Após três anos de pesquisa, primeira “búfala de proveta” nasce no Arquipélago de Marajó

A fertilização in vitro de búfalos no Arquipélago do Marajó é mais uma etapa de pesquisa realizada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra).

Foram três anos de trabalho até que pesquisadores da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e da Universidade Federal do Pará (Ufpa) conseguissem chegar a um protocolo que pudesse garantir sucesso na fertilização in vitro dos búfalos do Marajó. O arquipélago paraense reúne 16 municípios e possui o maior rebanho de búfalos do Brasil e o segundo maior do mundo, ficando atrás somente da Índia.

O resultado chegou no dia 20 de dezembro de 2021, na Fazenda Paraíso, em Cachoeira do Arari, quando nasceu a Japonesa, uma bezerra saudável de 30 kg e a primeira “búfala de proveta” da região. As pesquisas são realizadas a partir de parceria público-privada e englobam 10 produtores da região.

‘Japonesa’ nasceu no dia 20 de dezembro de 2021. Foto: Divulgação/Fazenda Paraiso

“O Marajó tem particularidades de logística, locomoção e manejo que dificultam muito as biotécnicas, por isso se usássemos o mesmo protocolo de outras regiões não iria funcionar, então tivemos que desenvolver novos. O búfalo do marajó é criado em pastagens nativas, muitas vezes de baixa qualidade e disponibilidade, sem suplementação mineral e manejo sanitário inadequado. Nessas condições, conseguir sucesso com as técnicas e poder ajudar os produtores é um grande avanço para nós”, explica o professor Sebastião Rolim, um dos pesquisadores que coordenam a equipe. 

A pesquisa é desenvolvida pelo setor de Reprodução Animal do Instituto da Saúde e Produção Animal (ISPA) da UFRA, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), os produtores e as prefeituras dos municípios.

Parte da equipe em uma das fazendas no Marajó

Para garantir que a pesquisa fosse realizada, o grupo montou um laboratório na ilha, instalado no município de Salvaterra. “Não é um laboratório simples de ser montado. É uma tecnologia moderna e extremamente sensível, então qualquer coisa que aconteça, desde falta de energia até contaminação por fungos e bactérias pode acabar com todo o processo”, diz. O espaço do laboratório foi cedido pela Escola de Ensino Técnico do Estado do Pará (Eetepa) de Salvaterra.

“Já conseguimos ter uma taxa viável economicamente, o que representa uma taxa de prenhez de 30 a 40% em caso de animais não selecionados. Mas temos feito várias pesquisas no intuito de aumentar essa taxa, e nossas pesquisas tem mostrado que, se selecionarmos esses animais previamente, para as características reprodutivas, nós conseguimos triplicar essas taxas”, explica Sebastião Rolim.

Equipe instalou um laboratório provisório em Salvaterra, para que pudesse realizar as pesquisas diretamente no Marajó. Foto: Divulgação/Fazenda Paraiso

Japonesa pode alcançar 600kg, que é o peso de uma búfala de alto padrão. O Marajó tem na produção do leite de búfala e na comercialização dos rebanhos, uma das principais fontes de economia da ilha e forte expressão na economia do estado. Em 2021, o queijo do Marajó ganhou o selo da Indicação Geográfica (IG) do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). 

De acordo com informações da Associação Paraense de Criadores de Búfalas (APCB) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado concentra 520 mil búfalos, das quais mais de 320 mil estão no Marajó. Segundo o pesquisador, o melhoramento genético garante melhoria no rebanho e aumento na qualidade do leite e na carne dos animais, incentivando a produção e a economia.

Atualmente a equipe do projeto desenvolve as atividades com produtores dos municípios de Cachoeira do Arari, Soure, Salvaterra, Santa Cruz do Arari e Ponta de Pedras. Mas esse número deve aumentar, já que o projeto foi aprovado para receber recursos da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), o que deve garantir a reforma e ampliação do laboratório e a compra de equipamentos. “Com isso, ao invés de dez, nós vamos poder atender 50 produtores da região, o que em termos de rebanho, representa 50 mil cabeças de búfalo”, diz o pesquisador.

A fertilização In Vitro (FIV)

Diferente da inseminação artificial, em que ocorre a coleta de material genético de um macho com alto valor genético e posterior fecundação em uma fêmea em período reprodutivo, a FIV ocorre com a produção do embrião em laboratório, em “útero artificial”, com técnicas realizadas após a coleta tanto do sêmen quanto de folículos ovarianos, ambos retirado de animais com alto valor genético. 

Esse material é extraído e depois os embriões são cultivados, por isso a técnica recebe o nome de “proveta”. Após o processo laboratorial, os embriões são inseminados em “barrigas de aluguel”, as búfalas receptoras de embrião, que não precisam ter alto valor genético, só precisam estar bem nutridas e não terem problemas de saúde.

