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A mineração ilegal na Amazônia: um desafio para a conservação ambiental

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Por Yunier Sarmiento Ramírez e Jose Barbosa Filho

O território amazônico tem sido marcado pela intensificação de atividades ilegais que ameaçam a integridade dos ecossistemas, entre as quais a mineração clandestina se destaca pela amplitude de seus impactos. Como mostra a Figura 1, grande parte dessa pressão ocorre em áreas próximas ou sobrepostas às Terras Indígenas, evidenciando a vulnerabilidade desses espaços frente à expansão do garimpo.

Figura 1. Delimitação dos Estados da Amazônia Legal e das Terras Indígenas Demarcadas

Fonte: MapBiomas – Plataforma de Mineração, versão 9.0 (2023).

Ao longo das últimas décadas, o avanço da mineração ilegal aprofundou processos de degradação ambiental associados ao desmatamento, à contaminação por mercúrio, ao assoreamento de cursos d’água e à perda de biodiversidade. Além dos danos ecológicos, a atividade também afeta diretamente as populações indígenas e ribeirinhas, que enfrentam riscos sanitários, conflitos territoriais e desestruturação de modos de vida tradicionais. Esse conjunto de impactos exige análises que articulem a dimensão ambiental com dinâmicas históricas e territoriais de ocupação da Amazônia.

Nesse contexto, este estudo tem como objetivo examinar a evolução espacial e temporal da mineração ilegal na Amazônia Legal, no período de 1985 a 2023, destacando como a intensificação dessa atividade representa um obstáculo crescente à conservação ambiental na região. Para isso, utiliza-se a série histórica disponibilizada pelo MapBiomas, que permite identificar padrões de expansão, estados mais pressionados e mudanças na intensidade da atividade ao longo dos últimos 38 anos.

Ao revelar tendências e concentrações territoriais, a análise busca contribuir para o debate sobre os desafios contemporâneos da conservação ambiental na Amazônia, evidenciando a necessidade urgente de ações integradas de fiscalização, gestão territorial e proteção dos ecossistemas.

A análise apresentada nesta seção baseia-se na série histórica disponibilizada pelo MapBiomas, uma das plataformas mais completas para o monitoramento sistemático do uso e cobertura da terra no Brasil. Considerou-se exclusivamente o recorte geográfico da Amazônia Legal, abrangendo os estados do Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O estado do Acre não aparece nos resultados por ausência de registros de mineração — industrial ou garimpeira — na base consultada, o que explica sua exclusão das comparações posteriores.

1. Evolução da área minerada (1985–2023)

    A série histórica analisada, que se estende de 1985 a 2023, permite acompanhar de forma contínua a evolução da mineração na região e identificar tanto sua expansão territorial quanto as mudanças em sua intensidade ao longo do tempo. Entre os indicadores disponibilizados pela plataforma, destacam-se dois: a área anual ocupada pelas diferentes classes de mineração, expressa em hectares, e a proporção relativa dessas áreas no conjunto da Amazônia Legal. Esses elementos são fundamentais para compreender o ritmo de expansão e a escala dos impactos ambientais associados.

    Embora o recorte fundiário — como Terras Indígenas e Unidades de Conservação — não esteja discriminado nos dados do MapBiomas, é amplamente reconhecido que boa parte da mineração ilegal ocorre justamente nesses territórios, que figuram entre os mais vulneráveis da região. Isso torna ainda mais relevante observar como a atividade se distribui espacialmente ao longo da Amazônia, considerando que grande parte do avanço garimpeiro incide sobre áreas oficialmente protegidas.

    O Gráfico 1 sintetiza a evolução das áreas ocupadas por mineração industrial e garimpo entre 1985 e 2023. Os dados revelam um padrão inequívoco: ao longo de quase quatro décadas, o garimpo se consolidou como a modalidade dominante na Amazônia Legal, tanto em extensão territorial quanto em velocidade de expansão. Desde 1985, quando já ocupava cerca de 22 mil hectares, a atividade avançou de forma contínua, alcançando mais de 264 mil hectares em 2023.

    Gráfico 1. Evolução da Área Ocupada por Mineração Industrial e Garimpo na Amazônia Legal (1985-2023)

    Fonte: Elaboração própria com base em dados do MapBiomas – Plataforma de Mineração, versão 9.0 (2023).

    Em contraste, a mineração industrial apresentou crescimento muito mais lento e moderado: passou de aproximadamente 8 mil hectares em 1985 para cerca de 59 mil hectares em 2023. Como resultado, sua proporção relativa diminuiu ao longo do período, representando apenas cerca de 22,5% da área ocupada pelo garimpo no último ano da série.

    Essa disparidade evidencia não apenas o caráter expansivo da mineração ilegal, mas também a fragilidade institucional no controle e fiscalização das frentes garimpeiras, especialmente após 2016, quando se observa uma aceleração expressiva da atividade. O intervalo entre 2016 e 2021, em particular, marca um dos períodos de crescimento mais intenso da série, refletindo a intensificação de redes ilegais, a valorização do ouro no mercado internacional e a redução das ações de fiscalização ambiental.

    Por outro lado, a mineração industrial — por estar sujeita a processos mais rígidos de licenciamento e controle — apresenta um comportamento mais estável, com variações graduais ao longo do tempo. O contraste entre as curvas reforça o papel crítico do garimpo como principal vetor de pressão ambiental na região.

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    2. Estrutura das áreas garimpadas em 2023

      A Tabela 1 apresenta a distribuição da área ocupada por diferentes classes de garimpo no ano de 2023, totalizando 264.227 hectares. A composição revela forte concentração na categoria de garimpo metálico, que representa 96,23% de toda a área garimpada. Dentro desse grupo, destaca-se amplamente o garimpo de ouro, que sozinho responde por 232.261 hectares — o equivalente a 91,34% da extração ilegal registrada.

      Tabela 1. Distribuição da Área Ocupada por Classe de Garimpo na Amazônia Legal em 2023

      Garimpo Classes264227100,00
      Metálicas25427496,23
      Manganês6900,27
      Estanho213228,39
      Ouro23226191,34
      Não Metálicas75062,84
      Minerais Classe 27506100,00
      Pedras preciosas e rochas ornamentais24460,93
      Pedras preciosas205884,14
      Rochas ornamentais38815,86

      Fonte: Elaboração própria com base em dados do MapBiomas – Plataforma de Mineração, versão 9.0 (2023).

      Minerais metálicos como estanho (8,39%) e manganês (0,27%) aparecem em proporções muito inferiores, evidenciando sua participação residual na dinâmica garimpeira da Amazônia. A extração não metálica representa 2,84% da área total, concentrada principalmente em Minerais Classe 2. Pedras preciosas e rochas ornamentais ocupam uma área bastante reduzida, reforçando que o garimpo amazônico segue predominantemente orientado à exploração de metais de alto valor no mercado.

      Esse perfil demonstra um padrão consolidado e historicamente estável: o garimpo de ouro permanece hegemônico, impulsionado tanto pela facilidade de extração quanto pela demanda crescente no mercado global. Tal predominância intensifica os danos ambientais, dado que a extração aurífera costuma envolver dragas, maquinário pesado e uso intensivo de mercúrio — um dos principais contaminantes dos ecossistemas amazônicos.

      3. Distribuição espacial do garimpo entre os estados

        O Gráfico 2 compara a área ocupada pelo garimpo em 2023 com a média histórica calculada para o período 1985–2023. Os resultados apontam para fortes assimetrias territoriais. O Mato Grosso aparece como o epicentro da atividade, com 68.354 hectares garimpados em 2023 — valor significativamente superior à sua média histórica (40.096 hectares). A magnitude dessa diferença revela uma intensificação recente da atividade no estado, que já era, historicamente, o principal polo minerário da região.

        Gráfico 2. Distribuição da Área Ocupada pelo Garimpo na Amazônia Legal por Estado, 2023

        Fonte: Elaboração própria com base em dados do MapBiomas – Plataforma de Mineração, versão 9.0 (2023).

        O Amazonas ocupa a segunda posição, com 16.046 hectares, também muito acima de sua média histórica (4.303 hectares). Rondônia (10.758 hectares) e Maranhão (6.872 hectares) apresentam comportamento semelhante, com valores recentes que ultrapassam com folga suas médias históricas, indicando um avanço acelerado do garimpo nesses estados.

