Japu-preto usa fibras de plástico para fazer seus ninhos no litoral do Pará

Pesquisa identificou os tipos, a composição química e a frequência de plásticos e corantes associados aos ninhos do pássaro.

Foto: Reprodução/Acervo da pesquisa

Diferentes espécies de animais habitam o litoral do estado do Pará, uma delas é o japu-preto (Psa­rocolius decumanus), ave de cor marrom-escura conhecida por sua cauda amarela e pelo bico branco amarelado, bem como por seus ninhos – elaborados e longos – suspensos em galhos de árvores. Normalmente, esse pássaro utiliza fibras naturais de folhas secas, raízes de orquídeas e/ou fungos rizomorfos alongados para a construção do seu refúgio.

No entanto o estudo ‘Blue nests: The use of plastics in the nests of the crested oropendola (Psarocolius decumanus) on the Brazilian Amazon coast‘, liderado pela mestra em Oceanografia e integrante do Laboratório de Oceanografia Biológica da Universidade Federal do Pará (LOB-UFPA), Adrielle Caroline Lopes, revelou que o japu-preto tem utilizado materiais sintéticos em seus ninhos, como fibras e cordas plásticas, tornando-os predominantemente azuis.

Dado o amplo impacto causado por resíduos plásticos no litoral brasileiro, muitas espécies de aves marinhas adotam comportamento semelhante ao do japu-preto. Em geral, os estudos sobre esta espécie limitam-se a listas de verificação e distribuição geográfica ou a alguns aspectos biológicos e ecológicos, como o mapeamento e a descrição de locais de nidificação. A pesquisa conduzida por Lopes inova ao identificar os tipos, a composição química e a frequência de plásticos e corantes associados aos ninhos de P. decumanus.

Por meio de busca ativa em três locais da costa paraense – a Praia do Maçarico e a Praia do Farol Velho, em Salinópolis, e a Ilha de Maiandeua, dentro da Área de Proteção Ambiental Algodoal-Maiandeua (município de Maracanã) -, foram coletados 36 ninhos abandonados, no período de setembro de 2022 a setembro de 2023. O material foi inspecionado em laboratório e, com o auxílio de um estereomicroscópio, separaram-se os resíduos plásticos da matéria orgânica.

Análise classificou plásticos por tipo e por cor

Os plásticos isolados foram classificados por tipo, de acordo com o Grupo Conjunto de Peritos sobre os Aspectos Científicos da Proteção Ambiental Marinha (Gesamp, na sigla em inglês), e por cor, conforme as diretrizes para o mo­nitoramento de plásticos em rios e lagos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês). Isso porque as aves marinhas escolhem materiais de nidificação principalmente com base na forma e na cor.

Os resultados evidenciaram que o japu-preto utiliza, de maneira generalizada, fibras de polietileno para a cons­trução do seu refúgio – provavelmente em decorrência da rigidez e potencial durabilidade desse material. A opção pelo plástico depende não apenas da abundância de detritos perto do ninho, mas também da disponibilidade de fibras naturais para a nidificação.

A pesquisa também analisou a composição química de 79 fibras presentes nos ninhos de P. decumanus a fim de avaliar a composição e a presença de potenciais contami­nantes químicos (corantes orgânicos). Foram identificadas seis substâncias: Cobalt Phthalocyanine (predominante em 66 fibras), Hostasol Green G-K, Irgazin Blue (Phthalo­cyanine), Indanthren Dark Blue, Copper Phthalocyanine e Sepisol Fast Blue. Esses aditivos são amplamente utilizados em aplicações industriais como corantes para plásticos, nylon, algodão e outros materiais.

Efeitos das substâncias em aves ainda são desconhecidos

À exceção do Irgazin Blue (Phthalocyanine), os demais componentes químicos são conhecidos pelo baixo grau de toxicidade em modelos animais, como roedores e microcrustáceos. Os efeitos em pássaros são desconhecidos, mas é possível estimar potenciais riscos à saúde das aves, como sensibilização respi­ratória, mutagenicidade em células germinativas e carcinogenicidade, além da possível transferência de contaminantes para os ovos e filhotes.

Ainda que não se possa generalizar os resultados do estudo, a predominância do Cobalt Phthalocya­nine nos ninhos de japu-preto levanta preocupações, uma vez que o corante é listado como perigoso pela Administração de Segurança e Saúde Ocupacional dos Estados Unidos da América (OSHA, na sigla em inglês).

Da mesma forma, é preciso mais estudos para atestar se os resíduos plásticos aumentam o risco de predação dos pássaros, dada a maior visibilidade dos ninhos.

Ninhos comuns de japu. Foto: Reprodução/Facebook-Museu da Amazônia

Sobre a pesquisa

O artigo ‘Blue nests: The use of plastics in the nests of the crested oropendola (Psarocolius decumanus) on the Brazilian Amazon coast’, publicado na Revista Marine Pollution Bulletin (2024), resulta da dissertação ‘Ninhos azuis: o uso de resíduos plásticos na nidificação de Psarocolius decumanus (Passeriformes icteridae) na costa amazônica, Brasil’.

O estudo foi desenvolvido por Adrielle Caroline Lopes, com orientação do professor José Eduardo Martinelli Filho, no Programa de Pós-Graduação em Oceanografia (PPGOC/UFPA), entre 2022 e 2024, com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Bolsa Capes nº 88887.687937/2022-00).

*O conteúdo foi originalmente publicado no Jornal Beira do Rio, edição 173, da UFPA, escrito por Thays Braga

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