Imagens de satélite na Amazônia podem ser usadas para punir desmatadores ilegais, aponta Imazon

Estudo inédito do Instituto aponta que jurisprudência criada a partir de ações do MPF dentro do Programa Amazônia Protege pode acelerar punições e mudar o rumo da impunidade.

Uma pesquisa inédita sobre o resultado das ações do Ministério Público Federal (MPF) dentro do Programa Amazônia Protege mostrou que a iniciativa motivou a criação de jurisprudência para punição de desmatadores ilegais com o uso da tecnologia. Essa confirmação da legalidade de provas obtidas remotamente, como imagens de satélites e dados públicos sobre terras, pode acelerar punições e mudar o rumo da impunidade na região. Medida ainda mais relevante diante do atual cenário de crescimento dos crimes ambientais e da violência.

Realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o estudo analisou os resultados dos processos encaminhados entre 2017 e 2020 dentro do Amazônia Protege. O programa foi criado pelo MPF para responsabilizar os desmatadores ilegais por meio de ações civis públicas (ACPs) que tinham como a principal inovação o uso de provas obtidas de forma remota, sem a necessidade de vistoria em campo.

Sequência de imagens de satélite mostra avanço do desmatamento entre março e abril de 2022 em área do município de Paranatinga, em Mato Grosso. Foto: Reprodução/SAD Imazon)

Nesse período, os pesquisadores levantaram 3.561 processos movidos pelo órgão nos nove estados que compõem a Amazônia Legal. Esses processos têm o objetivo de responsabilizar desmatadores ilegais pela derrubada de 231.456 hectares de floresta, com pedidos de indenizações que somam R$ 3,7 bilhões.

Conforme a pesquisa, das mais de 3 mil ações, 650 (18%) tinham sentença em primeira instância até outubro de 2020. E, entre essas ações, 440 (67%) tiveram recursos. Os pesquisadores analisaram, então, todas essas decisões em primeiro grau e o que ocorreu nos casos em que as instâncias superiores foram acionadas.

Em primeira instância, apenas 8% das ações puniram desmatadores

A conclusão foi de que, em primeira instância, a grande maioria dos processos, 506 casos (78%), foi extinta “sem resolução do mérito”. Ou seja, os juízes entenderam que o MPF não apresentou elementos suficientes para a tramitação das ações. A segunda maior fatia, de 80 casos (12%), correspondeu aos processos em que os magistrados determinaram o envio para julgamento da Justiça Estadual.

Em apenas 51 casos (8%) houve a condenação do réu, quando os juízes consideraram procedentes um ou mais pedidos do MPF, além de uma ação onde houve a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Os outros 13 casos (2%) foram de sentenças improcedentes, em que os juízes negaram todos os pedidos do MPF.

Foto: Reprodução/Imazon

Jurisprudência favorável ao uso da tecnologia

Nos julgamentos dos recursos, porém, o estudo identificou que as instâncias superiores foram favoráveis a uma série de inovações jurídicas que podem mudar o rumo da impunidade. A mais relevante foi a aceitação da condenação dos réus com base nas provas obtidas remotamente. As decisões de segunda instância e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçam que esse tipo de prova é considerado idôneo e de precisão superior para aferir a área desmatada.

“A inovação do MPF em usar dados remotos que comprovam o dano ambiental já possui jurisprudência favorável do STJ. A expectativa, agora, é que esse entendimento seja adotado de forma mais célere nas decisões em primeira instância para que mais processos resultem em condenação e na obrigação de pagamento de indenização pelo dano ambiental causado à toda sociedade com o desmatamento da floresta Amazônica”, 

afirma Jeferson Almeida, pesquisador do Imazon.

Ações com réu incerto podem ajudar a combater grilagem

Outra jurisprudência importante obtida nos recursos foi a aceitação de ações com réu incerto. Prevista no Código de Processo Civil (CPC), a medida permite abrir ações para responsabilização pelo desmatamento ilegal mesmo quando não é possível identificar os responsáveis pela área, além de tornar pública a busca judicial por eles. Nesse caso, solicita-se ao juiz a publicação de um edital para tentar localizá-los.

Com essas ações, é possível obter o embargo da área e a determinação judicial para apreender, retirar e destruir maquinários usados para o desmatamento ou que estejam impedindo a regeneração da floresta.

“Embora todas ações contra réus incertos tenham resultado em sentenças de primeira instância que extinguiram os processos, a tendência é que isso seja revertido nos julgamentos dos recursos agora que há jurisprudência favorável do STJ. O ideal é que o Judiciário determine o bloqueio dessas áreas que estão sendo desmatadas sem um CPF identificando o desmatador, para que qualquer tentativa de utilizá-la economicamente no futuro seja acompanhada da obrigação de reparar o dano ambiental. Assim, se aparecer alguém solicitando Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou título de terra nesses territórios, os órgãos governamentais já poderão cobrar a reparação ambiental dos requerentes. Afinal, a obrigação de reparar o dano fica vinculada à terra, conforme entendimento do STJ “, explica Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.

Pagamento de indenizações ainda é um desafio

Durante o período analisado, de 2017 a 2020, apenas duas das 51 ações que resultaram em condenação com indenizações foram efetivamente pagas, que somaram R$ 42 mil. Outras condenações ainda aguardam a fase de cumprimento de sentença ou julgamento de recursos.

Além disso, a pesquisa mostrou que os magistrados reduziram os valores pedidos pelo MPF para indenização por danos materiais e morais ambientais. No caso do dano ambiental material, o valor médio pedido foi de R$ 10.843,00 por hectare desmatado, mas os magistrados determinaram o pagamento de em média R$ 5.209,00, menos da metade. Já em relação ao dano ambiental moral, as indenizações pedidas foram de R$ 5.306,90 por hectare, mas os juízes definiram em média R$ 2.277,43.

“A redução dos valores de indenizações por desmatamento ilegal mostram a necessidade de mais discussão técnica com o poder Judiciário para quantificar o dano ambiental, mesmo que o MPF tenha apresentado uma nota técnica feita com o Ibama sobre a metodologia de cálculo. Vemos que é uma demanda na qual o Conselho Nacional de Justiça poderia ter um papel, de ajudar a definir parâmetros técnicos para essas decisões”, 

sugere Jeferson.

Atualizações no MPF e no Judiciário podem agilizar as punições

As ações que chegaram a recursos no STJ tramitaram por 2,9 anos e algumas ainda seguirão tramitação de volta à primeira instância. Por isso, os pesquisadores recomendam que o MPF passe a solicitar sanções de aplicação imediata, que podem ser determinadas pelos juízes no início do processo. São elas: a suspensão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel onde ocorreu o desmatamento, a restrição de acesso à crédito para atividades no imóvel, a suspensão da emissão de Guia de Trânsito Animal (GTA) e a suspensão de processos de regularização fundiária incidentes na área desmatada até o comprometimento da recuperação do dano ambiental.

Já em relação ao Judiciário, os autores do estudo recomendam a realização de treinamentos sobre responsabilização ambiental e jurisprudências mais recentes sobre o tema, como a validade do uso de provas obtidas de forma remota.

Este é o primeiro estudo de um projeto do Imazon que visa avaliar o desempenho do Judiciário na punição a desmatamentos na Amazônia a partir da análise do programa Amazônia Protege. Os próximos estudos previstos visam entender os motivos para a demora na obtenção de sentenças na maioria dos processos do programa, além de atualizar o levantamento de novos casos com decisões.

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