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Jatobá: conheça os benefícios da planta amazônica utilizada no tratamento de várias doenças

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Árvore considerada sagrada por etnias indígenas, tem diversas propriedades medicinais

A floresta amazônica é detentora de inúmeros frutos e plantas medicinais, utilizados por populações nativas desde tempos imemoriáveis. Dentre estes estão a copaíba, andiroba, boldo e diversos outros popularmente conhecidos. E, entre estes, o jatobá (Hymenaea courbaril) é um dos que fazem parte da gama de plantas que estão relacionadas à saúde. 

A árvore chega até 40 metros de altura e, além da floresta amazônica, está presente no Cerrado e na Mata Atlântica. Em tradução livre, do tupi, o nome jatobá significa ‘árvore de frutos duros’. 

Muitos povos indígenas acreditavam no poder místico desta planta, sendo utilizada tanto para práticas meditativas quanto como erva de poder medicinal. 

Leia também: Conheça as propriedades medicinais de cinco plantas encontradas na Vila de Paricatuba

Foto: Mauro Guanandi/SIMA

O jatobá tem propriedades medicinais tanto em seus frutos quanto em sua casca. Diversos nutrientes benéficos à saúde estão presentes em sua composição, como vitamina C, cálcio, ferro, fósforo, magnésio e potássio.

Justamente por conta destas características, o jatobá tem ação expectorante, antioxidante, fortificante, antibacteriana e antidepressiva. E pode ser consumido in natura – ou seja, comendo-se diretamente o fruto -, como chá, geleia, xarope ou pasta.

De acordo com as informações do livro ‘Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil’, do pesquisador Valdely Kinupp, “a casca do tronco é amplamente utilizada na Amazônia por suas propriedades mediciais, especialmente para problemas respiratórios e urinários”. 

Outros usos

O chá proveniente da casca do jatobá auxilia no tratamento de infecções urinárias por conta de sua ação diurética. Já o chá produzido a partir de seus frutos auxilia no combate de problemas estomacais, úlceras e gastrites.

O consumo direto do fruto, por sua vez, pode ser utilizado para o tratamento de dores abdominais, no peito ou costas. E o xarope produzido a partir da planta é popularmente usado por sua ação expectorante, auxiliando no tratamento contra gripes, resfriado, bronquite, pneumonia e asma.

Conheça mais sobre a planta:

Zona Franca de Manaus se beneficia de isenção de tributo para cargas do Norte e Nordeste

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Projeto de lei em tramitação no Senado estende até 2031 a isenção do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante para mercadorias que tenham portos dessas regiões como origem ou destino

Afetadas pelo aumento do custo logístico devido à seca histórica que atingiu o Amazonas, as empresas da Zona Franca de Manaus (ZFM) vão se beneficiar do projeto de lei (PL) que prorroga até 2031 a isenção do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). A avaliação é de Emmanuel Monteiro, mestre em transportes pela Universidade de Brasília (UnB). 

“A toda mercadoria que transita nos portos brasileiros aplica-se esse percentual, que serve para composição do fundo da renovação da frota, salvo quando ela transita com origem ou destino aos portos das regiões Norte e Nordeste. A Zona Franca de Manaus é uma das regiões mais beneficiadas e, de forma indireta, o país como um todo”, diz Monteiro.

Foto: Reprodução/Grupo Chibatão

A proposta – já aprovada na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado – estende por mais 4 anos a não incidência do AFRMM sobre as mercadorias que tenham como origem ou destino portos localizados nas regiões Norte e Nordeste do país. 

O AFRMM é um tributo pago pelas empresas que utilizam os portos brasileiros para o transporte de mercadorias em operações internacionais. A taxa incide sobre o valor do frete e, por isso, encarece ainda mais o preço ao consumidor final. 

Relator ad hoc do projeto de lei na Comissão de Serviços de Infraestrutura, o senador Lucas Barreto (PSD-AP) destaca que os estados do Norte e Nordeste tradicionalmente sofrem com custos logísticos maiores devido a seu afastamento geográfico dos pontos de maior oferta e demanda de diversos produtos, além das dificuldades estruturais. Por isso, defende a continuidade da isenção do AFRMM. 

“Continua como estava, que era o incentivo, porque Norte e Nordeste têm estados pobres demais. Tem empresas brasileiras no Norte e Nordeste. E o custo de viagem, porque a distância é muito maior. Você entra no Rio Amazonas, são 2.000 quilômetros. Como que faz? É o custo do risco ambiental. Já que todo mundo protege a Amazônia, a gente não pode proteger quem está lá?”, indagou. 

Tramitação 

O projeto de lei que amplia o benefício é de autoria do deputado Júnior Ferrari (PSD-PA). A redação inicial estendia a isenção de 8 de janeiro de 2022 para 8 de janeiro de 2027. No dia 7 de janeiro de 2022, porém, entrou em vigor o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem (Lei nº 14.301/2022). 

Conhecida como BR do Mar, a lei já prorrogava a isenção do adicional ao AFRMM para cargas provenientes ou com destino aos portos do Norte e do Nordeste pelo mesmo período do PL – razão pela qual a proposta perdia o sentido. 

No entanto, mesmo assim o PL foi aprovado pelos deputados, e seguiu para o Senado. Na Comissão de Serviços de Infraestrutura, o relator da matéria apresentou uma emenda que estende a isenção até 31 de dezembro de 2031. O parecer foi aprovado e agora será analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). 

Fonte: Brasil 61

Qual a influência do Xamanismo nas culturas dos povos originários da Amazônia?

Arqueólogos definem antigas culturas a partir de achados de cerâmicas com características que mesclam ser humano e animal, nos Lagos da Baixada Maranhense.

As crenças são parte integrante das sociedades, definem a moralidade, a forma com que se enxerga o mundo e a própria cultura de um povo. Com a globalização, crenças se perderam, mesclaram ou passaram por transformações culturais profundas. Na Amazônia, os povos originários tinham uma cosmologia (conjunto de crenças que explica a criação do universo) muito única e rica, diferenciando-se a depender da etnia.

O estudo ‘Águas ancestrais: cultura material, noção de transformação e xamanismo nas estearias, Amazônia oriental’, sintetiza a importância da cultura xamânica para populações originárias – que viveram em palafitas localizadas nos Lagos da Baixada Maranhense, entre os séculos XI e X – a partir de achados arqueológicos, em especial de artefatos de cerâmica. 

Mas o que é o xamanismo? Qual sua influência na cultura deste povo? Por que eles viviam em palafitas e não em terra firme? 

Foto: Tácio Melo/Amazonastur

Cultura Xamânica 

O xamanismo é entendido como um conjunto de práticas religiosas que têm ocorrência em diversos povos no decorrer da história. Caracteriza-se pela interação entre o ser humano, o cosmos e a natureza. Nesta tipologia religiosa a figura do Xamã age como um mediador entre o mundo físico e o espiritual (cosmológico). 

Outra característica preponderante do xamanismo é a metamorfose zoomórfica, ou seja, a mescla do ser humano com animais. E é em decorrência desta característica que o estudo traz o conceito de ‘Mestre dos Animais’, um ser que comanda todos os animais e está em contato com os xamãs, sendo extremamente difundido nas culturas dos povos originários amazônidas. Aparecendo também na figura do Curupira ou de um orientador das normas vigentes.

Apliques de cerâmica com destaque para as transformações corporais. Imagem: Reprodução/Acervo LARQ-UFMA

Influência do Xamanismo  

O processo das transformações xamânicas orientavam todo o modo de vida dos povos tradicionais: a confluência com a natureza, com os animais e com o próprio processo de metamorfose era essencial para o desenvolvimento destas sociedades. Os animais encontrados na cerâmica eram, especulativamente, conectados com os ritos destas etnias, eles eram considerados sacros.

A figura do ‘Mestre dos Animais’ surge como um verdadeiro guia, dando um caráter sagrado à geografia da região, à paisagem. Assim, as figuras de cerâmica encontradas representariam a mudança corporal, a mescla do ser humano com o animal, a forma como estes povos enxergavam o mundo. 

Vivendo do rio e com o rio 

A Bacia Amazônica sempre foi uma importante fonte de subsistência para as populações nativas da região. Até os dias de hoje, os rios provêm alimentos para ribeirinhos e, até mesmo, para grandes metrópoles que consomem os peixes dos pescadores. Ainda assim, há de se pensar na maior dificuldade na construção de palafitas em relação às malocas construídas em terra firme. Então, qual o motivo desta escolha?

O estudo especula que, tal qual a etnia Tukano, que acredita que seus ancestrais habitavam os lagos e montanhas, estes povos antigos acreditavam que os rios poderiam servir como uma forma efetiva de proteção, já que as criaturas aquáticas ancestrais poderiam proteger seus habitantes. 

