Composto antifúngico é descoberto em ninho de formigas-cortadeiras da Amazônia

Molécula produzida por bactérias mostrou-se capaz de matar um fungo causador de doenças em humanos

Um novo composto antifúngico foi descoberto por pesquisadores brasileiros e norte-americanos em bactérias que habitam os ninhos de formigas da tribo Attini, à qual pertencem a saúva e outras espécies conhecidas como “cortadeiras”. Em testes com camundongos, a substância – nomeada attinimicina – mostrou-se capaz de combater um microrganismo causador de doenças em humanos. Os resultados da pesquisa foram divulgados no periódico ACS Central Science, da American Chemical Society.

“Tivemos a oportunidade de amostrar formigueiros em várias regiões brasileiras, entre elas Amazônia, Mata Atlântica e o trecho de transição desta para o Cerrado. O que mais nos chamou a atenção foi a ampla distribuição geográfica da attinimicina, presente em 73% das bactérias associadas a formigas-cortadeiras coletadas no Brasil. Tal fato sugere que a substância tem um papel ecológico relevante”, afirma Monica Tallarico Pupo, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora da pesquisa ao lado de Jon Clardy, da Harvard University, nos Estados Unidos.

Foto: Taise Fukuda/USP

Como explica Pupo, as formigas-cortadeiras mantêm relações simbióticas multilaterais com diversos microrganismos que habitam o formigueiro e isso lhes garante comida e proteção. As folhas que os insetos carregam para dentro do ninho servem como substrato para cultivar fungos da espécie Leucoagaricus gongylophorus, que usam para comer. E as formigas fazendeiras também alimentam bactérias dos gêneros Pseudonocardia e Streptomyces, que em troca produzem compostos que atuam como “defensivos agrícolas”, mantendo o jardim de fungos livre de espécies patogênicas.

“As bactérias simbiontes produzem compostos capazes de matar o fungo parasita sem prejudicar a fonte de alimento. Nosso objetivo era descobrir quais são esses compostos e se tinham potencial de tratar doenças que acometem os humanos”, conta Pupo.

O projeto foi conduzido entre 2014 e 2020, no âmbito do Programa Biota/Fapesp e de um acordo firmado com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. Durante esse período, além da attinimicina, o grupo identificou uma molécula antifúngica nomeada cifomicina e substâncias pertencentes à classe das pirazinas – também produzidas por bactérias simbiontes –, que ajudam as formigas-cortadeiras a se localizar quando saem do ninho em busca de folhas.

Experimentos 

A primeira etapa do trabalho recém-publicado envolveu análises de metabolômica. Por meio de técnicas como cromatografia e espectrometria de massas, os cientistas identificaram todo o conjunto de metabólitos produzido pelas bactérias isoladas em formigueiros de diversos biomas brasileiros.

“Notamos que um mesmo composto – até então desconhecido – estava presente em quase todas as amostras, algo raro e inesperado. Decidimos então investigar melhor essa molécula. A attinimicina tem uma estrutura semelhante à de compostos já conhecidos, mas a sequência de aminoácidos que forma esse composto nunca antes havia sido descrita”, conta Pupo.

O passo seguinte foi caracterizar, no genoma da bactéria Pseudonocardia spp., o grupo de genes responsável pela síntese da attinimicina. Com base nos resultados, os pesquisadores desenharam primers (pequenos fragmentos de DNA complementares ao material genético que se deseja estudar) que permitiram avaliar se esse mesmo grupo de genes estava presente em bactérias simbiontes de outras espécies de formigas-cortadeiras.

Foi avaliada uma ampla coleção, que incluía amostras coletadas por colaboradores no Panamá. Contudo, os genes da attinimicina só foram encontrados nas simbiontes das linhagens brasileiras. “Esse achado levantou a hipótese de que durante o processo evolutivo desses insetos ocorreu uma diferenciação, já que essa capacidade de produzir a attinimicina está relacionada à evolução das linhagens simbiontes brasileiras”, diz Pupo.

Depois de caracterizar a molécula em laboratório, o grupo coordenado por Pupo voltou a um dos locais em que as amostras iniciais haviam sido coletadas: o Parque Nacional do Itatiaia (RJ), na Serra da Mantiqueira. O objetivo foi descobrir se a attinimicina estava sendo de fato produzida no contexto natural em que vivem as formigas e seus simbiontes. No experimento anterior, as bactérias haviam sido cultivadas em laboratório, e os metabólitos, extraídos dessa cultura in vitro.

“Nesta segunda vez, fizemos a extração dos metabólitos no próprio local da coleta, para depois analisar por espectrometria de massas e ver as substâncias químicas ali existentes. Detectamos a attinimicina em cerca de 40% das amostras. Isso evidencia que o composto deve ter um papel importante nesse sistema simbiótico”, conta a pesquisadora.

Em laboratório, conta Pupo, a attinimicina inibiu o crescimento do fungo Escovopsis, patógeno das formigas-cortadeiras, o que sugere seu papel protetor no ambiente natural.

Efeito terapêutico 

A ação antifúngica da attinimicina foi testada pelos colaboradores norte-americanos em camundongos infectados por Candida albicans, que em humanos pode causar lesões em diversos tecidos, principalmente nas mucosas oral e vaginal, trato urinário e gastrointestinal. O efeito do tratamento foi comparado ao de medicamentos antifúngicos já usados na clínica (classe dos azóis), entre eles o fluconazol. Segundo os pesquisadores, a atividade da attiminicina foi equivalente à dos fármacos já disponíveis. A vantagem é que, por se tratar de uma molécula nova, os microrganismos ainda não desenvolveram mecanismos de resistência.

“A attinimicina tem atividade antifúngica significativa, mas ainda não tem uma estrutura química adequada para se tornar um medicamento. A ideia é que ela sirva como modelo para o desenho de novos candidatos a fármacos e para entendermos melhor o mecanismo de ação dessas drogas”, explica Pupo.

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