Na comunidade indígena do “povo da queixada”, a força da natureza conduz o tempo e estabelece uma grande ligação com o universo
Chegar até a aldeia é, literalmente, uma longa jornada, que se inicia na Vila São Vicente, às margens da BR-364, distante 86 quilômetros de Tarauacá, o quarto maior município do Acre. Dali em diante, a bordo de pequenas embarcações, são, em média, oito horas de viagem.
A subida do Gregório, por si só, é um precioso atrativo. Em um cenário que contrasta com o verde intenso da floresta e as típicas águas barrentas dos jovens rios acreanos ainda em formação, é possível observar o cotidiano estabelecido pela vida ribeirinha.
A cada curva, é possível acompanhar o vai e vem dos barcos, mulheres ocupadas com seus afazeres domésticos, homens garantindo o sustento pela pesca, utilizando até mesmo a curiosa técnica de pegar o peixe com as próprias mãos, e as crianças aproveitando o melhor da infância, ao se divertirem tomando banho de rio.
Árvores de grande, médio e pequeno portes fazem parte de todo o trajeto. Destaque para a frondosa Samaúma, a rainha da floresta. A fauna também se faz presente. Com o barulho do motor e aproximação dos barcos, as mais diversas aves espalhadas pelas praias ao longo do rio levantam voo e chamam atenção.
Com a redução das chuvas, o nível do Rio Gregório está muito baixo. Por conta disso, os conhecidos balseiros, que são os galhos e troncos das árvores arrastados pela forte correnteza da água durante o período da cheia, ficam expostos. Esses grandes volumes presentes no leito do manancial dificultam a navegação, que precisa de cuidado redobrado nos pontos mais críticos.
A última friagem que chegou ao Acre proporcionou um verdadeiro espetáculo no céu. Além de derrubar a temperatura, a intensa massa de ar polar impediu a formação de nuvens e possibilitou a visualização de milhares de estrelas a olho nu. A partir do shuhu, templo onde são realizadas as cerimônias dos yawanawás, a combinação entre a estrutura e as constelações é uma dos mais belas para se admirar a grandiosidade do cosmos.
Vivência
Criada em 1984, a Terra Indígena do Rio Gregório foi o primeiro território constituído pelas populações tradicionais a ser demarcado no Acre. Atualmente, cerca de mil índios yawanawás, a maioria crianças e jovens adultos, habitam as sete comunidades da região.
A Aldeia Sagrada possui um simbolismo muito especial para o Povo Yawanawá. Além de ter sido o primeiro local de contato com o homem branco, ali foram sepultadas as principais lideranças da comunidade indígena. Há poucos anos, foi aberta para o etnoturismo e o xamanismo.
“A Aldeia Sagrada é um santuário sagrado onde viveram os nossos ancestrais e o lugar onde as principais lideranças e pajés estão enterrados. Hoje, essa aldeia é dedicada exclusivamente à nossa espiritualidade, onde o meu povo e os nossos visitantes têm a possibilidade de uma imersão profunda no universo yawanawá”, explicou o cacique Biraci Brasil.
Atraídos pelo interesse de viver uma experiência excepcional na Amazônia, a maior e mais preservada floresta tropical do planeta, aproximadamente 700 turistas do Brasil e de outros países visitam as aldeias Sagrada e Nova Esperança anualmente.
De acordo com Biraci Brasil, a Aldeia Sagrada funciona como um centro de cura espiritual e está aberta para o mundo. Terra de grande biodiversidade, as plantas medicinais encontradas naturalmente no entorno da comunidade são utilizadas no preparo do banho de ervas. Segundo a crença indígena, a prática tem poder de curar doenças e purificar a alma. Já as canções e danças dos yawanawás marcam momentos de confraternização entre os indígenas e os seus visitantes. Seja em uma grande roda ou em duplas, a animação pela celebração da vida é a mesma.
Durante quatro dias, a servidora pública Deisy Cruz teve contato direto com o Povo Yawanawá. Ela fala sobre o aprendizado em sua primeira experiência em uma tribo indígena. “Qualquer pessoa que visita a Aldeia Sagrada, nunca mais voltará com a mesma imagem que levou. Pelo contrário, trará de volta na bagagem de um povo de forte cultura e identidade. Fui muito bem acolhida e respeitada pelos indígenas e, para mim, foi um privilégio ter participado do ritual do banho de ervas, ouvir seus cantos e suas preces. Espiritualmente, tudo isso é muito significativo”, declarou.
Um dos momentos mais aguardados é a cerimônia do Uni. Também conhecido genericamente como Ayahuasca, e no contexto urbano como Daime, o chá feito a partir da cocção do cipó mariri (Banisteriopsis caapi) com as folhas da chacrona (Psychotria viridis) é de uso ancestral de muitos povos indígenas amazônicos e andinos e é considerado sagrado. Seu efeito psicoativo altera o estado de consciência humano e provoca um misto de sensações, conhecidas como “miração” e sua força pode durar várias horas seguidas.