Figurações de seres com traços humanos e de animais.

Os estudos arqueológicos recentes tentam cada vez mais abranger culturas que não eram, ou são, completamente voltadas à figura central do ser humano (antropocentrismo), mas que tem na natureza seu ponto focal, como demonstrado por esta pesquisa.

Fonte:

O conteúdo foi embasado no artigo ‘Águas ancestrais: cultura material, noção de transformação e xamanismo nas estearias, Amazônia oriental’, de Alexandre Guida e João Costa, publicado na Tessituras Revista de Antropologia e Arqueologia. O artigo está disponível aqui.


*Estagiário sob supervisão de Clarissa Bacellar

Três florestas em uma? Conheça os tipos de vegetação da Amazônia

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Matas de terra firme, matas de várzea e matas de igapó, cada categoria conta com características únicas que contribuem com a formação do bioma amazônico.

Foto: Chico Batata

A maior floresta tropical do planeta, um local de mistérios e segredos que origina inúmeros mitos e lendas. A floresta amazônica é famosa por sua exuberância no mundo inteiro. Sua variedade de fauna, com animais como: jacarés, onças-pintadas e botos retém admiradores e pesquisadores ao redor do globo. Com sua vegetação, não poderia ser diferente. 


Com a mesma riqueza e variedade da fauna, a vegetação amazônica pode ser dividida em três categorias que compõem o bioma: matas de terra firme, matas de várzea e matas de igapó.

Entenda qual a diferença entre elas e quais suas principais características.

Matas de terra firme 

Mata de Terra Firme. Foto: Marcelo Kuhlmann

Como o próprio nome indica – e diferente das duas outras classificações – as matas de terra firme recebem este nome por não serem inundadas por rios e não sofrerem com as ações do período de cheias. Localizadas em altas altitudes, nestas áreas da floresta as árvores têm grande tamanho, oscilando entre 30 e 60 metros, e são extremamente próximas umas as outras, formando uma vegetação densa, escura e úmida.

Diversas espécies fazem desta mata o seu habitat – de 140 a 280, de acordo com dados da Embrapa – e algumas das árvores mais populares que se localizam nela são a castanheira e a palmeira.  

Matas de várzea  

Mata de Várzea. Foto: Marcelo Kuhlmann

Esta tipologia de vegetação é periodicamente inundada, ou seja, existem épocas do ano em que está coberta pela água e outras em que está seca. Isto se dá por conta dos processos de estiagem e cheia, orientadores biológicos e geográficos da Amazônia.

A mata de várzea se subdivide em dois tipos principais: várzea alta e várzea baixa. A primeira tem formação muito densa e fechada, com árvores altas – média de 20 metros -, e com galhos espinhosos. Sua formação acompanha a margem dos rios. 

Apesar de ter menor diversidade em sua flora, quando comparada com a mata de terra firme, ainda conta com espécies como sumaúma e andiroba.

Já o segundo tipo (várzea baixa) acontece em áreas de acumulo de água, após a cheia (enchente) dos rios, e pode permanecer alagada pelo ano inteiro. Espécies mais conhecidas da várzea baixa são o açaizeiro e o buriti.

Mata de Várzea: interior. Foto: Marcelo Kuhlmann/Embrapa

Além disso, a coloração da água que banha as matas de várzea costuma ser barrosa, pelo acúmulo de sedimentos presentes em sua composição. Os principais representantes deste tipo de água são os rios Solimões, Amazonas, Madeira e Purus.

Apesar de estarem em altitudes menores do que as matas de terra firme, as várzeas ainda se encontram mais elevadas que o próximo tipo de floresta:

Matas de igapó 

Foto: Divulgação

São florestas submersas, encontradas em áreas de relevo mais baixo, permanentemente alagadas. As matas de igapó tem uma vegetação adaptada a alta taxa de umidade, sendo composta principalmente por arbustos, cipós e árvores de pequeno porte (no máximo 20 metros).

Este tipo de mata é banhada por águas escuras ou marrom avermelhada. Esta coloração é resultado da decomposição lenta do material vegetal presente. O Rio Negro é o mais importante representante deste modelo de rio. 

*Estagiário sob supervisão de Clarissa Bacellar


O futuro da Amazônia depende dos seus igarapés; entenda o porquê

Uma bacia hidrográfica na Amazônia pode ter até 90% de seus corpos d’água compostos por igarapés.

O passo é rápido para acompanhar os cientistas e seus guias ribeirinhos dentro da mata. Estamos na estação seca, e o calor sufocante da Floresta Amazônica se impõe. Uma hora e meia depois, entre descidas e subidas – algumas tão íngremes que pedem a mão amiga do colega à frente –, chegamos ao igarapé. Alívio. A água pura e cristalina do pequeno braço de rio é providencial não só para matar a sede depois da caminhada: é o próprio objeto da pesquisa em curso.

Inédito estudo temporal na bacia do Tapajós avalia o nível de degradação dos pequenos rios amazônicos, ameaçados pela expansão do agronegócio. Foto: André Dib/Mongabay

Na Floresta Nacional do Tapajós, oeste do Pará, alunos e professores de diferentes universidades avaliam o estado de conservação de igarapés como parte de um projeto de pesquisa que inclui 100 pequenos riachos entre as cidades de Santarém e Paragominas, que foram analisados pela primeira vez em 2010.

O termo para nomear esses riachos vem do tupi-guarani e significa “caminho de canoa”. Os igarapés correm das nascentes em direção a lagos e rios e, como o nome diz, são navegáveis, embora bem mais estreitos e rasos. 

“Os grandes rios da Amazônia não existiriam sem os igarapés, que são suas cabeceiras”, 

explica Cecília Gontijo Leal, pesquisadora vinculada à Universidade de Lancaster, na Inglaterra, e à Rede Amazônia Sustentável (RAS).

A ecóloga coordena o projeto Understanding and conserving tropical freshwater ecosystems (Entendendo e conservando sistemas aquáticos tropicais).

Agora, ao voltar aos mesmos pontos do estudo anterior, o grupo com 19 professores e alunos busca analisar a série temporal para compreender a evolução dos impactos humanos sobre esses ecossistemas aquáticos e suas comunidades de peixes. O objetivo é encontrar soluções para proteger a biodiversidade amazônica e influenciar políticas de preservação e melhores práticas de uso da terra.

O pesquisador Guilherme Cabral, da Universidade Federal do Pará (UFPA), em trabalho de coleta de estudo temporal inédito em ecossistemas aquáticos amazônicos. A primeira fase ocorreu em 2010 e agora os cientistas voltam a percorrer 100 igarapés em florestas, pastos e zonas de produção agrícola entre os municípios de Santarém e Paragominas. Foto: André Dib

“Não existem muitos estudos temporais na Amazônia, essa é uma lacuna de informação científica. Por isso, decidimos voltar para ver as trajetórias de mudança na paisagem e seus efeitos nos mesmos igarapés “, 

diz Leal.

A pesquisa é uma avaliação pioneira da mudança na condição dos igarapés ao longo da última década, com uso de métodos modernos que ajudarão a elucidar recentes fatores de estresse no ambiente. O projeto se estende até 2029 e cobre áreas de Santarém, Paragominas, Belterra e Mojuí dos Campos.

É uma região que mudou bastante nesses 13 anos, observa Leal, destacando o desmatamento e a intensificação de atividades, como a conversão de pastos para a agricultura mecanizada. “Os igarapés são impactados por essas mudanças, que pioram a qualidade da água e alteram a fauna e a flora”, diz. As consequências ecoam nos rios maiores, já afetados por grandes obras, refletindo como um todo na bacia hidrográfica, que pode ter até 90% de seus corpos d’água compostos por igarapés. “Temos muito mais extensão de riachos de cabeceira do que rios maiores”, avalia a pesquisadora.

A saúde desse ecossistema está intimamente ligada à biodiversidade aquática, a tal ponto que algumas espécies refletem o seu nível de conservação. São os chamados bioindicadores. As plantas aquáticas macrófitas e as libélulas se destacam. Quanto mais macrófitas, maior é a alteração no ambiente – o igarapé mais exposto pelo desmatamento recebe mais luz, e os vegetais se desenvolvem. Já uma presença menor dessas plantas ou ainda a existência de algumas espécies específicas delas é indício de um ambiente saudável. As libélulas, por sua vez, conhecidas na floresta como jacinas ou jacintas, são insetos sensíveis às mudanças no meio aquático. A subordem Zygoptera geralmente indica ambientes preservados, enquanto que a Anisoptera costuma refletir perturbações, como perda de vegetação. 