        Amapá e Roraima registram áreas menores em termos absolutos, mas ambas também apresentam valores superiores às médias históricas, evidenciando que o crescimento da atividade é um fenômeno disseminado por toda a Amazônia Legal, ainda que em diferentes intensidades.

        Por outro lado, Pará e Tocantins aparecem com as menores áreas ocupadas — 384 e 78 hectares, respectivamente — embora ainda acima de suas médias históricas, sugerindo um crescimento mais discreto, porém ainda presente.

        O conjunto desses resultados mostra que a expansão garimpeira recente não se concentra apenas nos estados tradicionalmente mineradores, mas se dissemina por toda a região, alcançando inclusive áreas onde a atividade historicamente era menos expressiva. Isso reforça a tendência de interiorização do garimpo ilegal e a ampliação de sua área de influência territorial.

        4. Análise conjunta dos efeitos espaciais e temporais

          Para compreender de forma integrada a influência das diferenças territoriais e das mudanças ao longo do tempo, realizou-se uma ANOVA de dois fatores, avaliando simultaneamente o impacto do Estado e do Ano sobre a área anual de mineração. Como a variável dependente não atendia plenamente ao pressuposto de normalidade, aplicou-se a transformação logarítmica natural. Ainda assim, a heterogeneidade de variâncias levou ao uso de estimativas robustas (HC3) no SPSS.

          Os resultados mostram efeitos altamente significativos tanto para o fator Estado quanto para o fator Ano. O primeiro apresenta a maior magnitude, indicando que a localização geográfica é determinante para explicar a variação observada na área de mineração. O fator temporal também é significativo, embora com menor impacto, mostrando que a atividade experimentou mudanças importantes ao longo das quase quatro décadas analisadas.

          O modelo como um todo explicou 98% da variabilidade da variável transformada, com baixo erro residual, o que confirma sua forte capacidade explicativa. O elevado coeficiente de determinação reforça a robustez da análise e evidencia que os fatores espaciais e temporais atuam de forma articulada na expansão da mineração ilegal.

          As comparações post hoc mostraram que o Mato Grosso supera significativamente todos os demais estados, enquanto Tocantins e Pará integram o grupo com menores médias. Amapá e Maranhão formam um par sem diferença estatística significativa, sugerindo dinâmica semelhante. Roraima e Pará também exibem valores próximos, ainda que com diferença significativa.

          O Gráfico 3 ilustra essas diferenças, destacando a posição de liderança do Mato Grosso e a ampla distância que o separa de estados com menor presença minerária. As posições intermediárias de Amazonas, Maranhão e Amapá reforçam a ideia de que o garimpo se distribui de forma marcadamente desigual pela Amazônia Legal.

          Gráfico 3. Médias Marginais Estimadas da Área Anual Ocupada por Classe de Mineração na Amazônia Legal (LN), por Estado (1985-2023)

          Fonte: Elaboração própria com base em dados do MapBiomas – Plataforma de Mineração, versão 9.0 (2023), e análise realizada no IBM SPSS Statistics

          Além disso, observa-se uma forte queda nas médias marginais estimadas para o Pará, seguida de um novo aumento em Rondônia, o que evidencia oscilações significativas entre estados vizinhos e demonstra que a atividade garimpeira não segue um padrão linear na região.

          Roraima apresenta um comportamento intermediário, mas ainda inferior ao registrado em Rondônia, enquanto Tocantins aparece com o menor valor da série, encerrando o gráfico com a média marginal mais baixa. Esse conjunto de variações revela que, embora o Mato Grosso concentre a maior pressão minerária, a atividade se manifesta de maneira heterogênea e irregular ao longo de todo o território amazônico.

          Leia também: Tecnologia e floresta: a infraestrutura digital como vetor da bioeconomia amazônica

          5. Implicações para a conservação ambiental na Amazônia Legal

            Os resultados apresentados permitem afirmar que a expansão do garimpo ilegal na Amazônia Legal não é apenas um fenômeno de crescimento econômico informal, mas um processo de reconfiguração territorial com profundas consequências para a conservação ambiental. A predominância do garimpo sobre a mineração industrial ao longo de quase quatro décadas (Gráfico 1), a hegemonia da extração de ouro (Tabela 1) e a forte concentração da atividade em determinados estados (Gráficos 2 e 3) ajudam a dimensionar a escala das pressões exercidas sobre os ecossistemas amazônicos.

            A centralidade do Mato Grosso e o avanço recente em estados como Amazonas, Rondônia e Maranhão indicam que grandes áreas de floresta estão sendo convertidas em frentes de extração mineral, muitas vezes em regiões de cabeceiras de rios e áreas de alta sensibilidade ecológica. Nesses contextos, o desmatamento associado à abertura de clareiras, estradas vicinais e acampamentos garimpeiros provoca fragmentação de habitats, perda de cobertura vegetal e alteração de ciclos hidrológicos, comprometendo serviços ecossistêmicos essenciais, como regulação climática, proteção de solos e manutenção da biodiversidade.

            A predominância do garimpo de ouro adiciona outra camada de gravidade à situação. A utilização recorrente de mercúrio nos processos de beneficiamento contamina cursos d’água e cadeias alimentares, afetando peixes, fauna silvestre e populações humanas que dependem desses recursos para sua subsistência. Assim, as áreas mapeadas pelo MapBiomas não representam apenas manchas de uso econômico do solo, mas também zonas potenciais de risco toxicológico, muitas vezes sobrepostas a Terras Indígenas e territórios de comunidades tradicionais, como já sinalizado pela distribuição geográfica evidenciada na Figura 1.

            A desigualdade espacial identificada pela ANOVA e pelas comparações post hoc também tem implicações diretas para a gestão ambiental. Estados com maior intensidade de garimpo concentram impactos mais profundos e complexos, exigindo estruturas robustas de fiscalização, monitoramento e recuperação ambiental. Já aqueles com participação relativa menor, mas em crescimento, demandam políticas preventivas capazes de evitar que novas frentes de expansão reproduzam o mesmo padrão de degradação observado nas áreas historicamente mineradas.

            Do ponto de vista da conservação, os resultados indicam três desafios centrais. O primeiro é a necessidade de integrar informações de monitoramento, como as fornecidas pelo MapBiomas, às estratégias de comando e controle, permitindo respostas mais rápidas às novas frentes de garimpo e aos focos de expansão ilegal. O segundo é fortalecer a proteção de territórios vulneráveis, especialmente Terras Indígenas e Unidades de Conservação, que se encontram na linha de frente da pressão minerária. O terceiro diz respeito à urgência de articular políticas ambientais com alternativas econômicas sustentáveis, capazes de reduzir a dependência de atividades de alto impacto e baixa sustentabilidade.

            Em síntese, a dinâmica espacial e temporal da mineração ilegal na Amazônia Legal evidencia um processo contínuo de intensificação das pressões sobre a floresta e seus povos. A consolidação do garimpo como forma dominante de ocupação minerária reforça o caráter estrutural do problema e demonstra que a conservação ambiental na região depende, de maneira crescente, da capacidade do poder público e da sociedade de enfrentar essa atividade em múltiplas frentes: monitoramento, fiscalização, ordenamento territorial e promoção de modelos de desenvolvimento que preservem a integridade dos ecossistemas amazônicos.

            Com a colaboração de:

            Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos

            Sobre o autor

            Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.

            Contato: jbarbosa@ufam.edu.br

            *O conteúdo é de responsabilidade do colunista

            Banzeiro da Esperança na COP30: Justiça climática e bioeconomia ganham força com debates amplos e novas iniciativas

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            Foto da capa: Reprodução/Freepik

            O tema justiça climática ganhou força e vez durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém (PA) entre 10 e 21 de novembro. O assunto, que consiste numa repartição histórica das desigualdades sociais e econômicas decorrentes das mudanças climáticas, foi amplamente discutido nos espaços de debate da conferência mundial.

            A advogada em direito ambiental e membra da Diretoria de Mudanças Climáticas e de Desenvolvimento Sustentável da OAB-RJ, Cristiane Jaccoud, enalteceu a amplitude dos debates sobre justiça climática durante a COP30 e destacou a importância do assunto para o futuro das discussões climáticas.

