Grilagem de terras tem dizimado diversas áreas verdes na Amazônia. Foto: Marizila Cruppe/Greenpeace
A grilagem de terras é uma prática recorrente no Brasil e envolve a apropriação irregular de áreas públicas por particulares, utilizando mecanismos que buscam dar aparência de legalidade a ocupações ilegais.
O tema está diretamente ligado à organização fundiária do país, à destinação de terras públicas e ao uso de recursos naturais, especialmente em regiões com grande extensão territorial e histórico de conflitos agrários.
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De acordo com a legislação brasileira, existem situações em que a ocupação de uma terra pode gerar direito à propriedade. Isso ocorre quando uma pessoa ocupa de forma pacífica uma área pública sem destinação definida, conhecida como terra devoluta, e utiliza o espaço para produção. Nesses casos, a lei prevê a possibilidade de regularização fundiária. No entanto, esse entendimento não se aplica a áreas que já possuem destinação específica definida pelo poder público.
Em entrevista ao Portal Amazônia, a socioambientalista Muriel Saragoussi explica que é justamente nessa diferença que se estabelece a grilagem de terras.
“No Brasil, o que a legislação prevê é que uma pessoa que está ocupando uma terra de forma pacífica e que está utilizando a terra para produção pode ter direito à propriedade dessa terra se ela pertence à União, ao Estado ou se é uma terra devoluta, ou seja, que ainda não teve uma destinação definida”, explica.
Ela esclarece: “a grilagem de terras é quando uma pessoa se instala numa terra pública que tem destinação, por exemplo, terras indígenas ou unidades de conservação, e busca titular essa terra como se fosse uma terra devoluta, como se essa terra não tivesse destinação anteriormente definida”.
Para alcançar esse objetivo, a grilagem de terras envolve o uso de fraudes documentais. De acordo com a socioambientalista, uma das práticas mais conhecidas é a falsificação de documentos de propriedade. “Muitas vezes, os grileiros se utilizam de falcatruas para tentar justificar o pedido de titulação. Por exemplo, eles forjam documentos de titulação da terra, documentos antigos”, relata.
A origem do termo ‘grilagem de terras’ está ligada a esse tipo de fraude. “A palavra grilagem vem de pegar documentos que foram feitos recentemente e colocá-los numa gaveta com grilos e outros insetos, que vão dar uma aparência envelhecida ao documento”, explica Muriel que também foi secretária nacional de Coordenação de Políticas Públicas para a Amazônia do Ministério do Meio Ambiente.
Segundo ela, “os grilos roem pedacinhos do papel, e a urina e os dejetos amarelecem o documento, dando a impressão de que ele é muito antigo, quando na verdade foi forjado há pouco tempo”.
Além desse método, a grilagem de terras também pode envolver fraudes em registros oficiais. “Outra prática é forjar documentos em livros de terra de cartórios, de forma fraudulenta”, afirma a socioambientalista e doutora em fisiologia vegetal. Essas ações buscam criar uma cadeia documental que sustente a falsa ideia de posse ou propriedade legítima.
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Muriel Saragoussi, que também foi diretora do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), resume a prática como uma apropriação indevida de bens públicos: “a grilagem é a ocupação de terras que são públicas e a apropriação dessas terras por pessoas que não têm direito a elas, nem por possuírem título, nem por terem uma ocupação antiga, e porque essas terras já têm outra destinação”.
Segundo ela, trata-se de uma transferência irregular do que é coletivo para o privado. “Isso é uma apropriação privada de um bem público, daquilo que é de todos”, destacou.
Consequências socioeconômicas da grilagem de terras

As consequências da grilagem de terras também geram impactos financeiros ao Estado. De acordo com Muriel, quando o poder público atua para retirar ocupantes ilegais dessas áreas, podem surgir disputas judiciais.
“Se depois o governo vai tirar esse ocupante ilegal da terra, ele pode querer uma indenização. Então, aquilo que é público, que foi tomado de forma ilegal, ainda pode gerar gasto de dinheiro público para pagar indenizações ao grileiro, se não houver denúncia e apuração correta”, explica Saragoussi
Outro ponto destacado pela socioambientalista é a exploração de recursos naturais em áreas griladas: “muitas vezes, nas terras griladas, os grileiros se apropriam dos recursos naturais, seja madeira, seja outros produtos do extrativismo, incluindo o subsolo, como mineração ou garimpagem”.
Essa exploração representa um prejuízo coletivo, segundo a especialista, pois os benefícios ficam concentrados em quem realizou a ocupação ilegal.
A grilagem de terras também se sustenta por meio da criação de cadeias dominiais artificiais. “Os grileiros buscam criar novas cadeias dominiais. Eles vendem essas terras a segundos, que vendem a terceiros, que vendem a outros, para que a pessoa que inicialmente grilou a terra fique perdida nesses papéis”, explica Muriel. Esse processo dá a impressão de legalidade e dificulta a identificação da origem ilegal da ocupação.

Além disso, mais recentemente, a grilagem de terras também passou a aparecer associada a novas atividades econômicas. “Essa história de crédito de carbono é uma coisa recente. Pessoas que dizem ser donas de áreas apresentam essas áreas como garantia para vender crédito de carbono e recebem dinheiro para manter a floresta em pé”, relata a socioambientalista.
No entanto, ela ressalta que esse não é o principal objetivo da prática. “O grande negócio da grilagem de terra não é o crédito de carbono, é a apropriação dos recursos naturais e depois a venda dessas terras”, conclui.