Com olhos afastados e corpos menores e delgados, indivíduos da subordem Zygoptera (imagem da esquerda) geralmente vivem em ambientes preservados, enquanto que os da subordem Anisoptera (direita), com corpos mais robustos e olhos juntos no topo da cabeça, costumam refletir ambientes alterados. As libélulas estão entre as espécies consideradas bioindicadores, pois refletem o nível de conservação de uma região. Fotos: André Dib

A alta diversidade de peixes chamou a atenção dos pesquisadores já em 2010, conta Paulo Pompeu, professor de Ecologia e Conservação na Universidade Federal de Lavras (UFLA). Se no Sudeste predomina um padrão de 5 a 15 espécies num riacho, os igarapés na região de Santarém abrigam de 30 a 40. Em um ponto em Paragominas, município com mais de 100 mil habitantes a poucas horas da capital Belém, eles identificaram 48 – uma biodiversidade aquática maior do que a de países inteiros, como a Inglaterra. Segundo os pesquisadores, a variedade de espécies de peixes em igarapés de uma pequena área muitas vezes não se repete em outro ponto da Amazônia. “Como um ambiente tão pequeno consegue sustentar tantas espécies ao mesmo tempo? Queremos compreender como se dá a diversificação local”, diz Pompeu.

Entre as abordagens inéditas do estudo de 2023 está a coleta de água para identificação de DNA ambiental (vestígios deixados por espécies na água). Outra novidade é a coleta de alimentos dos peixes, como algas, insetos terrestres e aquáticos, folhas e frutos de árvores, para descobrir quais são os recursos que sustentam a comunidade de peixes e quais as diferenças das fontes de nutrientes de uma área conservada para uma degradada.

Os cientistas ficarão até quatro anos em laboratório analisando as amostras coletadas. Os resultados irão promover um diagnóstico do estado de saúde dos igarapés no planalto santareno, representando uma amostra do que acontece aos pequenos rios em todo o arco do desmatamento na Amazônia. Ao mesmo tempo, servirão de base para o planejamento de novas ações que minimizem ou até revertam os impactos negativos causados pelas mudanças de uso do solo no bioma. 

Tesouro biológico em risco 

A bacia do rio Tapajós cobre uma área de 489 mil km², representando 7% de toda a Bacia Hidrográfica Amazônica. Com suas cabeceiras próximas a Cuiabá, no Mato Grosso, o gigante de águas claras avança quase 2 mil km até romper no Amazonas, na altura de Santarém – é o seu quinto maior tributário.

Arqueólogos estimam que a ocupação humana na região da foz remonta a cerca de 7 mil anos. A Santarém atual se formou sobre sítios de povos pré-colombianos, e relatos de pioneiros europeus a explorar a Amazônia – como a expedição de Francisco de Orellana, em junho de 1542 – já mencionavam a existência de uma povoação com milhares de habitantes na confluência dos dois grandes rios.

Os efeitos das ações humanas acumulados nas águas da bacia, principalmente nas últimas décadas, ficam evidentes ao se analisar o Índice de Impacto nas Águas da Amazônia (IIAA), desenvolvido pela Ambiental Media no projeto Aquazônia. Enquanto 20% das microbacias da área brasileira da Bacia Amazônica estão altamente impactadas, na Bacia do Tapajós o percentual é de 40%.

Estradas que fecham caminhos 

O impacto das estradas de terra e sua rede de cruzamentos com rios foi um dos fatores que chamou a atenção dos pesquisadores no estudo temporal. As vias que cortam os canais aumentam a carga de sedimentos, causando assoreamento, erosão e mudança na qualidade da água. “A travessia de uma estrada em um igarapé pode parecer um impacto pontual, mas os efeitos negativos acumulados são relevantes”, avalia Leal.

A equipe de cientistas ainda está trabalhando no mapeamento para a região de Santarém, mas os dados existentes para todo o bioma, compilados no Aquazônia, indicam a presença de 9.778 cruzamentos sobre rios (de todos os tamanhos, não só igarapés). É importante considerar, porém, que os números são subestimados devido à dificuldade de mapeamento. 

Moradores utilizam a Transtapajós, como é conhecida a estrada aberta sem autorização do ICMBio que corta a Flona do Tapajós, para chegar a serviços básicos de saúde. A comunidade de Acaratinga, uma das mais carentes, não tem acesso a transporte público, o que reforça a necessidade de readequação da estrada com reparações ambientais. Foto: André Dib

Na entrada norte da Floresta Nacional do Tapajós (Flona do Tapajós), dois igarapés, chamados Jamaraquá e Jaguarari, estão hoje interditados por causa de uma mesma estrada. Entre dezembro de 2004 e março de 2005, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Nota Técnica no 6/2020/FLONA Tapajós/ICMBio), órgão federal responsável pela gestão das unidades de conservação, a prefeitura de Belterra abriu a chamada Transtapajós sem autorização, licença ambiental ou estudo prévio.

A construção da rota de 12 km para interligar as comunidades ribeirinhas da Flona estava prevista no plano de manejo, mas a prefeitura não atendeu às recomendações do Batalhão de Engenharia de Construção – braço do Exército Brasileiro responsável pelas obras e pela manutenção de rodovias, ferrovias, barragens e aeroportos – que indicavam outro percurso para a via. A estrada acabou danificando os igarapés. O Ibama emitiu um auto de infração e embargou o trecho. A Justiça Federal condenou o município a apresentar um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas para prevenção de erosão, estabilização do solo e desassoreamento dos igarapés.

O embargo foi retirado em 2022 para que a prefeitura pudesse realizar as obras de reparação, mas pouco foi feito até agora, afirma Bruno Delano, analista ambiental do ICMBio. Os montes de erosão foram retirados, assim como uma parte do assoreamento nas águas. Os taludes, porém, ainda não foram revegetados, as margens não foram reflorestadas e a ponte sobre o igarapé Jamaraquá não foi consertada – as madeiras para isso estão lá, aguardando uso enquanto não apodrecem.

A obra, feita à revelia da legislação ambiental, não impactou apenas o ecossistema, mas também a visitação: Jamaraquá é a comunidade mais procurada da Floresta Nacional. “É um prejuízo para a geração de renda local e também para a Flona, que tem dados de visitação para serem monitorados”, avalia Delano. “Enquanto o igarapé estiver degradado, não podemos permitir o acesso a esse trecho.”

Apesar dos impactos sobre esses dois cursos d’água, a Flona cumpre o seu papel de proteger os corpos hídricos. O motivo é simples: as nascentes estão dentro da floresta, e parte das águas segue para o Rio Tapajós, a oeste, e para a bacia do Rio Moju, afluente do Amazonas, a leste. E é nesta última área, onde passa a BR-163 e crescem os campos de monocultura de soja e milho, que os igarapés começam a ser severamente prejudicados.

O trecho Cuiabá-Santarém da rodovia, inaugurado na década de 1970, é uma das principais rotas para escoamento de grãos no país, cujo cultivo avança sem parar em direção ao norte do Pará, na confluência dos rios Amazonas e Tapajós. 

Criada em 1974, a Floresta Nacional do Tapajós, localizada entre o rio Tapajós e a rodovia BR-163, no Pará, abriga 24 comunidades tradicionais que vivem do manejo florestal madeireiro sustentável, turismo de base comunitária, produção de óleos, frutas e borracha, além de agricultura familiar e pesca artesanal. Foto: André Dib/Mongabay

Mudanças no uso do solo 

Na região amazônica, o ciclo do desmatamento ilegal que leva à abertura de uma área destinada a servir como pastagem ou plantio, segue uma ordem já amplamente conhecida: há extração seletiva de madeira, desmatamento e, depois, o uso do fogo – uma sequência que traz impactos drásticos para os igarapés. “A vegetação é fonte de sombreamento e de matéria orgânica, influenciando toda a dinâmica das águas e das espécies. Se você tira a vegetação ripária [próxima aos corpos d’água], não há entrada desse material”, diz Cecília Leal.

Os peixes são os primeiros a sentir os impactos. Segundo Gabriel Brejão, doutor em Biologia Animal pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador do projeto, enquanto vertebrados terrestres suportam cerca de 60% de desmatamento em determinada área para começar a entrar em processo de declínio, algumas espécies de peixe já sofrem quando esse mesmo índice chega a 10%. Por outro lado, quando mais da metade da floresta é derrubada, começa a aumentar a presença de espécies de peixes que prosperam em ambientes alterados.

Nesse cenário, “há uma mudança de um estado de alta diversidade para o de uma fauna muito homogênea, com poucas espécies dominando o local”, explica Brejão. Com a homogeneização, além da redução no número, ocorre a extinção de várias espécies únicas do bioma .