            “A questão da justiça climática, embora seja um tema antigo, está mais acirrada agora, a partir do momento que as questões climáticas se agravam e as formas de tentar enfrentar a crise climática ganham maior proporção. A minha percepção é que nessa COP, a questão está muito enfatizada, a gente observou muitos espaços paralelos à COP, Belém ampliou significativamente esses espaços para o debate acalorado e possibilitar essas arenas de informação é sempre o primeiro passo para caminhar em direção às ações mais efetivas”, pontuou Jaccoud.

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            Importância da justiça climática

            Para o advogado e professor de direito ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Dr. Talden Faria, o debate da justiça climática é fundamental para a distribuição igualitária dos benefícios e malefícios decorrentes das mudanças climáticas para os países.

            “Eu diria que a justiça climática é a chave de toda a discussão climática, porque envolve a repartição dos benefícios e malefícios do processo de desenvolvimento que gerou o fenômeno das mudanças climáticas. O nível de consumo, a emissão de gases do efeito estufa, tudo isso gera produtos, bens e serviços, mas nem todo mundo tem acesso a isso. Ou seja, o ônus e o bônus são distribuídos de forma totalmente desproporcional, em outras palavras, as populações tradicionais, os mais pobres sofrem muito mais com os impactos ambientais do que pessoas e países mais ricos”, pontuou Talden, que também é vice-presidente da União Brasileira da Advogacia Ambiental (UBAA).

            Bioeconomia também entra em foco

            Outro tema amplamente debatido na COP30 foi a implementação da bioeconomia como o novo modelo socioeconômico e sustentável. O sistema deriva da utilização de recursos biológicos renováveis como plantas, animais e microrganismos, favorecendo a redução da dependência de combustíveis fosses e a diminuição de impactos ambientais.

            Para Juliana Lopes, diretora técnica de Natureza e Sociedade do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o início das discussões da bioeconomia durante a COP30 já é algo inédito e um dos principais avanços do tema.

            “Uma das maiores contribuições brasileiras foi inserir a bioeconomia em fóruns internacionais como a COP30. Começou no G-20 no ano passado, com a aprovação dos 10 Princípios de Auto Nível sobre Bioeconomia, que foi a base conceitual importante para os diálogos entre os países que detém grandes ativos naturais, numa oportunidade de converter esses ativos em condições de vida e prosperidade econômica, principalmente para aqueles que contribuem com a floresta em pé, que são os povos indígenas, comunidades tradicionais, entre outros”, explicou a diretora.

            Juliana citou alguns avanços significativos acerca da bioeconomia na COP30 como o lançamento da Bioeconomy Challenge, uma plataforma internacional e multissetorial criada para transformar os princípios globais da bioeconomia em ações concretas e soluções escaláveis até 2028. Além disso, foi elaborado o documento “O Brasil que vem“, com diversas propostas de governo e, entre elas, a criação da Política Nacional de Bioeconomia.

            “A próxima década vai ser marcada pela implementação da bioeconomia e a COP30 será lembrada por isso”, afirma Juliana, que é colíder da Força-Tarefa Bioeconomia, uma das partes do movimento Coalização Brasil.

            Banzeiro da Esperança na COP30: Justiça climática e bioeconomia ganham força com debates amplos e novas iniciativas
            Juliana Lopes, diretora técnica de Natureza e Sociedade do CEBDS, afirma que debate sobre bioeconomia já é um avanço. Foto: Reprodução/Youtube-CBN Amazônia

            Especial COP30

            As entrevistas dos advogados Cristiane Jaccoud, Talden Farias e da diretora técnica Juliana Lopes fazem parte de uma sequência especial dedicada à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – Conferência das Partes (COP30) do programa ‘Bate-papo na CBN’, da rádio CBN Amazônia Belém (102,3 FM ).

            Com o olhar de quem vive na região, o programa reuniu informações e entrevistas sobre toda a movimentação da 30ª edição do encontro mundial realizado em Belém (PA), realizado entre os dias 10 e 22 de novembro.

            🌱💻 Saiba mais sobre a COP30 aqui

            Especialistas em direito ambiental enaltecem amplitude do tema sobre justiça climática na COP30. Foto: Reprodução Youtube/CBN Amazônia

            Com oito episódios, os programas da rádio, apresentados pela jornalista Brenda Freitas, também ganharam versões especiais no canal Amazon Sat e no Portal Amazônia.

            Assista as entrevistas completas no sétimo episódio da edição especial do programa:

            Veja outras matérias da série:

            Banzeiro da Esperança

            A iniciativa Banzeiro da Esperança é uma parceria entre Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Fundação Rede Amazônica (FRAM) e Virada Sustentável, com patrocínio do Banco da Amazônia (BASA). Esta edição do Banzeiro da Esperança é uma jornada de conexão, troca de saberes e transformação com foco na COP30.

            Terras dos peixes: conheça festejos em homenagem aos peixes na Amazônia

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            Foto: Divulgação/Amazonastur

            Na região amazônica, onde os rios moldam o cotidiano das comunidades, os peixes não são apenas alimento: representam símbolos da identidade e da cultura.

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            Por isso, festejos em homenagem aos peixes estão relacionados com a preservação ambiental ou com tradições ancestrais, que incluem música, culinária e manifestações artísticas.

            Esses festejos transformam os peixes em protagonistas fundamentais na economia e no ecossistema da região. Conheça cinco que homenageiam os peixes regionais: 

            Eco-Festival do Peixe-Boi de Novo Airão

            O Eco-festival do Peixe-Boi, realizado em Novo Airão, no Amazonas, foi criado em 1989, com a missão de reforçar a importância da preservação do peixe-boi, mamífero aquático símbolo da região e ameaçado de extinção. O evento reúne arte, música e educação ambiental na Lagoa do peixe-boi, no Centro Cultural de Novo Airão. 

            A festa é conduzida pelas agremiações Peixe-Boi Jaú e Peixe-Boi Anavilhanas, inspiradas nos parques nacionais presentes no município. 

            O Peixe-Boi Jaú homenageia o Parque Nacional do Jaú, área de floresta tropical protegida, com as as cores verde e preto e apresentações conhecidas pela forte conexão com a natureza.

            Enquanto o Peixe-Boi Anavilhanas homenageia o Parque Nacional de Anavilhanas, famoso pelo arquipélago fluvial no Rio Negro, com as cores verde e branco e perfomances conhecidas pela conexão com a fluidez das águas e a beleza das paisagens aquáticas. 

            peixes
            Foto: Reprodução/Prefeitura de Novo Airão

            Leia também: Conheça o peixe-boi-da-Amazônia: além de vítima de caça predatória é vulnerável na lista de espécies ameaçadas de extinção

            Durante os anos de 1989 e 1992, as duas agremiações que hoje disputam o festival não existiam. Nesse período era realizada apenas a encenação da Lenda do peixe-boi por um grupo teatral de jovens da época, acontecendo sempre no mês de junho. A partir de 1993, um novo modelo do festival foi criado: chamado de Eco-Festival e realizado sempre no mês de outubro. O novo formato deu origem às duas agremiações.

            Atualmente, nove jurados avaliam 17 itens, entre eles apresentador, cantor, batucada, mensagem ecológica e a tradicional Lenda do Peixe-Boi. Além disso, o Jaú soma 11 títulos, enquanto o Anavilhanas acumula 9. 

            Festival do Peixe Ornamental de Barcelos

            Sempre no último fim de semana de janeiro, o município de Barcelos, também no Amazonas, sedia o Festival do Peixe Ornamental (Fespob), reunindo criadores, pesquisadores, comerciantes, artistas e turistas na Arena Piabódromo para uma celebração anual da biodiversidade e da cultura amazônica.

            Festival do Peixe Ornamental. Foto: Reprodução/Instagram-fespob

            Os grandes destaques do festejo são os espetáculos dos peixes Acará-Disco, famoso por suas cores vibrantes, e Cardinal, um dos peixes ornamentais mais exportados do Amazonas. Além disso, o festival conta também com a participação de artesãos indígenas, shows musicais e outras atividades culturais.

            Festival do Bodó com Farinha em Iranduba 

            Ainda no Amazonas, foi criado em Iranduba o Festival do Bodó com Farinha, pelo empresário Juvenal Monteiro da Silva e pelo músico José Cassiano da Silva. O festival foi criado com o intuito de acabar com o preconceito que se tem em relação ao bodó, em função de sua aparência.

