Banzeiro da Esperança na COP30: Encontro entre ciência e medicina ancestral é necessária para proteger conhecimento tradicional

Extratos naturais da medicina ancestral. Foto: Fernanda Soares/Rede Amazônica

A Amazônia é uma das maiores farmácias naturais do mundo, já que muito antes da criação de qualquer laboratório, os povos originários preparavam e ensinavam o uso de plantas para aliviar dores, tratar inflamações, combater infecções e enfrentar diversos problemas de saúde.

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Marta Chagas Monteiro, professora do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenadora do projeto INCT PROBIAN Amazônia, explica que o uso das plantas na medicina ancestral dos povos originários já é algo documentado e amplamente praticado há séculos.

Esse conhecimento constitui um saber que hoje orienta e dialoga com pesquisas científicas que reforçam a importância de valorizar e proteger o conhecimento tradicional.

Para quem nasce na Amazônia, o uso de óleos, extratos e infusões naturais faz parte da rotina como ir ao mercado. No entanto, para estrangeiros e visitantes, essas práticas são vistas como exóticas ou até mesmo como lendas e reforçam a importância de valorizar e certificar esses usos. 

“Eu sou daqui e venho de uma comunidade que se utilizava de produtos naturais. Então, para mim é um orgulho trazer esse saber e unir com a ciência para ver até que ponto, na verdade, de uma certa forma, esses saberes são comprovados cientificamente”, comentou Monteiro. 

Coleta do murumuru, por exemplo, também garante a renda de diversos lares. Foto: Pedro Devani/Secom AC

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O reconhecimento desse saber ancestral exige não apenas validação científica, mas também processos legais que garantem os direitos das comunidades.

Por isso, o INCT PROBIAN mantém uma advogada especializada em comunidades tradicionais, responsável por mediar e formalizar o processo de utilização do conhecimento e da repartição justa desses benefícios.

Segundo a professora, é preciso ter muito cuidado com os interesses que existem por trás desses conhecimentos, já que muitas vezes as indústrias farmacêuticas e de cosméticos nem sempre possuem a percepção de que esse saber vem de uma comunidade tradicional.

A ciência e o potencial das plantas

Nem toda descoberta científica parte de um saber ancestral, embora muitas delas tenham essa origem. Dessa forma, os estudos desenvolvidos pelas equipes da UFPA e de instituições parceiras, como o Museu Emílio Goeldi e o Instituto Evandro Chagas, combinam a relação entre a ciência e os saberes tradicionais com trabalho de campo e análises laboratoriais. 

Em alguns casos, a pesquisa começa diretamente com o saber ancestral, já em outros casos, começa do zero, por meio de mapeamentos e screenings, testes iniciais que avaliam se um extrato ou óleo apresenta atividade contra bactérias, fungos, vírus ou processos inflamatórios

“Você pode fazer esses screenings baseados, muitas vezes, na característica daquele extrato, daquele óleo. Aí você direciona para uma determinada doença que você imagina, que você tenha essa percepção que possa ter atividade, ou que possa desenvolver uma melhora clínica”, explica a professora. 

Assim, de acordo com Monteiro, o processo começa com a identificação de componentes e, baseado neles, avalia-se a possibilidade de ter atividade antimicrobiana, antiparasitária e imunológica. Em alguns casos, a ciência apenas comprova aquilo que as comunidades tradicionais já sabem instintivamente, como com a andiroba e a copaíba.

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Andiroba, remédio ancestral, em comércio do Amazonas. Foto: Heloise Bastos/Portal Amazônia

Além disso, o processo de utilização do conhecimento ancestral diz que:

  • Toda pesquisa que utiliza saber comunitário precisa indicar a origem.
  • Sistemas, como o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (Sisgen), exigem o cadastro das informações genéticas acessadas e o reconhecimento das comunidades envolvidas.
  • Qualquer benefício gerado – comercial, tecnológico ou intelectual -, precisa ser repartido.