A pesca na aldeia Takuara, às margens do Tapajós, ilustra bem este fenômeno. No final de tarde, navegamos durante meia hora de canoa pela mata de igapó até a beira do rio. A atmosfera é mágica, com a luz se infiltrando pelo dossel e refletindo no espelho d’água as formas retorcidas das árvores. Os pescadores lançam as malhadeiras enquanto aguardamos no barco. A lua crescente já está visível quando voltamos para conferir o saldo da pescaria indígena. Apenas 15 peixes: aracus, pintados, piaus e um único tucunaré.

“Há 30 anos tinha muito tambaqui, pirarucu, tucunaré. A gente nem saía longe para pescar. Colocava espinhel e pegava três ou quatro tambaquis para comer na semana”, conta Leonardo Pereira dos Santos, cacique da aldeia do povo Munduruku, que fica dentro da Flona. “Hoje o pirarucu quase não existe mais”.

Nas matas de igapó, às margens do Rio Tapajós, em Santarém, indígenas da etnia Munduruku, que vivem na aldeia Takuara, saem para pescar com frequência, mas a quantidade e a variedade de peixes têm diminuído nas últimas três décadas. Foto: André Dib/Mongabay

A baixa quantidade e variedade de peixes reflete as mudanças de uso do solo rio acima, sobretudo por desmatamento e mineração ilegal, e também a pesca realizada por barcos grandes, as chamadas geleiras. Nas margens do rio, moradores da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns e da Floresta Nacional do Tapajós tiveram seu modo de vida e sua segurança alimentar afetados por empresas que vêm de outras cidades e estados arrematar toneladas de peixes valiosos no mercado, descartando no caminho aqueles sem valor comercial, que fazem falta na dieta local. “A pesca predatória acaba com o que a gente tem. Daqui a pouco a gente tá comendo frango todo dia, comendo coisas enlatadas que não são legais pra saúde da gente”, lamenta Santos.

Os ribeirinhos, porém, conseguiram meios oficiais de combater a atividade predatória, com um Acordo de Pesca homologado pelo governo do Pará. Coordenado pelo ICMBio desde 2016, em parceria com a sociedade civil, o processo resultou, no fim de 2022, em regras que impõem limites aos grandes barcos. Para avaliar os reflexos do acordo e adotar medidas futuras, o órgão ambiental capacitou monitores na Resex e na Flona. A cada ciclo hidrológico – vazante, seca, enchente e cheia – os pescadores devem anotar uma série de características do pescado, como espécie e tamanho, que vão indicar como as espécies estão reagindo.

“Se a gente não preservar, no futuro nossas crianças não vão conhecer os peixes daqui. Teremos que ir no mercado em Santarém para comprar um peixe para comer. Então a gente precisa se organizar enquanto é tempo ainda”,

diz o cacique.

Rafael Pereira Leitão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Cecília Gontijo Leal, da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, integram o grupo de 19 pesquisadores que busca compreender os impactos das ações humanas sobre os igarapés e suas comunidades de peixes: um dos objetivos é desenvolver soluções e influenciar políticas públicas e práticas de conservação. Foto: André Dib/Mongabay

Com receio da contaminação pelo mercúrio utilizado por garimpeiros ilegais, Santos recomenda que as pessoas evitem beber água e se banhar no Tapajós. A cor mais barrenta do rio, naturalmente claro, indica também a alta presença de sedimentos, que são levados pela chuva para dentro dos corpos hídricos a partir de solos expostos após a supressão da vegetação nativa.

“O que se vê no Tapajós é um aumento do material particulado em suspensão por causa de inúmeras atividades de uso da terra”, explica a bióloga Daniele Kasper, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que se dedica a pesquisar o impacto do mercúrio nas águas e solos da Amazônia há 20 anos. As partículas suspensas aglutinam diversos componentes químicos, entre eles o mercúrio.

O metal, que polui e pode alterar a coloração natural dos rios, afeta também os peixes, cujo consumo é a principal via de exposição humana. Um estudo de 2022 – da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e da Fundação Oswaldo Cruz – avaliou 462 moradores de oito áreas ribeirinhas e uma zona urbana do município de Santarém: mais de 75% dos participantes apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite seguro de 10 µg/L (micrograma por litro) em seu sangue, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A exposição foi maior na população ribeirinha (90%) do que na urbana (57%). A mesma lógica vale para os peixes, que têm mais ou menos mercúrio dependendo do que comem, “pois o elemento vai se acumulando ao longo da cadeia alimentar”, explica a pesquisadora.

Na base utilizada pelos pesquisadores na Floresta Nacional do Tapajós, o biólogo Thiago Couto (em primeiro plano), da Universidade de Lancaster, analisa espécimes coletados na região de Santarém. Os dados e amostras serão analisados em laboratório ao longo dos próximos quatro anos. Métodos modernos ajudarão a avaliar os fatores de estresse ambiental aos quais estão submetidos os riachos da Amazônia. Foto: André Dib

A fonte do mercúrio que chega ao rio não se limita ao garimpo. O elemento é facilmente absorvido pelos organismos quando se encontra na forma química orgânica conhecida como metilmercúrio, que se desenvolve sob condições de pouco oxigênio — em reservatórios de hidrelétricas e áreas alagadas de igapós e várzeas, por exemplo, como revelam as pesquisas de Kasper e de outros cientistas. Assim, qualquer atividade que provoque erosão vai abastecer o sistema aquático com o mercúrio armazenado em determinados solos.

Muitas dessas ações danosas – desmatamento, queimada, abertura de estradas – estão associadas ao agronegócio. Não à toa, de todos os fatores de impacto analisados pelo Índice de Impacto nas Águas da Amazônia, nenhum supera agricultura e pecuária em termos de distribuição espacial: essas atividades impactam 88% do total das 11 mil microbacias que compõem a Amazônia brasileira. “É bem visível ali na região que o grande estrago está sendo o avanço e a intensificação do agronegócio em larga escala, em grandes propriedades”, avalia Cecília Gontijo Leal, coordenadora da pesquisa temporal.

Tais mudanças no uso do solo alteram principalmente o modo de vida das populações ribeirinhas e indígenas. Sufocada pela expansão desenfreada do agro, a realidade idílica do passado virou apenas memória para as pessoas que nasceram e cresceram à beira dessas fontes de água límpida e fresca típicas da Amazônia, usadas tanto para o lazer quanto para as necessidades do dia a dia. 

Colheita mecanizada de milho em área desmatada da floresta amazônica no município de Belterra, no Pará. De todos os fatores analisados no Índice de Impacto nas Águas da Amazônia (IIAA), nenhum supera a agricultura e a pecuária em termos de distribuição espacial. Essas atividades impactam 88% do total das 11 mil microbacias que compõem a Amazônia brasileira. Foto: André Dib/Mongabay

Lucro primeiro, estudos de impacto depois 

A arqueóloga Anne Rapp Py-Daniel, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), trabalha com a identificação da formação das comunidades quilombolas e indígenas na região de Santarém. A pesquisadora parte de relatos, memórias e vestígios de ocupação para reconstruir esse passado e para entender a identidade e a realidade atual.

“Ao longo das últimas três décadas, Santarém e outros municípios do Pará têm facilitado a vinda de empreendimentos relacionados ao plantio da soja. Esse incentivo tem se manifestado de várias maneiras: através de propostas de criação de portos (para soja e combustível) no lago do Maicá; pela alteração do plano diretor da cidade, que aumentou o tamanho das áreas propensas à agricultura; pela liberação de áreas para desmatamento no Planalto Santareno. Essas ações, focadas principalmente no setor econômico, têm sido realizadas sem avaliações prévias do impacto que é e será causado ao ambiente e às comunidades tradicionais”, conta Py-Daniel.

O igarapé Açaizal, que corta a aldeia indígena homônima, é uma amostra desse impacto a partir da virada do século. Desde então, a vazão dos igarapés diminuiu, a cor das águas mudou, lagoas secaram. “Tinha uma riqueza de peixes e muito jacaré”, conta o cacique Josenildo dos Santos Cruz. “O igarapé não presta mais. Os espaços de lazer sumiram; castanheiras, pequizeiros e outras árvores foram derrubadas.”

O impacto ambiental se reflete na própria cultura indígena. “A mata nos fortalece. Quando uma árvore cai, nosso povo adoece espiritualmente.”

Em luta pela natureza, os moradores passaram, a partir de 2009, a fazer denúncias ao Ministério Público Federal, que entrou com uma ação civil pública contra o governo do estado do Pará e o município de Santarém por omissão em fiscalizar, solicitando a recuperação do igarapé assoreado. Ajuizada em 2019, a ação teve, em setembro do ano passado, um parecer favorável da Procuradoria Regional da República.

Trata-se de um passo importante para contextos semelhantes em outros pontos da bacia. As quatro aldeias Munduruku localizadas no Planalto Santareno – Açaizal, Amparador, Ipaupixuna e São Francisco da Cavada – estão cercadas por grandes lavouras. “Entre 2021 e 2022, só na região entre Açaizal e Ipaupixuna, foram 800 hectares desmatados”, diz Daniel. “A soja já está no quintal das pessoas”, continua.