            Caldeirada de bodó. Foto: Reprodução/G1 Amazonas

            Leia também: Com aparência estranha, bodó é um peixe que vale mais do que imaginamos

            Reunindo gastronomia, música e concursos culturais, o festival também conta com a escolha da rainha do evento. Além disso, durante a festa pratos com bodó são vendidos a preços populares, como: 

            • Bodó assado
            • Caldeirada de bodó
            • Bodó à milanesa
            • Ki-Bodó (kibe de bodó)
            • Vatapá de bodó
            • Sanduíche de bodó
            • Bodó à casaca
            • Lasanha de bodó
            • Maionese de bodó

            Festival de Peixes da Amazônia em Rondônia

            O Festival de Peixes da Amazônia, realizado em Rondônia no mês de abril, tem como objetivo valorizar a diversidade e as riquezas regionais da região, com destaque para as várias espécies de peixes dos rios da Amazônia. O evento acontece em Porto Velho e explora temas como ciência e pesquisa, pesca esportiva, turismo e sustentabilidade.

            Foto: Irene Mendes/Secom RO

            A festa inclui oficinas, palestras, demonstrações culinárias, exposições de peixes vivos em aquários e esculturas gigantes, além da orientação para visitantes sobre a pesca esportiva, os mapas dos rios, as espécies e as marinas.

            Festival Internacional do Tambaqui da Amazônia

            Ainda em Rondônia, um dos peixes típicos mais populares da Amazônia tem um evento só seu: o tambaqui. O evento celebra e promove o consumo do peixe amazônico em várias cidades de Rondônia, com foco em vendas, jantares e conscientização sobre o peixe, com apoio do governo.

            Foto: Esio Mendes/Governo de Rondônia

            O Festival começou em 2017, em Ariquemes, durante a Expovale, evento com exposição e comercialização de produtos de municípios do Vale do Jamari.

            Logo, a ideia se espalhou e ganhou a adesão de outras cidades do interior de Rondônia e chegou, em 2019 na inédita iniciativa de assar 4 mil bandas de Tambaqui em plena Esplanada dos Ministérios em Brasília. Além disso, edições também já foram realizadas em Nova Iorque e Miami, nos EUA, em 2022 e 2023 respectivamente.

            Festival do Pirarucu no Pará

            Organizado pela Associação Comunitária de Santa Maria do Tapará (ASCOSAMTA), o festival do Pirarucu tem o objetivo de fortalecer o manejo do pirarucu e celebrar a recuperação da população da espécie, que antes era ameaçada.

            Foto: Reprodução/Prefeitura de Santarém

            A programação combina gastronomia, apresentações cívicas, artesanato, pesca com arpão e noite cultural. Além disso, a festa conta também com a exposição do histórico do festival e do manejo do pirarucu, fotografias, escolhas das rainhas do pirarucu e palestras da Capitania dos Portos em Santarém para crianças da comunidade.

            Entre as iguarias gastronômicas estão o pirarucu frito, desfiado, churrasco de pirarucu, mojica, entrecha e Vatapá. Os peixes são capturados no Lago do Purús, onde a comunidade possui um acordo de pesca que determina os períodos adequados para a pesca, com a finalidade de manter o estoque da espécie ameaçada.

            *Com informações de G1 Amazonas, Sebrae, Prefeitura de Porto Velho e Prefeitura de Santarém

            Observatório das Baixadas conecta ciência e comunidades no Pará

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            Foto: Divulgação/ Ipam Amazônia

            Com o fim da COP30 e de mais um ciclo de negociações internacionais sobre a crise climática, experiências locais reforçam que as respostas urgentes também precisam nascer dos próprios territórios. Em Belém (PA), o OBx (Observatório das Baixadas) surge com essa missão: fomentar debates sobre os desafios que marcam o cotidiano das baixadas e periferias amazônicas, valorizando o conhecimento científico e tecnológico produzido por quem vive esses espaços.

            Assim, o Observatório das Baixadas se dedica a compreender e discutir as questões sociais, ambientais e as dinâmicas que estruturam a vida periférica.

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            Em meio às discussões da COP30, iniciativas como o Observatório das Baixadas ganham relevância por atuarem de forma próxima às comunidades e por produzirem informações acessíveis e conectadas às realidades locais. Nesse cenário, experiências como a do OBx aparecem como caminhos possíveis para aproximar diretrizes nacionais e internacionais das necessidades cotidianas de territórios vulneráveis, como os de Belém.

            Foto: Divulgação/ Ipam Amazônia

            “O desfecho da COP deixa claro que a adaptação climática só pode avançar de fato quando parte das realidades mais expostas à crise, especialmente aquelas onde seus efeitos já são sentidos no presente. Em periferias e baixadas como as de Belém, os impactos se manifestam em alagamentos constantes, calor extremo, falta de água e infraestrutura frágil. Apesar de acordos internacionais e promessas de financiamento, permanece um grande descompasso entre os recursos anunciados e o apoio que realmente chega às comunidades que enfrentam esses desafios todos os dias”, explica Waleska Queiroz, cofundadora e coordenadora de Relações Institucionais do Observatório das Baixadas.

            Ações práticas para a Amazônia

            O Observatório das Baixadas desenvolve ações voltadas à justiça climática nas periferias amazônicas, produzindo dados que evidenciam como a crise climática afeta esses territórios. Iniciativas como o Atlas das Baixadas, iniciado em 2024 e o Censo Climático, que terá inicio em janeiro de 2026, ajudam a identificar áreas mais vulneráveis e orientar prioridades de adaptação, ao mesmo tempo em que fortalecem a formação de jovens pesquisadoras e pesquisadores periféricos em temas como clima, raça, gênero, território e tecnologia.

            Foto: Divulgação/ Ipam Amazônia

            O trabalho também envolve atividades de educação ambiental, mobilização comunitária e pesquisa aplicada, incluindo oficinas, rodas de conversa, cartografias sociais e incidência política para inserir as demandas das baixadas nos debates públicos. Além disso, o Observatório das Baixadasrealiza monitoramento ambiental e levantamento de riscos, considerando saberes ancestrais, natureza e modos de vida locais como partes essenciais para construir soluções climáticas mais justas e adequadas ao território.

            “Quando a comunidade participa das atividades do Observatório, passa a integrar diretamente a construção coletiva do nosso trabalho, que nasce sempre do diálogo com os territórios. Moradoras e moradores contribuem ao relatar situações como alagamentos, ondas de calor, falta d’água e falhas de infraestrutura, permitindo que essas vivências se convertam em informações úteis para instrumentos como o Atlas das Baixadas e para a formulação de políticas públicas. Além disso, o apoio pode vir de diferentes formas: doações de equipamentos, disponibilidade de tempo, troca de conhecimentos ou participação nas campanhas digitais, que ajudam a ampliar a visibilidade das pautas e a fortalecer a pressão por ações mais justas para as periferias”, diz Waleska.

            O futuro no Observatório das Baixadas

            O projeto dará início à primeira fase do Censo Climático, no bairro da Terra Firme em Belém, com um levantamento detalhado de informações sobre os impactos climáticos, infraestrutura, áreas de risco, acesso à água, saúde e espaços verdes. A partir desses dados, serão elaborados indicadores que refletem a realidade climática das baixadas, configurando um projeto piloto construído junto à própria comunidade.

            Enquanto isso, paralelamente, o programa “Atlas das Baixadas” seguirá sendo atualizado, incorporando novas camadas, com a participação ativa da população, além de avançar na sua expansão para outras regiões do país.

            Leia também: Cotas de Proteção Ambiental, no Pará, aproximam produção rural da preservação da floresta

            Foto: Divulgação/ Ipam Amazônia

            Ao mesmo tempo, o Observatório das Baixadas continuará promovendo o projeto de simulação da COP30 em escolas e comunidades, ampliando a compreensão sobre negociações climáticas entre jovens e moradores. Novas ações serão desenvolvidas com foco nas mulheres, por meio do Grupo de Trabalho de Raça e Gênero, reforçando a perspectiva interseccional na construção da agenda climática das baixadas e fortalecendo a participação comunitária na busca por soluções mais justas e efetivas.

            O projeto, lançado oficialmente em setembro de 2024, nasceu a partir da iniciativa de Waleska Queiroz e Andrew Leal, jovens moradores de Belém, e contou com a co-fundação de Thuane Nascimento (PerifaConnection) e Jean Ferreira (COP das Baixadas).

            Juntos, eles desenvolveram uma plataforma independente voltada para acompanhar, fortalecer e amplificar a voz das periferias amazônicas frente aos desafios climáticos. Para conhecer mais sobre o projeto, é possível entrar em contato pelo Instagram @observatoriodasbaixadas ou acessar o site www.observatoriodasbaixadas.org.

