Os pesquisadores atuam na colheita, pós-colheita, quebra, transporte, fermentação, secagem e armazenamento de pelo menos 1.500 frutos por vez, para fazerem as análises
É na vazante e na cheia da maré que cresce o cacau de várzea ou cacau nativo. Diferente do cacau cultivado em terra firme, que é plantado de modo convencional, com irrigação e adubação, o cacau de várzea cresce na floresta, entre outras árvores, sem necessidade de aditivos químicos e adaptado ao regime das águas dos rios amazônicos. Essas características únicas tornam a amêndoa do cacau nativo um produto valioso, especialmente no mercado internacional de chocolates finos.
É pensando na criação de um protocolo que indique qual a melhor forma de fazer o beneficiamento das amêndoas do cacau nativo que pesquisadores da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) desenvolveram o projeto ‘Beneficiamento primário, propriedades físicas e químicas das amêndoas de cacau nativo (Theobroma cacao) e sistema informativo geográfico das ilhas de várzea’.
Cerca de 100 famílias de produtores de cacau de várzea em ilhas do município de Mocajuba, região do baixo Tocantins, no Pará, contribuem com a pesquisa. O trabalho é realizado com ribeirinhos da Ilha Tauaré, Ilha Angapijó, Ilha Costa da Santana e Ilha da Conceição.
Os pesquisadores atuam na colheita, pós-colheita, quebra, transporte, fermentação, secagem e armazenamento de pelo menos 1.500 frutos por vez, para fazerem as análises. Segundo os pesquisadores, todo o cacau produzido nas comunidades é vendido muito abaixo do preço de mercado, já que é produzido sem atender aos critérios de produção de amêndoas de qualidade e agregação de valor.
“Não há uma padronagem nesses processos, cada um faz de um jeito. Nós sabemos que é um produto bom, mas ainda não tem informação científica sobre isso. Por isso o projeto, nós estamos chegando num protocolo de beneficiamento e daí conseguimos fazer um guia que possa orientar os produtores nesse mercado”,
explica o pesquisador Francisco Sanches, integrante do projeto.
Os pesquisadores explicam que todos os aspectos ambientais da ilha influenciam no sabor da amêndoa. Por isso são analisadas também amostras de solo, água, fitoplâncton, fungos e vegetação.
A nutrição que vem do rio
“A maré deposita sedimentos no solo de várzea. Antes imaginávamos que a maior contribuição era da vegetação que cai e forma material orgânico. Mas o que estamos observando é que o material que vem em suspensão na água tem uma contribuição muito grande para o cacau. A água carrega macro e micronutrientes, ricos em cálcio, potássio, magnésio, ferro, zinco além de compostos orgânicos. São esses nutrientes que vão ser absorvidos pelas raízes do cacau, e nutrir cada planta e fruto de forma diferenciada”, explica a professora Socorro Progene, coordenadora do projeto.
Segundo a pesquisadora, a vegetação natural da floresta em equilíbrio filtra os contaminantes que porventura existirem. “Nós estamos analisando os fitoplâncton. Eles atuam como biorremediadores, ou seja, eles filtram o meio ambiente. Por isso precisamos preservar esses ecossistemas, eles são muito sensíveis a qualquer mudança natural ou antrópica que existirem”, explica.
Uma dessas mudanças já foi notada e impossibilitou a coleta na Ilha da Conceição, onde estão localizadas as ilhas de Santanhinha e Santo Antônio de Viseu. As safras do cacau nativo sofrem influência das variações climáticas, e a produção que estava prevista para a safra de novembro de 2023 não existiu, devido a prolongada estiagem.
“Com pouca chuva, elevada temperatura e o nível mais baixo dos rios amazônicos, a água não adentrava nos solos das florestas de várzeas para levar nutrientes. O cacau estava seco, os frutos pouco desenvolvidos. A dinâmica da vazante e lançante da maré alterou a produção dos frutos”,
diz.
O projeto está na fase sensorial, em que estão sendo avaliadas a qualidade das amêndoas, em quesitos como sabor, cheiro e textura. As análises são feitas no Laboratório de Análise Sensorial do Cacau (Labsenso), no Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá (PCT Guamá). No local, especialistas dão a nota de sabor para cada amêndoa e o que vai ressaltar em cada tipo de chocolate. “Com isso será possível identificar quais ilhas produzem sabores como os florais, ervas, frutados, terrosos entre outros. Com essa identificação é possível ter compradores que se interessam por sabores específicos no chocolate, o que agrega valor ao produto e à região”, explica a pesquisadora Catarina Sanches, engenheira florestal integrante do projeto.
Um sistema geográfico está sendo finalizado e alimentado com todos os dados e informações georreferenciadas produzidas no projeto. O mapeamento de toda a área inclui informações das ilhas e do cacau nativo, mas também dados sobre a quantidade de moradores, aspectos socioeconômicos, características físico-químicas do solo e da água e outras informações que possam melhorar a produtividade do cacau na região, trabalho que está sendo desenvolvido pelo pesquisador Marcelo Thales.
Os pesquisadores também elaboraram duas cartilhas, uma voltada aos produtores e que tem como tema o “Beneficiamento primário do cacau das ilhas de Mocajuba” e uma cartilha voltada para crianças, com o tema “Aventuras nas ilhas de Mocajuba descobrindo o cacau”, que traz ilustrações e informações lúdicas sobre o que é o cacau. Ambas as cartilhas foram elaborados pela engenheira agrônoma Victoria Gatti.
Mas os produtos não param por aí. Também estão sendo estudados pela equipe o que pode ser feito com a casca da amêndoa, ou seja, com o resíduo que é descartado após o processo de beneficiamento, o que geraria mais uma fonte de renda aos ribeirinhos. E com isso já estão testando a produção de cookies e brigadeiros.
“Nossa intenção é impulsionar a produção de amêndoas de qualidade, adequadas para o consumo e para a transformação em chocolate, ou em outros subprodutos, servindo de base para o processo de reconhecimento da indicação de procedência do cacau nativo do Baixo Tocantins, que é a região que concentra a maior área produtora de cacau de várzea do estado”, diz. A expectativa é também conseguir replicar a pesquisa nos municípios ao redor de Mocajuba.
Cerca de 30 pessoas integram a equipe do projeto. Além de alunos de Iniciação Científica (PIBIC), mestrandos e doutorandos, compõem a equipe os pesquisadores Maria do Perpétuo Socorro Progene Vilhena (Ufra); Adriene Mayra da Silva Soares (Ufra); Maria José de Sousa Trindade (Ufra); Michele Velasco Oliveira da Silva (Ufra); José Francisco Berredo (CCTE/Museu Paraense Emilio Goeldi); Marcelo Cordeiro Thales (UAS/Museu Paraense Emilio Goeldi); Nelson Rosa Ferreira (LabioTec/Universidade Federal do Pará-UFPA); Jesus Nazareno Silva de Sousa (CVACBA/Universidade Federal do Pará-Ufpa); Luciana Priscila Costa Macedo (Ufra); Francisco de Sousa Sanches Junior (Ufra); Catarina de Sousa Sanches (Ufra); Jhonata Eduard Farias de Oliveira (PPG-BAIP- Ufpa)
A pesquisa recebe financiamento da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) e com a interveniência da Fundação de Apoio à Pesquisa (Funape) e deve ser realizada até maio de 2025.