Os campos de soja não afetam somente os povos indígenas, mas também as comunidades de agricultores familiares do planalto. Maria Emília dos Reis Pinto, agricultora e artesã, nos guia por uma estrada de terra que passa sobre alguns trechos de igarapés; em nenhum deles a água é transparente. Na primeira parada, a água está coberta de macrófitas e tem um cheiro estranho. Um pouco adiante, o córrego está verde opaco e tomado por plantas aquáticas bioindicadoras de poluição. O cenário é ainda pior em outro trecho do igarapé, onde a água está marrom. Emília deixou de recorrer ao riacho que cruza seu terreno há seis anos. “As pessoas aqui estão com medo de usar seus poços por causa do agrotóxico”.

Alunos e funcionários da escola Vitalina Motta (acima), no município de Belterra, relataram, no início de 2023, sintomas de intoxicação que teriam começado após aplicação de agrotóxico na plantação de soja vizinha da unidade de ensino. Foto: André Dib/Mongabay

O temor tem fundamento. Para avaliar o impacto do agronegócio na zona rural de Santarém, a geóloga Moema Morgado, pesquisadora associada na Universidade Federal do Mato Grosso, analisou amostras de água subterrânea de poços, água superficial de rios, igarapés e de sedimentos de fundo dos córregos. Os resultados indicam a presença de herbicidas, como a atrazina, o glifosato e o metolacloro, além de metais diversos, tanto na água quanto nos sedimentos – onde também foram detectados inseticidas proibidos no Brasil, como DDT e endossulfam.

Assim como o mercúrio, alguns pesticidas têm a característica de se acumular ao longo da cadeia alimentar. Isso acontece porque eles são capazes de formar complexos insolúveis: em vez de volatilizar, eles se fixam nos sedimentos. O glifosato, um dos agrotóxicos mais utilizados no Brasil, se encaixa nessas duas situações. A legislação brasileira permite uma concentração de resíduos de glifosato na água potável 5 mil vezes maior do que na Europa e a substância forma complexos insolúveis em águas ricas em óxidos de alumínio e ferro. “A composição dos sedimentos e do solo da Amazônia é um prato cheio para isso”, ressalta Morgado, que encontrou glifosato em todas as amostras de sedimento analisadas, em comparação com 40% das amostras de água, onde o pesticida se dilui por ser hidrossolúvel.

Um caso chamou a atenção no município de Belterra, vizinho a Santarém. No dia 6 de fevereiro deste ano, 30 pessoas, entre alunos e funcionários da escola Vitalina Motta, foram ao posto de saúde com sintomas como coceira, irritação nos olhos, dor de garganta, náusea, vômito e desmaio. A médica que fez os atendimentos afirmou à equipe de fiscalização do Ibama, dias depois, que os sinais eram de intoxicação por agrotóxico, visto que todos tinham sintomas parecidos e coletivos, com descrição de cheiro forte e sensação de sufocamento. 

Localizada em uma das zonas mais remotamente habitadas por populações humanas na Amazônia, Santarém se transformou em um centro urbano importante no oeste do Pará, mas o modelo de desenvolvimento baseado na expansão do agronegócio predatório gera, ao mesmo tempo, riqueza, concentração de renda e degradação ambiental. Foto: André Dib/Mongabay.

A professora Heloise Rocha conta que, ao chegar à escola naquela manhã, percebeu um cheiro estranho e, por volta das 9 horas, as crianças começaram a reclamar de ardência nos olhos e dificuldade de respirar.

“Os sojeiros sempre fizeram isso, mas nunca foi tão agressivo. Não sabemos dizer se trocaram o veneno ou aumentaram a quantidade”, relata a professora, que está na região há oito anos. O campo de soja, cultivado com milho na entressafra, fica atrás da escola. Antes de subirem um muro, a plantação de grãos quase se misturava à horta escolar.

Quando as safras do campo em frente à escola, na margem oposta da rodovia, são colhidas, a fuligem suja as paredes e causa alergias e inflamações. “Quem mora aqui tem contato com o veneno de domingo a domingo. A gente não tem certeza se a água está ou não contaminada, mas o agrotóxico é jogado diretamente no solo, e a maioria aqui tem poço, inclusive a escola”, teme.

Os professores fizeram uma denúncia ao Ministério Público Federal, e o Ibama multou o produtor Renato Zambra, proprietário do terreno, em mais de 1 milhão de reais. Cem metros da plantação também precisaram ser retirados a partir do limite da escola, e ali deveria ter sido plantada vegetação nativa. Em agosto, contudo, havia somente uma única fileira de capim crescendo rente ao muro.

A maior parte dos integrantes das 100 famílias residentes na ocupação Bela Vista, em Santarém, nunca conheceu o riacho próximo à comunidade urbana limpo. Somente os moradores mais antigos têm memória de quando as águas do igarapé eram limpas: “dói o coração. A gente tinha um banho aqui, a água era linda, e agora está poluída pelo esgoto”, conta Cleonice. Foto: André Dib/Mongabay

Pelo direito de ser igarapé 

Desde que as comunidades começaram a relatar problemas de saúde devido ao consumo de água dos igarapés e rios, o projeto Saúde e Alegria vem trabalhando na instalação de microssistemas de abastecimento, movidos a energia solar, e na distribuição de filtros de nanotecnologia. Mais de 6 mil pessoas já foram beneficiadas em cinco municípios do oeste paraense. “Se não há coleta de lixo, nem rede de esgoto, nem estações de tratamento, é evidente que os lençóis freáticos podem estar contaminados nas cidades”, diz Eugênio Scannavino, fundador da ONG.

Na zona urbana de Santarém, a degradação dos igarapés ganha uma nova tonalidade – a cinza. Na ocupação Bela Vista do Juá, à direita de uma avenida que leva ao aeroporto, o cheiro forte de esgoto evidencia os problemas da ineficácia dos sistemas de tratamento de esgoto que vem da margem esquerda, onde foi instalado o Residencial Salvação, projeto do programa federal Minha Casa Minha Vida finalizado em 2016 para abrigar 3.081 famílias.

Do alto de uma voçoroca, um buraco de erosão de 2 metros de altura entulhado de lixo, escorre um fio de água em direção a um riachinho que desemboca no lago do Juá, em frente ao Rio Tapajós, onde uma praia de areia branca se destaca nessa época do ano. O pequeno curso d’água é um igarapé. Seu nome ainda não é oficial porque, para grande parte dos moradores da ocupação, ele nem existia, apesar de estar mapeado pelo IBGE desde 1983 como uma drenagem intermitente (um fluxo de água que surge na estação chuvosa e some na estação seca). Foi a construção do residencial, no outro lado da avenida, que escavou um canal, explica João Paulo de Cortes, geógrafo e professor da Ufopa, que desenvolve um trabalho de reconhecimento do igarapé desde 2018.

Cerca de 100 famílias moram na ocupação, a maior e mais recente da cidade. A discussão acerca do impacto ambiental da moradia irregular é grande, pois as pessoas foram chegando e retirando a vegetação para se estabelecer no local, mais ou menos na mesma época de construção do residencial. Sem infraestrutura adequada, algumas casas estão sob risco de desabamento, o que motivou um relatório para o Ministério Público Federal por parte da universidade.

A instituição faz monitoramento de riscos e desenvolve atividades de educação ambiental com a comunidade. “O que a gente deseja é o reconhecimento formal do igarapé nos instrumentos de planejamento do município. Do igarapé e da bacia”, afirma Cortes. Segundo o professor, a identificação oficial do igarapé é a primeira etapa no processo de tentativa de recuperação do canal a partir do tratamento do esgoto despejado ali.

O poder público segue o que o professor chama de “contraplanejamento urbano”, um gerenciamento a partir de lógicas de uso do espaço público que termina por exaurir os bens hídricos. “Na Amazônia, os igarapés urbanos são muito sensíveis, devido à combinação de chuvas intensas com terrenos pouco consolidados do ponto de vista geológico. As águas drenam para lagos e rios, que têm importante uso social e função ecológica. É preciso não impactar essas drenagens de um jeito que seja irreversível”, avalia Cortes. 

Cientistas sinalizam que as mudanças no uso do solo desde a década passada na região de Santarém, onde a conversão de pastos em áreas de plantio de agricultura mecanizada foi intensa, ameaçam as águas e a biodiversidade locais. Os silos para armazenagem de grãos (acima) são uma indicação do volume da produção baseada na monocultura. Foto: André Dib/Mongabay

Paisagens pré-coloniais: uma chance para o futuro

 Séculos depois da chegada dos primeiros europeus, a lógica colonial de exploração de recursos do território segue ameaçando povos originários e degradando a floresta tropical mais biodiversa do planeta – que é sustentada e moldada pela água. O ciclo da chuva enche e esvazia lagos e rios, estabelecendo períodos de seca e cheia que regulam o modo de vida das populações. Nas várzeas e igapós, áreas alagáveis com espécies adaptadas à inundação sazonal, o plantio, a colheita e os meios de locomoção são ditados pelo subir e descer das águas.