            *O conteúdo foi originalmente publicado pelo IPAM Amazônia

            Povos indígenas ganham manual de orientação para situações de conflitos fundiários

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            Lançamento do manual dos povos indígenas foi lançado durante a COP30. Foto: Divulgação/Banco Mundial

            O Ministério dos Povos Indígenas (MPI), em parceria com o Banco Mundial, lançou o Manual de Acionamento e Resposta em Conflitos Fundiários envolvendo Povos Indígenas, documento que visa orientar lideranças indígenas, servidores públicos e instituições sobre os procedimentos em situação de disputa por terras.

            Lançado durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), o manual é uma ferramenta inédita desenvolvida no âmbito do projeto Land Restitution and Peacebuilding in Indigenous Territories (Restituição Fundiária e Construção da Paz em Territórios Indígenas).

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            Manual orienta povos e comunidades indígenas a acionarem as autoridades em situações de risco. Foto: Reprodução

            De acordo com o Secretário-Executivo do MPI, Eloy Terena, o documento é um guia prático para situações de risco e que sistematiza o funcionamento de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), o Ministério Público Federal, Defensorias Públicas, Polícia Federal, Polícias Militares estaduais e forças de segurança ambiental.

            Leia também: Estudo aponta que maior parte dos conflitos no campo em 2022 ocorreu Amazônia Legal

            Em casos de emergência, o material orienta as comunidades a acionarem as autoridades, priorizando a FUNAI como órgão central para a proteção territorial. Além disso, esclarece direitos fundamentais relacionados à demarcação, invasões, crimes ambientais e ameaças a lideranças.

            Notas técnicas do manual

            Além do manual, que apresenta de forma clara e acessível os órgãos competentes para o acionamento institucional, os mecanismos de denúncia e as responsabilidades de cada entidade envolvida na proteção territorial, a iniciativa compreendeu ainda a elaboração de um conjunto de seis notas técnicas sobre temas estratégicos para a atuação do MPI.

            As notas são sobre:

            • Invasões de terras indígenas com ênfase em dinâmicas de grilagem e desmatamento;
            • Empreendimentos de infraestrutura que afetam os povos indígenas;
            • Arrendamentos de áreas no interior de terras indígenas;
            • Mineração e garimpo no interior e entorno de terras;
            • Ameaças às lideranças indígenas e medidas protetivas;
            • e Emprego da Força Nacional de Segurança Pública em terras indígenas. 

            Todo o material foi elaborado pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI). No marco da mesma parceria, ainda se encontra em desenvolvimento, pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), uma plataforma para monitoramento de conflitos funcionários envolvendo povos indígenas. 

            Leia também: Massacre dos Akroá-Gamella: maior ataque contra indígenas maranhenses

            *Com informações do Ministério dos Povos Indígenas

            Roraima inicia produção de sementes de gergelim para atender mercado agrícola

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            Gergelim é cultivado em propriedade no Bonfim, município ao Norte de Roraima. Foto: Raquel Maia/Rede Amazônica RR

            O primeiro plantio voltado para a produção de sementes de gergelim em Roraima começou em uma fazenda na região da Serra da Lua, em Bonfim, município ao Norte do estado, e ocupa cerca de 230 hectares. A área concentra três variedades que devem abastecer produtores do estado e de outras regiões.

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            Rico em nutrientes e vitaminas, o gergelim é uma das oleaginosas mais antigas usadas pelo homem. A semente pode ser usada em pães e como tempero, e o óleo de gergelim traz benefícios para a saúde.

            Cultivo do gergelim em Roraima

            Segundo o agricultor Tiago Fonseca, proprietário da fazenda onde a semente começou a ser plantada, as cultivares usam tecnologia israelense e foram desenvolvidas para regiões com clima semelhante ao de Roraima.

            “Decidimos fazer os testes e estamos bastante satisfeitos com o resultado. O plantio se desenvolveu muito bem e, em poucos dias, vamos começar nossa colheita”, afirmou o agricultor.

            Saiba mais: Bonfim e Pacaraima: conheça as cidades na fronteira com região disputada pela Venezuela e Guiana

            Roraima inicia produção de sementes de gergelim
            Roraima começa a produzir sementes de gergelim. — Foto: Raquel Maia/Rede Amazônica

            Cultivo em Roraima

            O cultivo de gergelim em Roraima tem chamado atenção devido ao clima favorável e ao potencial produtivo da cultura. Essas condições têm atraído investimentos, como o da empresa do diretor comercial Bruno Pellicciotti, que iniciou operações no estado para fornecer sementes nas próximas safras.

            “Nós vimos que Roraima estava crescendo muito na agricultura e como aqui tem um clima quente e o gergelim produz bem nessas condições decidimos trazer nossa empresa para o estado”, disse Pellicciotti.

            A empresa também planeja produzir gergelim para exportação. Segundo Pellicciotti, as regiões produtoras devem ser beneficiadas com a abertura do mercado chinês e com o aumento da demanda internacional pelo produto, que é usado principalmente pela indústria alimentícia.

            Em Roraima, o gergelim pode ser consolidar como uma alternativa rentável de safrinha, a segunda safra do ano. O plantio ocorre logo após a colheita da safra principal, geralmente a da soja.

            Leia também: Cultivo orgânico de gergelim e algodão colorido auxilia agricultores de Mato Grosso

            Gergelim é uma sementes mais antigas usadas pelo homem. — Foto: Raquel Maia/Rede Amazônica

            Leia também: Colheita de milho fortalece agricultura familiar indígena em Boa Vista

            Segundo Valdinei Sofiatti, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Algodão, o gergelim atrai produtores em várias regiões do país por ter baixo custo de produção e exigir poucos investimentos adicionais.

            “É possível aproveitar toda infraestrutura usada na safra principal. Com alguns ajustes a mesma máquina que planta e colhe soja pode ser usada na semeadura do gergelim”, explicou.

            O pesquisador ressalta que, apesar das vantagens, a planta exige um manejo adequado para garantir boa produtividade. O controle de pragas e doenças, junto com a adubação correta, é essencial para alcançar bons resultados na produção.

            No Brasil, a produtividade média varia entre 500 e 600 quilos por hectare. Em áreas mais tecnificadas, porém, pode ultrapassar mil quilos por hectare.

            Para o secretário de Atração de Investimentos de Roraima, Aluizio Nascimento, o cenário é otimista. Projeções indiciam que o estado pode superar 10 mil hectares de gergelim em 2026.

            “Para nós é uma nova alternativa que vem somar, pensando principalmente no mercado internacional que é um grande consumidor de gergelim. É possível ser produzido pela agricultura familiar e agricultura indígena fortalecendo a produção roraimense”, destacou.

            *Por Raquel Maia, da Rede Amazônica RR

            Comunidades indígenas e quilombolas se unem contra extinção de línguas no Brasil

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            Projetos populares e tradicionais, aliados a políticas públicas auxiliam na proteção da diversidade das línguas brasileiras. Foto: Michel Becheleni/Rupestre Imagens

            O que se perde quando uma língua desaparece? A resposta para essa pergunta é algo que o comunicador indígena Jefferson Tupari Makurap não pretende descobrir. Oriundo dos povos Tupari, por parte de pai, e Makurap, por parte de mãe, Jefferson, estudante de Gestão Pedagógica Intercultural, está engajado em uma batalha contra a extinção de sua língua materna, a Makurap. Não faz isso sozinho, mas ao lado de seus últimos falantes: os homens e mulheres mais velhos de seu povo, guardiões de saberes. 

            Leia também: Documentário gravado em Rondônia busca valorizar cultura e idioma do Povo Makurap

            Tendo Rondônia como pano de fundo, a batalha pela manutenção de uma língua ancestral não mobiliza apenas a aldeia indígena Ricardo Franco, do território Rio Guaporé, no município de Guajaramirim (RO), onde é falada. Os povos Makurap também estão na Terra Indígena Rio Guaporé, sudoeste do estado, assim como na capital, Porto Velho. 

            Essa multiterritorialidade, conforme detalha o livro Nossas Histórias Makurap, advém de relações de contato da etnia com núcleos situados no ambiente urbano. Segundo dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), de 2014, atualmente há cerca de 579 indígenas Makurap vivendo no estado de Rondônia. 

