais de uma maneira atualizada para que a gente possa ter uma relação, eu diria, de interação com o público visitante”, afirma o diretor.
A galeria mantém ainda projetos como o “Espaço Mediações”, atualmente em sua 8ª edição, que promove encontros entre artistas e curadores, e o evento bienal Amazonas Artes Visuais, realizado em 2022 e 2024, com programação que inclui exposições, seminários e oficinas.
Ambos têm como objetivo ampliar as conexões entre a produção local e o circuito artístico nacional, fortalecendo o papel do Amazonas no mapa da arte contemporânea brasileira.
Obras expostas no espaço Mediações. Foto: Michael Dantas/SEC AM
Ao longo de duas décadas, cerca de 250 mil pessoas já visitaram a Galeria do Largo, sendo 150 mil nos últimos sete anos. “Nosso público vem crescendo e se diversificando. É um espaço vivo, onde o visitante é convidado a refletir, interagir e se conectar com a arte”, ressalta Coutinho.
Durante os 20 anos de existência, a galeria não apenas acolheu artistas consolidados, mas também deu visibilidade a novos nomes da cena artística local e nacional. “Aqui nós temos artistas indígenas, pretos, de arte urbana, arte de artistas LGBTQIA+ e nós estamos atualizados nessa produção do sistema de arte contemporâneo da arte brasileira”, reforçou o diretor.
Além das exposições, o espaço tem investido em ações como rodas de conversa, oficinas e seminários. Essas atividades ajudam a estreitar o vínculo entre artistas, curadores, pesquisadores e o público em geral, promovendo não apenas o acesso à arte, mas também à reflexão crítica e à formação de novos olhares.
A Galeria também mantém vínculos com outras instituições culturais, como a Casa das Artes, onde algumas programações são levadas em momentos específicos, ampliando o alcance de suas ações.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar
Variedade de mascarados e as cores utilizadas pelos Tikuna. Foto: May Anyely
O Ritual da Moça Nova, ou Festa da Moça Nova, é um dos rituais de iniciação mais expressivos da etnia Tikuna e a professora Cláudia de Moraes, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), mergulhou na cultura em sua pesquisa de doutorado, resultando na obra ‘O ritual da moça nova do povo Tikuna: diálogo intercultural e os direitos dos povos indígenas no Brasil’.
O livro reúne informações sobre um dos rituais de passagem feminino mais importantes do povo indígena e parte de uma experiência pessoal da autora com a etnia Tikuna, o maior grupo indígena do Brasil, que ressignificou sua percepção sobre o ritual.
“Em uma primeira impressão me pareceu um ato de violência e a minha pesquisa inicial era tratar da violência contra a mulher indígena tikuna, tendo como plano de fundo o ritual. Quando eu comecei a pesquisar, principalmente quando eu fui assistir o ritual pela primeira vez, juntando com as minhas leituras, eu tive a compreensão de que, na verdade, não se tratava de uma violência, mas sim de um exercício da prática, de um direito à cultura e à tradição”, declarou Cláudia de Moraes ao Portal Amazônia.
De acordo com Cláudia, o ápice do ritual é o arrancar dos cabelos das meninas, que fora de contexto pode ser visto como um ato de violência, como ela mesma chegou a pensar, mas no contexto do ritual é a prática de uma cultura que para eles é muito importante. Além disso, os rituais para os Tikunas são também exercícios de proteção, já que eles entendem que estão protegidos se os praticarem e cumprirem com aquilo que lhes foi ensinado.
Durante a pesquisa, a professora contou com o apoio do indígena Itamar, membro da etnia Tikuna e estudante de Antropologia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que “foi fundamental” na mediação entre os saberes tradicionais e o olhar acadêmico. “Ele me ofereceu não apenas a visão interna do ritual, mas também uma perspectiva antropológica valiosa”, relata Cláudia.
Barracão onde o quarto de isolamento usado no ritual é colocado. Foto: Cláudia de Moraes
Segundo ela, os líderes Tikuna receberam a pesquisa com abertura e interesse. “Quando se pede autorização de forma respeitosa, a comunidade acolhe. O cacique colocou Itamar à disposição, e isso fez toda a diferença na compreensão do que vivenciei”, afirma.
Ritual da Moça Nova
A festa da moça nova é normalmente realizado em três dias com a presença de muitas danças e instrumentos musicais feitos pelos indígenas, especialmente para a celebração. As moças que atingem a primeira menstruação naquele período ficam em isolamento dentro da suas casas, onde aprendem a arte, o artesanato e como devem ser como esposas na cultura Tikuna.
O ritual é sempre realizado entre sexta e domingo. Na sexta-feira acontecem os preparativos quando a moça é colocada em um quartinho de isolamento preparado exclusivamente para esse momento.
Quarto de isolamento das moças. Foto: Cláudia de Moraes.
No sábado pela manhã são realizadas danças e por volta do meio dia as moças são retiradas do quarto de isolamento para serem apresentadas. Após a apresentação acontece a ‘pelação’, momento em que as moças tem fios dos cabelos arrancados e se recolhem.
Momento do arrancar dos cabelos. Foto: Cláudia de Moraes.
No domingo acontece o banho de rio, quando a moça é levada em uma espécie de tapete, já que ela ainda não pode colocar os pés no chão, e é colocada dentro da água junto com todos os objetos utilizados no ritual, como uma forma de purificação.
Após o banho de rio, que o cacique e comunidade participam ativamente, ela volta para casa ciente de que cumpriu ali o que determina a etnia.
De acordo com Cláudia, o ritual teve origem a partir de um relacionamento incestuoso em que a esposa do líder Tikuna coabitou com o cunhado, o irmão do líder, e por conta dessa infração o ritual foi instituído para a etnia.
“Em hipótese alguma, para os Tikuna pode haver casamento entre os cunhados, por exemplo, entre pessoas da mesma nação, do mesmo clã, vamos dizer assim. O ritual da moça nova serve para isso, ele institui um impedimento dos relacionamentos incestuosos dentro da comunidade e é também um ato de obediência, porque elas precisam obedecer a liderança”, declarou a pesquisadora.
O livro
Foto: Reprodução
A escrita do livro, desenvolvido durante a pandemia, representou um desafio, segundo Cláudia. Ela afirma que, ainda assim, o processo “foi profundamente gratificante”.
“Foi difícil, sim, mas extremamente prazeroso a partir do momento em que compreendi que o ritual da moça nova não era um ato de violência, como imaginei inicialmente, mas um ato de fortalecimento da etnia, da tradição e da cultura do povo Tikuna”, destacou.
A obra é resultado de sua tese de doutorado e foca especificamente no ritual, embora a autora também defenda, de forma mais ampla, o direito dos povos indígenas de manterem e praticarem suas tradições culturais.
Ela ressalta que a compreensão sobre o que é ‘direito’ também se transformou ao longo da pesquisa. Para a professora, impedir que os povos indígenas realizem seus rituais é uma forma de violência, pois esses rituais estão diretamente ligados à identidade, à intimidade e à proteção espiritual das comunidades.
“Meu desejo é que os leitores não indígenas se apaixonem por essa cultura e reconheçam a importância da preservação das práticas originárias. Os povos indígenas não só protegem o nosso meio ambiente, mas também carregam um saber ancestral essencial para o nosso país”, finaliza.
O lançamento aconteceu nesta quinta-feira (17), na Galeria de Artes do ICBEU Manaus, na Avenida Joaquim Nabuco, 1286, no Centro da capital amazonense.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar