Por Olimpio Guarany, jornalista, documentarista e professor universitário
A cada batida do tambor da ciência, a floresta responde com um eco ancestral.
No coração da Amazônia, há séculos, folhas, raízes e resinas curam antes mesmo que existisse a palavra “medicamento”. Hoje, com o avanço das pesquisas, o mundo começa a ouvir essa voz verde — mas ainda não compreende sua profundidade.
No episódio dessa semana do programa Amazônia em Pauta, mergulhamos nesse universo com o professor e cientista José Carlos Tavares, referência internacional na pesquisa de biofármacos amazônicos. O tema foi direto ao ponto: como transformar o imenso patrimônio medicinal da floresta em conhecimento científico, saúde pública e desenvolvimento sustentável — sem repetir os erros da exploração predatória.
A floresta como farmácia viva
Durante a conversa, o professor Tavares nos mostrou que a Amazônia é mais do que paisagem. Ela é laboratório e farmácia ao mesmo tempo. Em sua trajetória como pesquisador e coordenador de redes internacionais de fitoterápicos e nanotecnologia, ele reuniu evidências que comprovam a eficácia de princípios ativos extraídos de espécies nativas.
Mas o desafio vai além da ciência: é também político e social. Como garantir que o conhecimento tradicional dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos seja respeitado e valorizado nesse processo? Como evitar que a bioprospecção se transforme em biopirataria?
Conhecimento tradicional e ciência de ponta
O diálogo entre saberes é a chave. Tavares defende um modelo que una tecnologia, universidades e comunidades locais. A ciência precisa deixar de olhar a floresta apenas como “matéria-prima” e reconhecê-la como inteligência ecológica. Nesse ponto, ele é claro: “A Amazônia não precisa de salvadores, precisa de aliados”.
Projetos que envolvem cooperativas, arranjos produtivos e formação científica local já mostram resultados promissores. Mas é preciso escala, políticas públicas e, sobretudo, vontade política para tirar o debate da retórica e transformá-lo em investimento.
Amazônia, soberania e saúde global
Além da riqueza biológica, a Amazônia representa uma fronteira estratégica para o Brasil: na geopolítica da saúde, no enfrentamento de pandemias e no futuro dos biofármacos. Ao mesmo tempo, a soberania sobre esses recursos está em risco diante de interesses internacionais e da fragilidade regulatória.
José Carlos Tavares faz um alerta: sem uma política séria de repartição de benefícios, sem marcos legais robustos e sem protagonismo amazônida, o potencial medicinal da floresta pode acabar exportado — como tantos outros bens da região.
O futuro é curativo
O episódio deixou claro: proteger a Amazônia não é apenas um gesto ambiental. É um ato de cuidado com o presente e com o futuro da vida no planeta.
Transformar folhas em ciência, raízes em tratamento e saberes em políticas públicas é uma das missões mais nobres que a floresta nos entrega. E, talvez, a mais urgente.
Na Amazônia, curar não é só tratar doenças. É reconhecer a floresta como sujeito — e não como recurso.
Acompanhe o programa “Amazônia em Pauta” todas as terças, às 21h, na TV Amazon Sat e no canal YouTube/
oguarany.
Este texto faz parte da série de artigos que compõem o livro ‘Amazônia em Pauta: Diálogos sobre o Clima e o Futuro da Vida’, em produção.
Sobre o autor
Olimpio Guarany é jornalista, documentarista, economista e professor universitário. Realizou a expedição histórica, navegando o rio Amazonas, desde a foz até o rio Napo (Peru) por onde atingiu o sopé da cordilheira dos Andes e depois subiu a Quito, Equador (2020-2022), refazendo a saga de Pedro Teixeira, o conquistador da Amazônia (1637-1639).
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