Desmatamento, degradação, exploração: pesquisador aponta quais são as principais ameaças para a Floresta Amazônica

O Portal Amazônia conversou com o doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan e pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip Fearnside, para entender o cenário atual.

Perder áreas florestais também implica em grandes perdas de biodiversidade. Além das perdas utilitárias, também há a de valor intrínseco: junto com a floresta, no caso da Amazônia, perde-se povos indígenas, violando seus direitos e menosprezando sua cultura e seu conhecimento.

Mas, afinal, quais são as maiores ameaças que esse bioma tem sofrido?

O Portal Amazônia conversou com o doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan e pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip Fearnside, para entender o cenário atual.

“Embora a destruição destacada hoje esteja em focos de desmatamento, como Apuí, Matupi, Boca do Acre e Novo Progresso [municípios amazônidas], a ameaça maior é a abertura de novas áreas de floresta com estradas planejadas, como a BR-319 e a AM-366. Esta última, que está ligada à BR-319 em todos os sentidos, daria acesso para entrada de grileiros, madeireiros, sem-terras e outros na vasta área na parte oeste do Estado do Amazonas. Tipos de ameaças que seguem a abertura dessas áreas incluem desmatamento, degradação por exploração madeireira e incêndios florestais (que são facilitadas pelos impactos da exploração madeireira, por mudança climática, e também pelo espalhamento de queimadas feitos no desmatamento e na manutenção de pastagens)”,

afirma o pesquisador.

De acordo com o Terrabrasilis, plataforma de dados geográficos criada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os avisos de desmatamento estão em 8.545,6 km². 

Somente no mês de junho de 2022, o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), detectou 926 km² de desmatamento na Amazônia Legal, um aumento de 10% em relação a junho de 2020, quando o desmatamento somou 842 quilômetros quadrados.

Quando falamos de degradação, o Terrabrasilis registrou 8.904,54 km² somente no mês de junho desse ano. 

Foto: Reprodução/Imazon

Consequências das ameaças

De acordo com Fearnside, o desmatamento e a degradação por exploração madeireira e incêndios, junto com mudança climática, pode levar ao colapso da floresta remanescente. Isto teria consequências gravíssimas para o Brasil, inclusive para a manutenção da cidade de São Paulo, que depende de água reciclada pela floresta e transportada para o Sudeste pelos “rios voadores”.

No âmbito mundial, a perda de floresta também faria uma contribuição crítica ao agravamento do aquecimento global e poderia ser um fator chave em provocar a passagem de um ponto de não retorno climático, levando ao aquecimento global fora do controle humano.

“A manutenção da floresta amazônica é de importância vital para o Brasil, pois sem os serviços ambientais dessa floresta, ameaça até a cidade de São Paulo. Em 2014, São Paulo quase ficou sem água até para beber e em 2021 aquela região também sofreu uma grande seca. O novo padrão de secas no Sudeste brasileiro, que está ligado ao aquecimento global, diminui a margem de tolerância para perda da água suprida pelos ventos conhecidos como “rios voadores”, que transportam água que foi reciclada pelas árvores da Amazônia. A perda dessa água também implicaria em grandes perdas para a agricultura brasileira”, 

contextualiza.

O pesquisador lembra que a floresta também estoca grandes quantidades de carbono e, se isto for lançado na atmosfera, seria uma contribuição substancial ao efeito estufa. O aquecimento global é um problema para o mundo inteiro, destaca Fearnside, e o Brasil é um dos países que tem mais para perder ser o aquecimento for permitido a avançar sem controle.

Foto: Filipe Frazao/Shutterstock

Medidas de prevenção

O pesquisador aponta que é necessária uma grande mudança na tomada de decisões sobre grandes obras, desistindo, inclusive, de obras com enormes impactos potenciais, como é o caso da BR-319 e AM-366. Para ele “precisa reconstruir” os órgãos ambientais e indígenas que “foram desmontados no atual governo”. 

Ele salienta ainda sobre a enxurrada de projetos de lei e de emendas constitucionais que “acabam com o licenciamento ambiental, favorecem grilagem, abrem terras indígenas, dificultam a criação de unidades de conservação e terras indígenas, rebaixam a proteção de áreas protegidas, etc”.

“A primeira prioridade é de reconstruir IBAMA, ICMBio e FUNAI, que foram desmantelados nos últimos anos, colocando lideranças comprometidos com o enfrentamento dos problemas ambientais, repondo e aumentando o quadro de servidores, dando orçamento adequado, e revogando a enorme “boiada” de normas internas instituídas para inibir a sua atuação e eficacidade. Também precisa bloquear os muitos projetos de lei pendentes que visam mudanças como abrir terras indígenas para mineração, barragens e agronegócio, impedir criação de terras indígenas e unidades de conservação, rebaixar ou reduzir unidades de conservação, facilitar legalização de terras griladas, diminuir ou eliminar exigências de licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura, etc. Precisa uma mudança completa do discurso do Presidente e de outros governantes, parando de passar a mensagem de que a violação de leis e normas ambientais vai ser anistiada, assim encorajando invasão de terras indígenas, exploração ilegal de madeira e ouro, apropriação ilegal de terras públicas, etc. 

justifica Phillip Fearnside.

“Precisa cortar subsídios para pecuária e outras atividades que cortam ou degradam a floresta. Precisa investir em várias áreas, como a defesa de áreas protegidas, apoio às populações tradicionais e pesquisa na área ambiental, Precisa abrir caminhos para ajuda internacional, revertendo a triste história do governo brasileiro ter violado os termos acordados do Fundo Amazônia, ter afastada a iniciativa Leaf, etc. Há bastante oportunidade para isto, desde que tenha mecanismos para garantir que o dinheiro é usado para ações que protegem a floresta de fato e não como uma simples doação ao orçamento do governo. No próprio orçamento do governo o meio ambiente precisa ter prioridade, e não continuar sendo uma coisa que vem praticamente no final da fila”, completa.

Além disso, é preciso controlar o aquecimento global, pois a mudança climática já tem afetado a floresta por meio do aumento da frequência de grandes secas e consequentes incêndios florestais. Com as mudanças previstas, sem uma rápida redução das emissões de gases ao nível global, a floresta pode acabar sem ser derrubada propositalmente com motosserras.

O pesquisador defende que o Brasil tem um papel importante nisto devido à contribuição do desmatamento e degradação da floresta amazônica à emissão planetária atual, e ainda mais ao potencial para grandes emissões futuras se a floresta remanescente começar a desabar. “Discursos e promessas nas reuniões internacionais não substituem por ações concretas para parar a destruição da floresta”, alega.

Amazônia Que Eu Quero

A plataforma ‘Amazônia Que Eu Quero‘ realiza, no dia 30 de junho, o quinto e último fórum da temporada, dessa vez com a temática ‘Florestas’. O evento acontece às 20h (hora Manaus/AM) e será transmitido simultaneamente no perfil da Fundação Rede Amazônica no Youtube, no canal de TV Amazon Sat e no Portal Amazônia. O evento faz parte da série de cinco fóruns previstos para a edição ‘Caminhos da democracia’ em 2022.

Assuntos como gestão e concessão de florestas, desmatamento e mercado de carbono serão discutidos por especialistas de toda região norte do país, como o professor e doutor Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (INPA); o Secretário de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (SEMA), Eduardo Taveira; a representante do Conselho Nacional da População Extrativistas (CNS), de Porto Velho em Rondônia, Dione Torquato; e a diretora-executiva do do Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon), Ritaumaria Pereira, no Pará.

Após o evento, o comitê formado por especialistas, professores e representantes de órgão ambientais, apresentará soluções e propostas sobre os assuntos abordados no fórum. Essas propostas serão incluídas em um caderno com todas as propostas dos cinco fóruns – Infraestrutura, Energia Limpa, Modelo Econômico na Amazônia, Empreendedorismo e Florestas – que será entregue em setembro de 2022 aos parlamentares.

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