Conheça a história da Cervejaria Amazonense, o “castelo abandonado” à beira do rio em Manaus

Inaugurado em 1912, o prédio era sede da cervejaria fundada pela família Miranda Corrêa, marcando história sobre a primeira indústria do Amazonas.

Quem já andou pelo bairro Aparecida, em Manaus (AM), certamente já se observou um prédio à beira do rio, com uma construção que não remete às estruturas dos dias atuais. Trata-se de uma cervejaria abandonada, do ano de 1912. 

O Portal Amazônia foi em busca da história desse prédio e encontramos em uma dissertação de pós-graduação de Rosanna Lima de Mendonça, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), de 2020. Conheça:

Foto: Francisco Barboza

A Cervejaria Miranda Corrêa surgiu a partir de uma fábrica de gelo. Com o processo de modificação e a transformação da chamada ‘Manaus da Belle Époque‘, no fim do século XIX, houve a chegada da indústria por meio do extrativismo econômico da borracha.

Com a atividade extrativista em expansão no final do século, a família Miranda Corrêa foi para Manaus em busca de investimentos que aumentassem seu patrimônio financeiro. A família já possuía certos recursos financeiros, mas buscava investir em empreendimentos que somassem seu capital. 

Naturais de Belém (PA), logo instalaram a sua residência no Bairro Nossa Senhora Aparecida, na Zona Sul da capital amazonense. Apesar de ser considerado um bairro periférico, a residência chamava atenção, pois era uma mansão situada ao lado da igreja de Nossa Senhora de Aparecida.

A família era numerosa e cada um dos filhos recebeu a melhor educação diante da condição financeira que possuíam, chegando a estudar no Rio de Janeiro para completarem os estudos universitários. Alguns deles retornaram para Manaus e Belém, já outros decidiram migrar para outras cidades brasileiras. Em Manaus, os irmãos Antonino Carlos, Altino Flávio, Luiz Maximino e Deoclécio Carivaldo fundaram uma sociedade, que gerou a criação da Fábrica de Gelo Crystal.

Além da fábrica de gelo, os sócios possuíam outras carreiras. Altino Flávio era Almirante da Marinha; Antonino Carlos era engenheiro; Deoclécio era médico; e Maximino era advogado.

É importante ressaltar que antes da fundação das micro cervejarias da cidade, a cerveja era importada de outros estados brasileiros e países que tinham interesse comercial na Amazônia.

Em Manaus, os navios traziam caixas de cervejas e barris de chope para serem comercializados no porto da cidade. As mercearias e estabelecimentos que trabalhavam com o setor de alimentos e bebidas, negociavam os produtos para revendê-los em seus comércios no centro da cidade.

Saiba mais: Histórias e Memórias da Cervejaria Amazonense

A Fábrica de Gelo Crystal foi fundada em 21 de fevereiro de 1905, por meio da empresa Miranda Corrêa & Cia., com capital de 1.600 contos de réis. A fábrica possuía capacidade de produzir 50 toneladas de gelo por dia. Com mais investimentos, teve sua capacidade ampliada para 100 toneladas por dia.

O local da construção da fábrica escolhido era a orla do Rio Negro, para absorver a água para a fabricação do gelo. O transporte do gelo era feito até a mercearia que ficava na região central da cidade, na Avenida Eduardo Ribeiro. Durante esse período a avenida possuía diversos comércios, como lojas de roupas importadas, tabacarias, cafés e hotéis luxuosos.

Ao perceberem que o investimento de cerveja rendia lucros, principalmente após a abertura recente da Cervejaria Paraense, uma micro cervejaria na cidade, aberta no início do século XX, Antonino Carlos de Miranda Corrêa propôs aos irmãos e sócios a oferta de fundarem uma fábrica em Manaus, a partir do demonstrativo de lucros que a venda de cerveja rendia. 

Com isso, o engenheiro viajou para a Alemanha, passando alguns meses estudando o mercado cervejeiro, os produtos para a exportação e o maquinário utilizado na época para a fabricação dos produtos.

Com o comércio intensificado pela economia gomífera no final do século XIX, e o aumento do consumo da cerveja na cidade, Antonino Carlos Miranda Corrêa e seus outros três irmãos e sócios, planejaram a construção de uma cervejaria em 1905, buscando expandir a Fábrica de Gelo Crystal.

Construção

O projeto da construção foi realizado na França, na viagem de Antonino Carlos, para estudar as novas tecnologias de fabricação da época. Seus estudos resultaram em diversas viagens ao continente europeu e para a aquisição de todo o equipamento da fábrica, foi necessário ir à Alemanha buscar pessoalmente o material.

Os irmãos tiveram que lidar com dificuldades políticas, já que as concorrentes de outros Estados não queriam dividir o mercado cervejeiro, principalmente a Cervejaria Paraense, que dificultou as aprovações necessárias para fundar a fábrica em Manaus. 