            A ponta de lança do projeto de revitalização da língua do povo Makurap é a reunião dos saberes sobre a língua em materiais didáticos, como o livro Ensinando a língua Makurap, de autoria do professor Agnaldo Makurap, tio de Jefferson. A obra consiste na integração dos conhecimentos gramaticais da língua Makurap, tais como o alfabeto, suas vogais e consoantes, bem como suas respectivas pronúncias. 

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            Além de exercícios de fonologia com separação silábica, o livro também conta com letras musicais de cânticos Makurap e exercícios para firmamento do conhecimento, tais como desenhar elementos relacionados à cultura da etnia. Ao final do volume (único, até o momento), é disponibilizado um vocabulário com cerca de 160 palavras relativas ao seu conteúdo para instruir seus estudantes ao longo da jornada de aprendizagem. 

            A obra, voltada para a alfabetização, será ministrada em encontros e rodas de conversa pelos sabedores da aldeia.

            “Esses sabedores indígenas, que são os mais velhos, hoje são nossos professores. Eles são pontos focais para a revitalização da nossa cultura”, explica Jefferson. 

            O comunicador pontua, ainda, que a quantidade de atividades não-indígenas dentro da aldeia é um agravante nessa situação. “Também é por este motivo que precisamos mostrar para a nossa juventude que a língua do povo Makurap é muito importante para a nossa identidade.”

            Leia também: Dicionário Tupi Mondé: a resistência linguística do povo Cinta Larga

            Festa do Peixe no Território Rio Guaporé, do povo Makurap. Foto: Divulgação/ Bitate Juma

            Um dos pontapés iniciais para a saga rumo à revitalização da língua do povo Makurap, segundo relata Jefferson, começou depois que sua avó e seus tios, membros anciãos da aldeia Ricardo Franco, começaram a se indagar sobre a pouca valorização dada à língua e à cultura de seu povo por parte da própria aldeia. “Eles queriam entender por que ninguém dava valor aos cânticos deles, à cultura tradicional do povo Makurap num geral”, comenta Jefferson.

            Apesar do que tem acontecido na aldeia Ricardo Franco, o número de falantes indígenas com cinco anos ou mais dentro de terras indígenas aumentou ao longo de 12 anos. É o que atesta o Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o estudo, esse número foi de 293.853, em 2010, para 433.980, em 2022. 

            Percebendo a pouca valorização dada à própria cultura, Jefferson e demais membros do aldeia, como o seu tio, passaram a se organizar em associação como forma de mobilizar a pauta cultural da comunidade, criando a Associação do Povo Makurap, a AWANDA. 

            Essa mobilização acontece em torno de encontros e rodas de conversa e festas, como a Festa do Peixe, que já é um evento tradicional da aldeia Ricardo Franco. A aliança com outros povos indígenas, de diferentes etnias, também foi uma maneira encontrada de financiar esses eventos.

            A iniciativa do povo Makurap para preservar a própria língua parte de uma parceria entre a comunidade e pesquisadoras ligadas à Universidade Federal da Paraíba e à Universidade Federal do Pará. O estudo é realizado junto ao Museu Paraense Emílio Goeldi, sediado em Belém (PA). O próximo passo do projeto é encaminhar os resultados do estudo feito sobre a língua Makurap para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan), que gerencia essas iniciativas através do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), política de salvaguarda criada para prevenir a extinção de línguas brasileiras.

            Leia também: Entenda como a extinção de línguas indígenas pode afetar o conhecimento sobre plantas medicinais

            Uma política de salvaguarda das línguas

            As margens do desaparecimento linguístico não são povoadas apenas pelo povo Makurap. O Brasil possui 391 etnias e 295 línguas indígenas, segundo o Censo de 2022. De acordo com o Atlas das línguas em perigo da Unesco, cerca de 190 dessas línguas estão em risco de extinção. Mas problema também envolve línguas não-indígenas, como o Iorubá, de matriz africana, e o Hunsrück, língua de origem alemã falada no sul no Brasil. Diante dessa realidade, o que é necessário para preservar uma língua?

            O surgimento do Inventário Nacional de Diversidade Linguística se deu tanto para tentar salvaguardar essas línguas quanto para distingui-las daquilo que é reconhecido como patrimônio histórico imaterial. A política de inventário surgiu anos depois da instituição do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, promulgado no ano de 2000 pelo decreto de nº 3551, um instrumento de preservação do patrimônio cultural imaterial brasileiro. A partir dele, foram criados quatro livros destinados a registrar bens culturais imateriais relacionados a saberes, festas, lendas e locais culturais. 

            Apesar de cumprir com a sua finalidade, o instrumento não foi capaz de contemplar a diversidade linguística brasileira em sua totalidade porque não contava com categorias que incluíssem as línguas. Entendendo que a criação de um livro de registro para as línguas não seria o mais viável, visto que isso implicaria no reconhecimento da língua como um patrimônio, o Iphan adotou outras soluções.

            “Quando falamos em patrimônio, partimos do princípio de uma seleção dos bens culturais mais representativos do que seria a identidade nacional. Mas essa lógica de seleção não se aplica às línguas, porque as línguas são tão estruturantes da cultura de um povo, que não faz sentido dizer que uma língua é patrimônio e a outra não, por um critério qualquer”, detalha o diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan, Deyvesson Gusmão.

            Artigos da etnia Mbyá Guarani, uma das mais de 300 etnias indígenas do Brasil. Foto: Desirée Ferreira/Nonada

            A partir dessa distinção, o órgão chegou à conclusão sobre a necessidade da criação de um instrumento próprio para a identificação e reconhecimento das línguas brasileiras. A publicação do decreto nº 7387, em 2010, instituiu, então, o INDL, que funciona tanto como um instrumento de produção de conhecimento sobre as línguas a partir de sua identificação quanto como um instrumento de reconhecimento das mesmas através da chancela do Estado, por meio do Ministério da Cultura (MinC). 

            “Quando uma língua é incluída no Inventário, ela é titulada como referência cultural brasileira, para diferenciar um pouco do reconhecimento como patrimônio num livro de registro. Quando um bem é registrado [num livro de registro], ele é reconhecido como patrimônio cultural do Brasil”, diferencia Deyvesson. 

            Em 2023, o Iphan lançou um edital do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, no qual selecionou 9 propostas que abarcam projetos de pesquisa sociolinguística e tendo como referência o Guia Nacional da Diversidade Linguística.

            Desde que o INDL surgiu em 2010, 7 línguas que estavam em risco de extinção, sendo que 6 delas são indígenas, já foram inventariadas e reconhecidas pelo MinC como referência cultural imaterial. São elas: 

            • a língua Asurini, que pertence ao tronco Tupi, da família linguística Tupi-Guarani, cujos falantes habitam a Terra Indígena Trocará, localizada às margens do rio Tocantins, em Tucuruí (PA); 
            • a língua Guarani M’bya, identificada como uma das três variedades modernas da língua Guarani, da família Tupi-Guarani e do tronco linguístico Tupi; 
            • as línguas NahukuáMatipuKuikuro e Kalapalo, de família linguística Karib e falada na região do Alto Xingu (MT); 
            • e a língua Talian (chamada de língua de migração por conta de seu contexto), que é falada, especialmente, nas regiões de forte influência camponesa do interior dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Espírito Santo. A língua Talian é formada a partir do contato de distintas línguas originárias da região do Vêneto, na Itália, de onde veio um grande contingente de imigrantes para o Brasil, a partir de meados do século XIX.

            Fora as línguas que já foram salvaguardadas pela política de diversidade linguística, cerca de 20 outras línguas aguardam por esse reconhecimento. É o que acontece com a LIBRAS, a Língua Brasileira de Sinais; o Iorubá; o Yanomami, língua indígena do povo de mesmo nome; e com a língua Pomerana, de origem alemã e polonesa.  

            Leia também: Brasil tem 119 povos indígenas vivendo isolados, aponta publicação do Cimi – Portal Amazônia

            Proteger a diversidade linguística: uma tarefa transversal 

            Deyvesson explica que essa espera por salvaguarda enfrentada por todas essas línguas é um reflexo da ingerência sobre o Iphan cometida durante o governo Bolsonaro, que extinguiu o MinC. Neste período, o órgão foi transferido para o Ministério da Cidadania, depois para o Ministério do Turismo, até retornar para o MinC, recriado em 2023, já no governo Lula.