Essa dinâmica natural regular e poderosa determina que, no plano ideal, os modelos de desenvolvimento local deveriam partir da água para a terra, e não o contrário.

Para ajudar na restauração ambiental, o biólogo Gabriel Brejão defende a adição de estruturas ao ecossistema aquático. “Se os peixes gostam de se esconder atrás de galhos, troncos e folhas, pode-se introduzir esses elementos para melhorar a diversidade estrutural que permite a circulação de espécies variadas”. Outros arranjos poderiam possibilitar a migração de peixes de um ambiente para outro, em casos nos quais o local foi alterado por uma barragem ou estrada.

A revitalização de ecossistemas, assim como sua destruição, provoca efeitos em cascata no bioma como um todo, pois existem inúmeras conexões dentro de uma bacia hidrográfica. “Cada espécie tem sua função específica no ambiente e está fazendo um serviço”, diz Brejão.

O pesquisador explica que, ao longo do percurso do rio, as cabeceiras fornecem nutrientes para rios maiores. Os igarapés de cabeceira íntegros sustentam, por exemplo, a cadeia de pesca no Rio Tapajós: por meio da produção de frutos e do consumo de alimentos em cadeia, a energia terrestre é transferida para o ambiente aquático – nutrientes que, por sua vez, sustentam grandes peixes consumidos pelas populações humanas. A homogeneização da fauna aquática causada pela degradação em terra gera um desequilíbrio no transporte de nutrientes, o que pode chegar a provocar o colapso de ecossistemas, afetando cadeias produtivas locais. “As cabeceiras preservadas e a diversidade da fauna garantem a atividade econômica e a saúde para as comunidades humanas”, conclui.

Somados, os efeitos da degradação em igarapés e riachos vão refletir, em algum momento, nos grandes rios que cruzam a Amazônia, afetando invariavelmente as pessoas. “Tudo que passa pelos igarapés – fauna e flora, sedimentos, matéria orgânica – vai se acumulando rio abaixo”, analisa Cecília Gontijo Leal.

Filhote da garça-da-mata (Agamia agami) em um lago de várzea no Canal do Jari, onde se encontram os rios Tapajós e Amazonas. A principal ameaça a essa espécie, que depende de ecossistemas aquáticos, é a aceleração do desmatamento na Bacia Amazônica. Foto: André Dib/Mongabay

O caminho de minimização desses impactos passa por melhorar as leis de proteção das águas, considerar aspectos específicos de cada ambiente, investir em divulgação científica e inserir as comunidades tradicionais em tomadas de decisão. 

“São várias Amazônias dentro de uma grande Amazônia. É preciso trabalhar um pouquinho em cada região para chegar ao todo”, 

avalia Luciano Montag, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e pesquisador do projeto de estudo temporal dos igarapés.

Depois de finalizadas todas as análises, que vão gerar dezenas de artigos científicos, as conclusões poderão ajudar órgãos ambientais na gestão dos ecossistemas. “O Pará tem várias metas de restauração, que podem ser feitas de um modo que contemple melhor os ambientes aquáticos”, diz Leal.

Para a cientista, é preciso repensar o paradigma que rege nossa relação com o elemento água: ao invés de um recurso exclusivo de uso humano, é preciso enxergar rios, lagos e igarapés como a fonte da biodiversidade. “Nossa visão habitual é utilitária: as pessoas pensam na quantidade e na qualidade da água. Mas a função das espécies é fundamental. Não existe um rio saudável sem as suas espécies.”

A vida não perdura sem água – é o seu ciclo infinito e poderoso que sustenta e regula a existência não só da Amazônia, mas de todo o planeta.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Letícia Klein.  

Indígenas e partidos recorrem ao STF para suspender marco temporal

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Ação foi apresentada pela Apib, pela Rede Sustentabilidade e pelo PSOL.

Partidos políticos e entidades entraram na sexta-feira (29) com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a Lei nº 14.701/2023, que estabeleceu a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Pela tese, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

Na ação, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Rede Sustentabilidade e o PSOL pedem que a lei seja declarada inconstitucional e suspensa até o julgamento definitivo da questão na Corte.

No dia 14 deste mês, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que validou o marco temporal. Em setembro, antes da decisão dos parlamentares, o Supremo já havia decidido contra o marco. A decisão da Corte foi levada em conta pela equipe jurídica do Palácio do Planalto para justificar o veto presidencial. A lei foi promulgada nesta quinta-feira (28) pelo Congresso.

Segundo a Apib e os partidos, os dispositivos da lei que validou o marco temporal já foram declarados inconstitucionais pelo Supremo. Para as entidades, a manutenção da vigência da lei coloca em risco os povos indígenas.

“A vigência da lei vergastada poderá gerar danos irreversíveis aos povos indígenas, exemplificativamente: paralisar todos os processos de demarcação que estão em curso, consolidar e incentivar mais invasões nas terras indígenas, permitir a implementação de obras sem o devido processo legislativo e consolidar violações de extrema gravidade contra os povos indígenas”, afirmam os partidos.

Dia 28 de dezembro, o PL, o PP e o Republicanos entraram com uma ação para garantir a validade da lei e do marco temporal. Na ação encaminhada ao Supremo, os partidos alegam que o Congresso exerceu sua competência legislativa ao validar o marco.

“Em cenário de discordância republicana entre poderes acerca de determinado conteúdo normativo, a última palavra em um regime democrático, sempre deve ser do Poder Legislativo, verdadeira casa da democracia”, argumentaram os partidos.

Não há prazo para decisão do Supremo. 

Viscondes “made in Brazil”: a história dos imigrantes portugueses que enriqueceram em Belém

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Eles chegaram como imigrantes e inseriram-se na sociedade paraense […] Então, enriqueceram a tal ponto que conseguiram comprar, em Portugal, seus próprios títulos de nobreza e condecorações.

Cidade das Mangueiras. Do banho pelo Rio Guamá e pela Baía do Guajará. Do Círio de Nazaré. Do perfume da maniçoba. Do carimbó e do açaí. Batendo à porta dos 408 anos, não faltam adjetivos a Belém do Pará, uma cidade de mais de quatro séculos, com marcas dos antepassados e histórias do presente.

Embora se refiram a tempos distintos, passado e presente se encontraram no Programa de Pós-Graduação em História (PPHIST/IFCH), quando o pesquisador Luís Augusto Barbosa Quaresma documentou a trajetória de três importantes nobres da sociedade belenense dos séculos XIX e XX.

“Aqui, na UFPA, fui bolsista de Iniciação Científica desde o primeiro semestre do curso de Bacharelado em História, quando comecei a pesquisar o círculo intelectual do intendente Antônio Lemos. Nessas pesquisas, começaram a surgir alguns nomes de pessoas com títulos de nobreza que não constavam como nobres da terra ou nobres de barranco, que são aqueles que nasceram e viveram toda a sua vida aqui, no Pará, e ganharam o título de nobreza pelas atividades que desenvolveram”, revela Luís Augusto.

Foto: Reprodução/Acervo da pesquisa

A curiosidade aguçada e a experiência da Iniciação Científica foram o pontapé necessário para que Quaresma não tardasse a debruçar-se sobre a história de portugueses imigrantes que, enriquecidos em Belém, conseguiam comprar seus próprios títulos de nobreza concedidos pela Coroa portuguesa. 

Estava plantada a semente da dissertação de mestrado do pesquisador: ‘De imigrantes na Amazônia a nobres em Portugal – Visconde de Monte Redondo, Visconde de Penedo e Visconde de Nazaré’, defendida em 2022.

Dissertação conseguiu reunir dados de 1870 a 1934 

Os títulos de nobreza surgiram no continente europeu e eram concedidos pela família real que governava uma determinada região. Sua concessão levava em consideração as funções exercidas pelos nobres e sua posição hierárquica em relação ao rei. O título de visconde, concedido aos membros da aristocracia, era inferior ao de conde e superior ao de barão. A origem do nome vem do latim, vicecomes, cuja tradução é vice-conde, ou seja, homens que, mediante algum impedimento, atuavam no governo em substituição aos condes.

Do tipo documental e iconográfica, a pesquisa de Quaresma teve como objetivo compreender a trajetória dos três viscondes e as estratégias utilizadas por eles para se inserirem na sociedade belenense. A dissertação reuniu dados que vão de 1870, quando os três imigrantes, ainda sem título de nobreza, chegaram a Belém, até 1934, quando visconde de Monte Redondo faleceu.