“Para não permitir concorrência futuras, a Cervejaria Paraense fundou um plano aprovado pelo Congresso Legislativo do Estado do Amazonas no final do século XIX, o qual previa a autorização da empresa de fundar uma fábrica idêntica na cidade de Manaus, de forma a monopolizar o mercado na região norte. Em 1909, o Congresso negou a renovação do plano através do deputado Coronel Raul de Azevedo, possibilitando os sócios Miranda Corrêa a requererem a permissão de estabelecer na cidade um fábrica de Cerveja de grande porte”.

BAZE, 1997, p. 17.

Com o preenchimento de todos os requisitos e a aprovação do Estado, os preparativos para a construção da fábrica iniciaram. Os tijolos, foram feitos por uma olaria no Careiro da Várzea, fundado pela própria sociedade Miranda Corrêa & Cia. Para o assentamento da Pedra Fundamental, foi produzida uma espátula de construção em prata, simbolizando uma nova era na industrialização da cidade.

Em 20 de fevereiro de 1910 se realizou um evento comemorando o início da construção da Fábrica de Cerveja Amazonense, já em 12 de outubro de 1912, foi realizada a inauguração oficial da fábrica, iniciando as atividades industriais.

A Cervejaria 

Inicialmente, o mercado consumidor de Manaus teve o impacto positivo com o novo produto, gerando lucros e exportando a cerveja em pouco tempo. As cervejas engarrafadas possuíam um público na cidade e municípios próximos e, em poucos anos, passaram a fornecer em outros Estados e internacionalmente, transportando para a Europa, por meio de navios a vapor. 

A fábrica possuía inicialmente quatro rótulos, tendo estilos de cervejas diferenciados para oferecer. A mais popular na cidade era a X.P.T.O., mas também ofereciam a Cerveja Amazonense, Cerveja Sublime e a Cereja Yankee, essa última lançada após a Primeira Guerra Mundial.

De acordo com a obra ‘Miranda Corrêa – Histórias e Memórias’, publicado em 1996 pelo historiador Abrahim Baze, a fabricação da cerveja levava como base a cevada e lúpulo. Como matéria prima utilizavam produtos açucarados (para criar-se o teor em álcool), amido (de milho), lúpulo, fermento, ácido carbônico (para criar o gás) e água purificada.

Foto: Reprodução/Instituto Durango Duarte

Por Antonino haver buscado referências da fabricação na Alemanha, o primeiro produto da cervejaria se baseava na Escola Alemã, levando como ingredientes água, lúpulo e cevada. Para a criação de variações da cerveja, a indústria adicionou o modo de fabricação das demais escolas, sendo elas a Escola Britânica e Franco-belga. A água utilizada na fabricação era extraída do Rio Negro, por esse motivo o edifício necessitava estar o mais próximo do rio. A extração e o processo de purificação da água eram realizados na própria cervejaria.

A purificação da água era considerada na época “de ótima qualidade”, pois não encontrava-se nenhum vestígio de insalubridade. De acordo com a análise de Carlos Chagas, o sabor da água era doce, possuindo um gosto “magnífico”, trazendo uma singularidade para a cerveja. 

Devido aos equipamentos da época, a cerveja possuía sabores diferentes dependendo do lugar que fosse fabricada, não somente pelos ingredientes variados, mas também pela composição da água. Atualmente o processo pode ser modificado, uma vez que existem maquinários no mercado que permitem a modificação do potencial hidrogeniônico da água.

Foto: Reprodução /Blog do Rocha

As cervejas eram vendidas desde as pequenas mercearias espalhadas nos bairros periféricos até a zona central, bairro considerado nobre. Nas memórias descritas de Amaro Vieira de Alencar, no Porto das Catraias, no bairro São Raimundo, havia a mercearia de Pedro Pacheco no qual vendia dentre outros produtos, o tabaco de corda, as doses de paratí, o cocal e a cerveja X.P.T.O.

Em 1967, a fabricante da cerveja X.P.T.O. mudou de proprietário e passou a dirigir a J. Macedo, com sede em Fortaleza, no Ceará, que em 1970 adquiriu aquele patrimônio. Dois anos depois, passou ao gerenciamento da Brahma, então de conceito nacional, que construiu uma nova fábrica no mesmo local, abandonando o castelo. 

Com a fusão entre Brahma e Antarctica, as instalações foram novamente comercializadas, passando a produzir a cerveja Kaiser. Atualmente, o prédio pertence ao grupo Ambev.

Referências 

BAZE, A. S. . Miranda Corrêa – História e Memórias. 2ª. ed. , 1996.

MENDONÇA, Rosanna Lima de et al. Patrimônio industrial e memória: a cervejaria Miranda Corrêa. 2020.

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