            Com essas sucessivas mudanças, a estrutura do colegiado, atualmente formado por uma comissão técnica com representantes de cinco órgãos públicos do governo federal e que avalia e aprova a inclusão de novas línguas no Inventário, foi prejudicada. 

            “Agora, estamos aproveitando essa necessidade de reformulação para propor ao MinC a criação de um colegiado mais amplo, que atue como um conselho nacional de políticas da diversidade linguística”, diz. A nova proposta sugere o aumento do número de representantes do Estado de cinco para dez, bem como a inserção de dez representantes da sociedade civil no colegiado. 

            Tambores do batuque. Foto: Talita Morais/UPF

            O diretor explica que a reestruturação do colegiado visa garantir a participação social no reconhecimento das línguas como Referência Cultural Brasileira, objetivando a intersetorialização das demandas e políticas que relacionam cultura e diversidade linguística. Para isso, “o Iphan propôs a criação de um Conselho Nacional de Políticas para a Diversidade Linguística”. A proposta está em análise no MinC.

            A intenção é unificar um processo que já faz parte da maneira como a língua é preservada no Brasil. No que diz respeito à atuação do Estado, além do INDL, do Iphan, outras frentes atuam para garantir que povos indígenas mantenham vivas suas tradições linguísticas. 

            O Ministério da Educação, por exemplo, promove educação diferenciada para comunidades indígenas através da Política Nacional de Educação Escolar Indígena nos Territórios Etnoeducacionais, cuja premissa é garantir educação específica para esses povos, bilíngue e intercultural. 

            O Ministério do Planejamento, através do IBGE, realiza o senso nos domicílios e apura sobre a quantidade de povos que habita cada território. Outros órgãos que atuam em frentes específicas, como a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas, que tem o Departamento de Línguas e Memórias Indígenas, também se articulam no sentido da preservação linguística de povos tradicionais.

            Se a nova estrutura do colegiado for aprovada, “a ideia é que tanto Estado quanto sociedade civil assumam o compromisso de salvaguarda, de preservação e fortalecimento das línguas”, conforme aponta o diretor do DPI.

            Comunidade no centro 

            Um dos princípios fundamentais da política de salvaguarda das línguas do Iphan é a participação social. Para incluir uma língua no Inventário Nacional da Diversidade Linguística, é necessário que o proponente dessa inclusão, no caso os pesquisadores, contem com a anuência das comunidades de onde vem essas línguas. 

            Também é necessário que o processo de produção de conhecimento conte com a participação ativa de quem vive nos territórios, a fim de que seja garantido a legitimidade e o protagonismo das comunidades linguísticas na produção de conhecimento sobre sua própria língua.

            Seguindo esse princípio, pesquisadores do Mukuá – Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Vissungo, ao lado das comunidades do Baú e do Ausente, no Serro, e do Quartel do Indaiá, na Diamantina, trabalham pela restituição de cantos e de palavras de línguas Bantu, como o Quimbundo e o Umbundu, a essas comunidades.

            Comunidade quilombola no Vale do Jequitinhonha. Foto: Michel Becheleni/Rupestre Imagens

            Esse processo, que está sendo realizado desde março com recursos do edital do INDL, se dá através do compartilhamento e da inventariação. Os cantos em questão se referem ao Vissungo, que além de comporem noções sobre vida e morte nas festas do Rosário do Serro (um misto de devoção religiosa e celebração cultural que homenageia Nossa Senhora do Rosário, com fortes raízes na cultura afro-brasileira), também são utilizados em contextos do cotidiano dessas comunidades. 

            “O trabalho de restituição da língua com as comunidades é realizado por meio da parceria entre mestres, educadores populares e pesquisadores acadêmicos. O processo também envolve a organização de memórias e de palavras da tradição local e o compartilhamento de pesquisas, documentos e gravações históricas com as comunidades”, detalha a antropóloga Joana Corrêa, integrante do Mukuá. 

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            O projeto acontece através de oficinas em que os participantes desenvolvem histórias que rememoram fundamentos e palavras da tradição do Vissungo. Ao todo, mais de 170 palavras já foram inventariadas pelo grupo. 

            Além das oficinas com as comunidades de base do projeto, outras comunidades quilombolas do Serro, como Santa Cruz, Vila Nova, Queimadas e Capivari também estão inseridas no circuito do projeto através de rodas de prosa itinerantes. Como resultado final das oficinas do projeto, foi produzido o livro-cartilha Meu bisavô veio de Angola, em referência ao bisavô de Enilson Viríssimo, a partir de quem o projeto se estruturou. 

            Enilson, contrabaixista e mestre popular, é morador da comunidade do Ausente e tem na sua ancestralidade a origem para o projeto que visa a restituição do Vissungo às comunidades. Esse tipo de canto é um conhecimento passado de pai para filho ao longo de três gerações, e teve início quando o bisavô de Enilson, João Norbert, veio de Angola, trazendo consigo o repertório cultural e linguístico do país. No Brasil, se refugiou da escravidão no território que hoje é a comunidade quilombola do Ausente. No meio desse repertório trazido por João, figurava o Vissungo. 

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            Situadas no território afro-diaspórico do Alto Jequitinhonha, microrregião do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, as comunidades quilombolas do Ausente, do Baú e do Quartel do Indaiá são oriundas de um contexto histórico rico em diversidade linguística. Estima-se que em meados do século XIX, cerca de 80 a 90 por cento da população dos arraiais era de africanos, e majoritariamente negra, conforme contextualiza Joana. 

            “Segundo registros históricos e memorialistas, entre fins do século XIX e até meados do século XX, as línguas africanas eram fluentemente usadas pelas populações locais. Com o apagamento das diversidades culturais e linguísticas empreendido por sucessivos atos legislativos, jurídicos e executivos do Estado brasileiro na implementação do regime republicano, desde o período pós-abolicionista até a Era Vargas, estas línguas ficaram restritas a áreas rurais mais isoladas, hoje reconhecidas como territórios quilombolas, e se mantiveram vivas nos cantos tradicionais dos Catopês dos Reinados do Rosário do Serro”, explica a antropóloga. 

            Outro desdobramento tido a partir das oficinas é a produção do documentário Envém Vissungo, realizado por meio de entrevistas com mestres e mestras populares locais. Tanto o livro cartilha quanto o documentário serão lançados no fim do mês, na comunidade do Baú, com roda de prosa com o mestre Enilson e convidadas.

            Envém é uma palavra que representa um devir e é comumente pronunciada na região. Ainda, o uso do termo no contexto do projeto se refere a olhar para quem vem do território. Embora o termo envém seja considerado como coloquial ou, em algumas interpretações, errado por não estar de acordo com a norma culta da língua portuguesa, Joana defende que sua oficialidade não é algo que se conteste. “Guimarães Rosa conquistou o mundo escrevendo em mineirês”.

            *O conteúdo foi originalmente publicado pelo Nonada Jornalismo, escrito por Alexandre Briozo Filho

            UFPA participa do desenvolvimento de técnica para reduzir lacunas em montagem de genomas

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            Foto: Luan Teixeira/UFPA

            Um estudo recém-publicado na Revista Nature Communications apresenta um método inovador para a montagem de genomas, que é o conjunto de informações hereditárias presentes no DNA ou, em alguns vírus, no RNA. A pesquisa intitulada ‘Sequenciamento direcionado e montagem iterativa de genomas quase completos’ foi desenvolvida por uma colaboração internacional que inclui os professores Renata Coelho Rodrigues Noronha e Luís Adriano Nascimento, da Universidade Federal do Pará (UFPA). 

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            Batizada de Cornetto, a nova técnica combina sequenciamento direcionado e procedimentos iterativos de reconstrução para gerar genomas praticamente completos com maior eficiência. Diferentemente dos métodos tradicionais, que produzem grandes volumes de dados sem distinção, o Cornetto utiliza o sequenciamento por nanoporo, uma tecnologia que lê moléculas de DNA ao fazê-las passar por poros minúsculos e medir variações de corrente elétrica, de forma seletiva, focando nas regiões genômicas que permanecem incompletas após a primeira montagem. 

            A abordagem consiste em identificar trechos problemáticos, muitas vezes regiões repetitivas ou de difícil leitura, e direcionar novos ciclos de sequenciamento especificamente para essas áreas. Esse processo é repetido até que o genoma apresente alta completude, reduzindo custos e aumentando significativamente a qualidade do resultado final.