O pesquisador utilizou como fonte os acervos de várias instituições de dentro e de fora do Pará para o levantamento de dados. 

“Eu me vali da documentação de época do século XIX e início do século XX para trilhar a história deles com o olhar da pesquisa e mostrar como era a cidade [de Belém], como eles a viam, como viam a comunidade portuguesa, como ela os via e como eram as relações que construíram tanto com paraenses quanto com portugueses”, 

comenta o historiador.

Para chegar ao seu objetivo, Luís Augusto organizou a análise de seus dados de três maneiras: primeiro, ele buscou documentos que versassem sobre os pesquisados; em seguida, associou o que encontrou em repositórios e instituições com a bibliografia pertinente e, por fim, fez o levantamento de imagens para dialogar com o texto.

De imigrantes comuns a viscondes renomados 

 A pesquisa trouxe os viscondes para o centro dos estudos. Assim, o pesquisador constatou algo em comum. Eles chegaram como imigrantes e inseriram-se na sociedade paraense por meio do comércio, das boas ações e do casamento. Então, enriqueceram a tal ponto que conseguiram comprar, em Portugal. seus próprios títulos de nobreza e condecorações.

“Para esses sujeitos, o título de nobreza significava o ponto auge do enriquecimento, o sucesso diante da comunidade, o triunfo!”, explica Quaresma. Ainda segundo o pesquisador, em um dado momento, os portugueses viam os viscondes como paraenses; e os paraenses os viam como portugueses, o que, no fim das contas, acabou lhes rendendo o status de luso-amazônicos, pois conseguiram unir as suas histórias pessoais com os dois lugares: o de nascimento (Portugal) e o de crescimento social (Belém).

Luís Augusto conta que os nobres estudados por ele trouxeram inúmeras contribuições para a cidade de Belém, como o Hospital Beneficente Portuguesa, o casarão da Faculdade de Direito do Pará, além de doação de livros para a Biblioteca do Grêmio Literário Português. O pesquisador destaca que ainda há muito da historiografia de Belém para se pesquisar e que sua dissertação foi apenas um início.

“Com a minha pesquisa, eu trago à tona assuntos como imigração, construção de relações na Amazônia no final do século XIX para o XX, além de contar capítulos da trajetória desses indivíduos, a respeito dos quais ninguém havia se debruçado de forma tão aprofundada. Inclusive, esta temática ainda é um campo aberto para pesquisas, visto que muitos nobres não brasileiros transitavam na cidade de Belém nessa segunda metade do século XIX e suas trajetórias ainda são pouco conhecidas”,

orgulha-se o pesquisador.

Contribuições dos Viscondes para a cidade de Belém 

Visconde de Monte Redondo Nome de registro: Joaquim Antonio de Amorim (1854-1934) Fundou a “Garantia da Amazônia”, primeira grande companhia de seguros das Regiões Norte e Nordeste, Ela contava com filiais no Amazonas, em Pernambuco, na Bahia, no Rio de Janeiro e em Portugal. À frente da empresa, o visconde emprestou dinheiro para comprar o casarão da Faculdade de Direito do Pará, no qual hoje funciona a OAB.

Visconde de Penedo Nome de registro: Antonio José Antunes Sobrinho (1835-1888) Foi presidente da Beneficente Portuguesa e organizou uma série de leilões e festas que culminaram na construção do Hospital da Beneficente Portuguesa, Dom Luiz I.

Visconde de Nazaré Nome de registro: Bernardo Antonio Antunes (1833-1905) Figura importante, principalmente, para a cultura e a economia. Muito atuante no Grêmio Literário Português, chegando a doar livros para a Biblioteca do Grêmio. Atuou, também, coletando objetos para exposições internacionais de produtos brasileiros, além de participar de atividades culturais como os festejos da morte do Marquês de Pombal. 

Sobre a pesquisa

A dissertação ‘De imigrantes na Amazônia a nobres em Portugal: Visconde de Monte Redondo, Visconde de Penedo e Visconde de Nazaré’ foi defendida por Luís Augusto Barbosa Quaresma, em 2022, no Programa de Pós-Graduação em História (PPHIST/ IFCH), da Universidade Federal do Pará. A pesquisa teve a orientação da professora Maria de Nazaré Sarges e contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio, da UFPA, edição 169, escrito por André Furtado. 

Xamanismo

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Sistema de pensamento ritualístico relacionado a transformação e ao contato com entidades espirituais ancestrais ou animais.

O pajé Kañî-paye com o aray e o charuto. Foto: Eduardo Viveiros de Castro, 1982.

O Xamanismo não pode ser reduzido a uma única explicação, principalmente por estar presente em inúmeras crenças e etnias diferentes. Logo, não pode ser considerado uma única religião, mas uma prática religiosa, uma ontologia (ramo da filosofia que estuda conceitos como existência e realidade), uma forma de se enxergar o mundo.

Estabelecido desde a Antiguidade, ele surge com os povos autóctones da Ásia e chegam posteriormente as Américas graças as sucessivas migrações feitas para o continente.

É importante salientar que o Xamanismo não possui um dogma único, nem um sistema unificado de regras. Na Amazônia, por exemplo, os Xamãs (também conhecidos como pajés) servem como guias espirituais, conectando os humanos viventes às almas dos mortos (ancestrais) e dos animais da cosmologia indígena. O Xamã age, então, como um verdadeiro guia para as almas. 

*Com informações do Instituto Socioambiental 

Conheça os xaponos, moradias comunais dos indígenas Yanomami

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A forma com que uma população enxerga o mundo contribui diretamente com a organização de suas moradias. Este é o caso dos Yanomami, povo que enxerga a terra como pertencente a todos.

Ocas? Malocas? Qual a nomenclatura correta para as moradias indígenas? De fato, ambas alternativas estão corretas, ao menos quando nos referimos a algumas etnias dos povos originários. Para nível de exemplificação, na Amazônia existem cerca de 180 povos indígenas diferentes – segundo dados do Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) – cada um com uma miríade cultural, social e organizacional únicas. 

E apesar de alguns povos compartilharem similaridades, não se deve cair no reducionismo que caracteriza todos esses povos apenas como “indígenas”, como se pertencessem a um único grande grupo. Da mesma forma, nem todas as habitações dessas populações possuem a mesma organização, método de construção e identidade.

Assim, dentre as populações indígenas que habitam a floresta amazônica, os Yanomami possuem moradias distintas, conhecidas como xaponos. Para entender as peculiaridades que distinguem estas construções das moradias das grandes metrópoles, ou mesmo das de outros povos originários, o Portal Amazônia conversou com Daniela Gato, antropóloga e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM), que estuda as relações políticas do povo Yanomami há cerca de seis anos.
Interior de moradia comunal Yanomami. Foto: Reprodução/Carlo Zacquini/Instituto Socioambiental

Xaponos: comunidades e moradia Yanomami

Os Yanomami tem uma visão de mundo singular a outras populações, diferenciando-se de muitas etnias indígenas. 

Leia também: Estudo etnográfico mostra que os Yanomami entendem sonhos como experiências reais

Segundo a pesquisadora: “os Yanomami tem a ideia de que a terra é uma só, a qual eles denominam de Urihi (terra-floresta). Isso se representa por essa noção de casa comunal e de espaços de circulação, compostos por trilhas interligadas que ultrapassam fronteiras nacionais”.

Daniela explica que algumas destas trilhas eram tão grandes que conectavam suas comunidades desde o Brasil até o território da Venezuela. Esse modo de ver o mundo, como pertencente a todos, contribui significativamente com a forma como as moradias dessa população são organizadas.

“O modo de vida Yanomami gira em torno dos xaponos, que são como comunidades, na visão Ocidental do termo. Só que, um xapono Yanomami não diz respeito apenas ao local de moradia, que é uma casa comunal – compartilhada por mais de uma família – mas, também, diz respeito a vegetação que circunda essa moradia, as trilhas que levam as roças das famílias, aos locais sagrados e aos igarapés”,

explica.

Desta forma, é impossível reduzir os xaponos apenas às estruturas arquitetônicas, eles são muito mais que isso.

“Os xaponos dizem respeito a todo o ambiente onde essas famílias circulam e vivem. É onde os Yanomamis compartilham de sua cultura e existência. É interessante pensar que a forma como esses povos veem o mundo, é também como eles habitam o mundo”,

complementa.

Tipos de xaponos

Mesmo dentre a população Yanomami existem diferentes tipos de xaponos. Todos compartilham como característica comum o formato circular. Entretanto, algumas comunidades, principalmente as que foram mais “afetadas” pela ação dos missionários (católicos e evangélicos), possuem divergências em sua forma de estruturar suas habitações.