A comprovação científica exige etapas rigorosas, já que antes de um fitoterápico chegar até as pessoas, ele precisa passar por testes de toxicidade, estudos pré-clínicos, desenvolvimento farmacêutico, formulação adequada e avaliação e autorização da Anvisa.  

Proteção do saber ancestral

As diversas propriedades das plantas amazônicas foram estudadas e patenteadas por pesquisadores estrangeiros, muitas vezes sem reconhecimento da origem do conhecimento. Mas, segundo a legislação brasileira, nenhum recurso natural que constitui o conhecimento popular ancestral pode ser patenteado, nem planta, nem extrato e nem óleo.

O que eu posso patentear são as atividades que aquele extrato apresentou, mas não posso patentear os princípios ativos, porque aquilo é intrínseco da planta. A não ser que você faça uma modificação química naquele constituinte, mas aqui no Brasil não há possibilidade de patente de produtos que venham da natureza. Eu não posso patentear uma bactéria, porque ela é fonte desse bioma, então, o que nós patenteamos? O uso”, esclarece Marta. 

Ou seja, o que pode ser patenteado é o uso descoberto pela pesquisa científica, ou uma formulação farmacêutica desenvolvida a partir dele. Isso significa que uma pomada, um comprimido ou uma modificação química inédita pode receber patente, mas a planta, os óleos e os extratos em si, não.

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Marta explica também que em vários países, como o Japão, patentes desse tipo são permitidas e por isso algumas patentes estrangeiras já foram revertidas após a comprovação que o conhecimento ancestral vinha de comunidades tradicionais.

“Algumas patentes de fora já foram revertidas para a nossa legislação. Porque eles foram, patentearam, e nós provamos que eram produtos provenientes da Amazônia e dos biomas daqui do Brasil, e por isso foi possível reverter”.

Por fatores como esse, ferramentas como o Sisgen e novas exigências legais buscam assegurar que as comunidades tradicionais recebam o reconhecimento e a repartição justa dos benefícios quando seus conhecimentos ancestrais forem utilizados em pesquisas e produtos.

Especial COP30

A entrevista com a coordenadora do projeto INCT PROBIAN Amazônia, Marta Monteiro, faz parte de uma sequência especial dedicada à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – Conferência das Partes (COP30) do programa ‘Bate-papo na CBN’, da rádio CBN Amazônia Belém (102,3 FM ).

Com o olhar de quem vive na região, o programa reuniu informações e entrevistas sobre toda a movimentação da 30ª edição do encontro mundial realizado em Belém (PA), realizado entre os dias 10 e 22 de novembro. 

🌱💻 Saiba mais sobre a COP30 aqui

Bate papo CBN especial sobre conhecimento ancestral e ciência
Foto: Reprodução/Youtube-CBN Amazônia

Além da ciência e do conhecimento ancestral, o especial também debateu a diversificação da matriz energética mundial, que segue ainda altamente dependente de combustíveis fósseis nocivos ao meio ambiente.

O doutor em engenharia elétrica e membro do Centro Excelência em Eficiência Energética da Amazônia (Ceamazon), Bruno Albuquerque, explicou o que e quais são os benefícios das fontes de energia renovável, os desafios de cada tecnologia e a importância de combinar diferentes tipos de fontes para melhorar o sistema energético.

O professor também comentou as pesquisas desenvolvidas pelo Ceamazon envolvendo microredes, mobilidade elétrica e soluções energéticas para comunidades isoladas.

Com oito episódios, os programas da rádio, apresentados pela jornalista Brenda Freitas, também ganharam versões especiais no canal Amazon Sat e no Portal Amazônia.

Assista as entrevistas completas no primeiro episódio da edição especial do programa:

Banzeiro da Esperança

A iniciativa Banzeiro da Esperança é uma parceria entre Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Fundação Rede Amazônica (FRAM) e Virada Sustentável, com patrocínio do Banco da Amazônia (BASA). Esta edição do Banzeiro da Esperança é uma jornada de conexão, troca de saberes e transformação com foco na COP30.


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