Imagens computadorizadas da análise do sêmen e da fertilização já concluída (dois círculos).

Mas não é somente a FIV o interesse do grupo. Além do desenvolvimento de outras biotecnologias, o ensino e a extensão, o grupo também faz assessoria para os pequenos produtores.

“Nós adequamos as pequenas propriedades para que elas recebam tanto a inseminação quanto a fertilização in vitro. O grande produtor tem a genética e a estrutura para desenvolvermos o trabalho, desta forma podemos difundir essa genética para os pequenos produtores. Nós coletamos material nessas propriedades grandes, que tem os grandes animais reprodutores, aos quais o pequeno produtor não teria condições de adquirir e realizamos o trabalho, replicando posteriormente ao pequeno produtor. Com isso, o pequeno produtor consegue adquirir o material genético de um grande reprodutor por R$15,00/R$30,00. Ou seja, o pequeno produtor nunca conseguiria comprar um reprodutor de 100 mil reais, mas agora ele consegue ter acesso àquela genética”,

explica o professor.

O projeto é coordenado pelo professor Sebastião Rolim e pelo professor Haroldo Ribeiro e tem a participação de alunos de mestrado e doutorado, residentes, bolsistas de iniciação científica e estagiários.

Pioneirismo

O projeto não começou agora. A Ufra é pioneira nas pesquisas com bubalinos, uma história que que teve início em 1976, com as primeiros leituras e estudos do professor William Gomes Vale sobre inseminação de búfalos, durante doutorado realizado na Alemanha. O professor formou um grupo, que reuniu os pesquisadores Haroldo Ribeiro, Otávio Ohashi e José Souza Silva e conseguiu recursos estrangeiros para o início das pesquisas na universidade.

Professor Haroldo Ribeiro fez parte do grupo de 04 pesquisadores pioneiros nos estudos sobre inseminação artificial de búfalos. Foto: Vanessa Monteiro/UFRA

Em 1978 os pesquisadores desenvolveram um criopreservador específico para congelamento de sêmen de bubalinos, já que o existente era de bovinos e não estava dando o resultado esperado com búfalos. “O criopreservador é um meio de cultura que mantém o espermatozoide vivo durante o processo de congelamento a – 190 graus celsius. Com isso, nós finalmente conseguimos adaptar e congelar o sêmen, mas precisávamos saber se ele fertilizava, porque naquela época não se conhecia o cio da búfala”, lembra o professor Haroldo Ribeiro, que entrou no projeto quando ainda era aluno da primeira turma de medicina veterinária da Ufra, na época ainda era Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP).

Para conseguir congelar o sêmen dos búfalos, a equipe contou com o apoio de alguns produtores da região. “Uns quatro produtores acreditaram na nossa pesquisa e permitiram que nós coletássemos material de 11 búfalos. Nós conseguimos congelar de 04 animais, e fomos testar no Marajó. Na época eram 12h de barco, ou de avião se o proprietário tivesse recursos”, explica.

Notícia publicada em 1983, no jornal O Liberal, sobre o nascimento dos primeiro búfalos por inseminação artificial. Fonte: “O ensino das ciências veterinárias na Amazônia: 45 Anos de História e Tradição do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural da Amazônia” (2020).

No Marajó, o pecuarista Liberato de Castro, proprietário da Fazenda Itaqui, no município de Santa Cruz do Arari, disponibilizou 25 búfalas para que os pesquisadores fizessem a testagem. “Após avaliação e exames, selecionamos dez que que estavam aptas para a inseminação. Nós fizemos exames de sangue e enviamos pra Alemanha, onde o professor William fez as análises e verificou as taxas hormonais. Se a progesterona tivesse alta, significava que estavam prenhas. Dois meses depois da inseminação voltei à fazenda e constatei a prenhez, confirmando 04 gestações. A gestação da búfala é de dez meses, então eles nasceram em 1982, os primeiros búfalos produzidos por inseminação artificial da América Latina”, lembra.A pesquisa continuou, inicialmente em parceria com a Embrapa, depois com a Ufpa e outras instituições. Agora, o professor Haroldo diz que a inseminação é página virada. “Nossa nova fase é a fertilização in vitro”, diz.

Em 2014 os estudos se voltaram para a Fertilização In Vitro, alcançando em 2016 um resultado inédito na região Norte do Brasil: a gestação das duas primeiras fêmeas de búfalo por meio da técnica da Fertilização In Vitro (FIV). Em 2021 nasceu a primeira búfala por fertilização artificial com sêmen sexado, ou seja, em que há escolha sobre o sexo do animal. E também em 2021, a primeira búfala por FIV na região do Marajó. Japonesa recebeu esse nome em homenagem ao professor Otávio Ohashi, um dos quatro pioneiros, e que foi mais uma vítima do Covid-19 em 2021.

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