            Participação de profissionais da UFPA

            De acordo com o estudo, a técnica mostrou-se eficaz na diminuição de lacunas comuns nas metodologias convencionais.

            “Trata-se do desenvolvimento mais rápido e eficiente de análise, que ajuda a entender melhor como as atividades desenvolvidas pelo homem podem influenciar o meio ambiente e as características dos seres vivos aqui da Amazônia, como os peixes”, explica o professor Luís Adriano. 

            Leia também: Onça-pintada e peixe-boi têm genomas mapeados em alta qualidade, anuncia GBB

            UFPA
            Foto: Reprodução/UFPA

            A professora Renata Noronha destaca a relevância do avanço: O desenvolvimento e a implementação do Cornetto ampliam significativamente as capacidades da pesquisa genômica na Amazônia, fornecendo uma ferramenta poderosa para o monitoramento e a proteção do ecossistema local com maior precisão e eficiência. Essa integração entre tecnologia de ponta, biodiversidade regional e cooperação internacional abre novos caminhos promissores para a conservação ambiental e para a compreensão dos efeitos das atividades humanas no bioma amazônico”. 

            Aplicações de genomas na Amazônia

            Uma das aplicações mais promissoras do Cornetto foi seu uso no sequenciamento do genoma de um peixe nativo da Amazônia. Com a técnica, foi possível obter, pela primeira vez, o genoma de alta cobertura de Geophagus surinamensis, um ciclídeo típico da região.  

            Segundo a professora Renata Noronha, a espécie foi selecionada por estar sujeita a impactos ambientais significativos, o que a torna um organismo modelo relevante para estudos ecológicos e genéticos.

            “Com esse sequenciamento detalhado, será possível analisar genes associados à resposta a diferentes tipos de poluição. Assim, os resultados abrem caminho para monitorar os efeitos das alterações ambientais e compreender como esses peixes se adaptam — ou são afetados — pelas mudanças provocadas por atividades humanas”, destaca a professora na UFPA. 

            Confira a pesquisa completa aqui

            *Com informações da UFPA

            Relatório do SGB sintetiza geologia e potencial mineral de Roraima

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            Foto:

            O Serviço Geológico do Brasil (SGB) lançou a ‘Nota Explicativa: Geologia e Recursos Minerais de Roraima‘, uma síntese técnico-científica que reúne décadas de pesquisas sobre a formação geológica do estado e seu potencial mineral. O relatório integra informações sobre rochas, estruturas geológicas e recursos econômicos, uma referência básica e estratégica para pesquisadores, gestores públicos e o setor mineral.

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            A publicação sintetiza a evolução geológica de Roraima ao longo de mais de 2 bilhões de anos, mostrando que sua diversidade de rochas e ambientes geológicos é produto de sucessivos eventos que moldaram o Escudo das Guianas e deram origem a uma grande diversidade de rochas e ambientes geológicos.

            O documento também apoia o planejamento territorial e ambiental no estado. “Os novos mapas ajudam a identificar áreas de potencial mineral e, ao mesmo tempo, fornecem bases para o uso sustentável do território”, explica Túlio Amós de Araújo Mendes, um dos pesquisadores responsáveis pelo projeto.

            Ainda segundo o pesquisador, o projeto Geologia e Recursos Minerais de Roraima servirá como base para o melhor aproveitamento do solo, alocação de grandes obras de infraestrutura, gestão de recursos hídricos e fiscalização e apoio de empreendimentos do setor mineral.

            “São informações preciosas para especialistas e líderes que atuam no setor público e que agora dispõem de um mapa e informações que norteiam as políticas de estado em Roraima”, completa.

            Relatório do SGB sintetiza geologia e potencial mineral de Roraima
            Foto: Divulgação/SGB

            O pesquisador destaca que ainda há muito a investigar: “Roraima tem regiões com potencial mineral pouco estudado, e esse relatório aponta caminhos para novas pesquisas. Ainda é necessário avançar na cartografia geológica em escalas de maior detalhe para fomentar a indústria mineral no estado”.

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            Relatório auxilia planejamentos

            A publicação reforça o papel de Roraima como área-chave para compreender o Cráton Amazônico e amplia o acesso público às informações geológicas do extremo norte do país.

            O conhecimento geológico integrado no projeto é fundamental tanto para as políticas de fomento e fiscalização da indústria mineral no Estado como também para nortear pesquisas iniciais em exploração.

            *Com informações do SGB

            Áreas inéditas da costa do Amapá são exploradas por pesquisadores em busca de onças-pintadas

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            A onça-pintada é símbolo de imponência na Amazônia. Foto: Octavio Campos Salles

            Pesquisadores do projeto Onças do Amapá iniciaram um mapeamento de onças-pintadas em três áreas de preservação ambiental: Parque Nacional do Cabo Orange, Estação Maracá Jipioca e Reserva do Lago Piratuba. As regiões são pouco exploradas e de difícil acesso.

            O estudo vai durar três anos e integra o projeto Amazônia +10, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e desenvolvido pela Universidade Federal do Amapá (Unifap). É a primeira pesquisa desse tipo na costa do Estado.

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            O objetivo é coletar informações sobre biodiversidade, genética e criar um banco de material biológico das onças-pintadas que vivem na região.

            A coordenadora do projeto, bióloga Fernanda Michalski, explica que a escolha por áreas de difícil acesso foi estratégica. Segundo ela, a costa do Amapá é extensa, mas ainda se sabe pouco sobre os animais que vivem ali.

            “Estamos trabalhando especialmente nas regiões da costa do Amapá que são aquelas que são poucos estudadas. São áreas que estão sendo ainda mais analisadas pela questão da potencial exploração de petróleo. Então é uma área que não se tem conhecimento sobre o que se tem de fauna. Da própria questão da onça-pintada: onde elas estão?”, disse Michalski.

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            Os dados vão ajudar a definir estratégias de preservação de onças-pintadas para essas áreas. Participam do projeto 17 doutores, sendo 16 de instituições brasileiras — entre elas o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) — e um da Guiana Francesa.

            A pesquisa usa armadilhas fotográficas instaladas em árvores, análises genéticas e conversas com comunidades ribeirinhas. As câmeras foram colocadas em setembro.

            Leia também: Biólogo explica por que reintrodução de onça-pintada na natureza é inviável

            A proposta é observar o comportamento das onças-pintadas sem alterar o habitat e entender como comunidades tradicionais convivem com o animal.

            O trabalho enfrenta desafios como marés, clima e longas caminhadas. Em alguns pontos, os pesquisadores percorrem mais de 15 quilômetros até chegar às áreas de monitoramento.

            “É uma área de acesso muito difícil. Poucas pessoas estiveram lá justamente por causa da distância. É um lugar desafiador para estudar”, reforçou Michalski.

            Ecossistemas do Amapá

            No Amapá, as onças-pintadas vivem em várzeas, igapós, campos inundáveis, manguezais e áreas de transição. Esses ecossistemas estão sendo analisados pela pesquisa.

            Parque Nacional do Cabo Orange: criado em 1980, é uma das principais áreas de conservação do Amapá. Fica na fronteira com a Guiana Francesa e protege manguezais, restingas e áreas costeiras. O acesso é feito pelo município de Oiapoque, por barco ou voadeira.

            Estação Ecológica Maracá-Jipioca: criada há mais de 40 anos, é formada por ilhas costeiras e protege ecossistemas de grande relevância científica. É considerada um dos maiores patrimônios naturais do Amapá.

            Reserva Biológica do Lago Piratuba: tem mais de 350 mil hectares e protege ecossistemas frágeis e espécies ameaçadas. Funciona como laboratório natural para pesquisas e barreira contra a degradação ambiental.

            Importância das onças-pintadas

            Armadilhas sendo instaladas pelo projeto Onças do Amapá. Foto: Divulgação/Projeto Onças do Amapá

            A onça-pintada é símbolo da biodiversidade amazônica e representa a conexão entre passado, presente e futuro da floresta. A conservação da espécie é essencial para proteger culturas tradicionais e garantir serviços ambientais que sustentam a vida humana.

            Nesta etapa, os pesquisadores recolhem as câmeras instaladas na floresta. As imagens serão analisadas para a próxima fase do estudo.

            A expectativa é que os dados ajudem na criação de políticas públicas voltadas ao ecoturismo e ao desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais.

            *Por Mariana Ferreira, da Rede Amazônica AP