Alguns xaponos, se organizam por meio de uma estrutura única, organizado na centralidade de uma casa comunal com um único telhado. Normalmente são feitas de bambu e palha, materiais menos resistentes, que tornam as construções efêmeras – passageiras – indo ao encontro com a visão de mundo desta população, pois a reconstrução e até mesmo o abandono dessas estruturas conforme a necessidade, em prol da construção de novas moradias, faz parte do repertório cultural Yanomami. 

“Esses xaponos [de estrutura única] são compostos por um mesmo telhado contínuo, em formato circular, no qual, as famílias compartilham o mesmo ambiente sem nenhuma divisória ou parede. Entretanto, existe uma lógica própria de organização dentro do xapono que define o lugar da ‘rede de cada um’, e no caso de visitas, é comum que sua rede seja posta ao lado do pata [liderança tradicional] daquele xapono. Então, não existem divisões [físicas], é literalmente uma casa comunal onde todos vivem compartilhando o mesmo ambiente”, comenta a antropóloga.

Xapono de estrutura única. Foto: Marcos Wesley/CCPY

Outro tipo de xapono é o de estrutura segmentada. Em que, apesar de se manter uma única grande casa comunal em formato circular, existem vários “telhados” que pertencem a diferentes famílias. Segundo Daniela, “cada família possui sua própria cobertura, uma ao lado da outra, mantendo o formato circular, só que sendo separadas em pequenos espaços”.

Xapono de estrutura segmentada. Foto: Reprodução/Funai

Esses dois tipos de xaponos, tanto o segmentado, quanto o de estrutura única, são considerados como tradicionais aos costumes deste povo. 

No entanto, por conta da relação com a colonização, mais precisamente com a ação missionária de católicos e evangélicos, outros tipos de xaponos começaram a surgir, pautados numa nova lógica de organização do espaço e de relação entre as pessoas. 

“Assim, xaponos como, por exemplo, o de Ariabú em São Gabriel da Cachoeira se caracterizam pela separação das famílias em casas de alvenaria que ocupam um espaço muito maior comparado aos outros tipos de xapono, visto que, nessa região ouve um intenso processo de nucleação, ou seja, “atração” e “concentração” de xaponos que antes viviam espalhadas num único lugar, em torno da missão instalada pelos salesianos [missionários católicos]. Embora [também] se chamem Xaponos, eles têm uma lógica de organização completamente diferente. São casas separadas umas ao lado das outras, não mais apenas coberturas, apenas redes. Essas comunidades têm outras construções além da principal”,

complementa.

Xapono Ariabú, mais afetado pela colonização. Foto: Raimundo Nonato/ Acervo pessoal

Xaponos X outras habitações indígenas 

As habitações indígenas são fortemente baseadas na forma como essas populações enxergam o mundo, suas culturas e cosmologias particulares, fundamentam suas organizações, estruturais e sociais. Por isso, as arquiteturas são diferentes dependendo da etnia de que se fala.

“[Diferente dos Yanomami] Os Tukanos, por exemplo, também localizados na região do Alto Rio Negro, tem um modo de organização pensando casas para durarem mais. Com troncos mais rígidos, com madeiras mais nobres, essas construções têm outra lógica de organização. Com divisão de famílias por sua importância política, por exemplo”, exemplifica Daniela.

Maloca Tukano. Foto: Reprodução/Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

As próprias estruturas do telhado dos Tukano imitam a costela dos peixes da região, segundo a pesquisadora. O que evidencia ainda mais a diversidade cultural de cada um dos povos originários.

*Estagiário sob supervisão de Clarissa Bacellar


Agricultura familiar busca alternativas para lidar com seca extrema no oeste do Pará

Perda de plantios, redução de peixes, baixo nível de água dos rios e difícil acesso à água potável fazem com que seja decretada situação de calamidade em diversos municípios do Pará.

Prestes a aterrissar em Santarém, no Pará, o espanto ecoa em voz alta pelo avião, apontando a gravidade da seca. Pela janela diminuta, a imensidão das águas recua, deixando bancos de areia expostos na paisagem.

Debaixo de um céu que não derrama chuva há meses, e já caminhando pela secura dos quintais da agricultura familiar, torna-se corriqueiro testemunhar árvores jovens se transformando em esculturas emblemáticas da seca.

“Aqui não temos o costume de trabalhar com irrigação. Trabalhamos esperando que caia do céu”, conta Raimundo Nunes, aos pés de um cupuaçuzeiro morto de sede.

“Não só as frutíferas, mas algumas espécies nativas como a andiroba estão sofrendo bastante”, diz o engenheiro agrônomo em sua casa, na Área de Proteção Ambiental (APA) Jará, em Juruti, oeste do Pará.

Desde maio, a maior parte do oeste da Amazônia registra chuvas abaixo da média. Para além da variação natural e cíclica que caracteriza os períodos de cheia e estiagem na região, a seca severa deste ano se deve ao avanço das mudanças climáticas e à interferência do El Niño, fenômeno meteorológico que eleva as temperaturas e intensifica a seca nas regiões Norte e Nordeste. 

Na zona rural de Juruti (PA), o plantio em agrofloresta busca recuperar área degradada; mudas mais jovens sofrem o impacto da seca. Foto: Julia Lima/Mongabay

A perda de plantios, a redução dos peixes, a complexa logística com o baixo nível de água dos rios e o difícil acesso à água potável fizeram com que fosse decretada no Diário Oficial situação de calamidade em Juruti, em Santarém e em outros municípios do Pará. O Ministério Público também fez recomendações de um plano para diminuir os danos da crise hídrica em Juruti, recomendando a recuperação da cobertura florestal das propriedades rurais localizadas às margens do Rio Amazonas e seus afluentes.

“Nós tínhamos uma base de 200 produtores cadastrados, mas só que hoje na feira tá vindo muito pouco. Do jeito que tá essa quentura grande, não tem produção. A roça tá morrendo. Tá muito seco, a gente tira e a mandioca tá cozida. A gente tira muita mandioca e dá pouca farinha”, conta Zeires Andrade Faria, coordenador da Feira de Agricultores Familiares de Juruti. “Até o momento, não tem nenhuma assistência para nós.” 

Foco de incêndio florestal visível no horizonte: imagem rotineira durante a seca severa no oeste do Pará. Foto: Julia Lima/Mongabay

Poço seco, rio baixo 

Às margens do Lago Tucunaré, José Maria de Sousa Melo, superintendente regional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no oeste do Pará, mostra abacateiros, cacaueiros e cafezeiros se curvando em decorrência da seca e diz que os maiores prejudicados são os agricultores de várzea.

A agricultura familiar tem grande relevância no oeste paraense: metade do território é ocupada por áreas regulamentadas onde se pratica a atividade, entre elas Projetos Integrados de Colonização (PIC), Projetos de Assentamento (PA) e Unidades de Conservação (UC) de Uso Sustentável. 

Lago Tucunaré, em Juruti: água quente com volume baixo não convida os moradores da região ao banho. Foto: Julia Lima/Mongabay

“Nós estamos responsáveis por 29 municípios e dentro deles nós temos praticamente 240 assentamentos tradicionais, alguns deles em Juruti”, conta Melo. “Tem famílias que tradicionalmente cultivam nesse período melancia, jerimum, maxixe, outros produtos de várzea, e estão com dificuldade no transporte desses produtos. Como baixou muito o rio (Amazonas), as embarcações estão ficando distantes, então tem gente que está perdendo o produto por conta desse distanciamento”.

No tempo livre, Melo se dedica aos cultivos da família num terreno às margens do Lago Tucunaré. Ali nossa reportagem avistou um jacaré, duas tartarugas e algumas aves. Num novembro com a sensação térmica ultrapassando os 40 graus centígrados, os moradores locais desaconselham o banho no lago — não por causa do jacaré, mas porque faz tempo que a água deixou de ser refresco, está quente. E, como em outras localidades, o poço artesiano que usavam há anos também secou. O conjunto dessas variantes aumenta a preocupação com a segurança alimentar na região.

“Em terra firme, o prejuízo se dá para quem cultiva a roça de mandioca. As pessoas estão deixando de fazer roçado porque está muito forte a estiagem e a orientação é que se evite fazer queimadas”, indica Melo.

“Então, é muito preocupante essa questão, porque esses são os produtos que sustentam essas famílias. Uma vez que elas deixarão de produzir e de cultivar as suas roças, elas vão ter problemas nos próximos meses”.

José Maria de Sousa Melo, superintendente regional do Incra no oeste do Pará, observa abacateiros castigados pela seca. As mangueiras resistem. Foto: Julia Lima/Mongabay

Ainda muito utilizado na região, o sistema de corte-e-queima, herdado das populações originárias, consiste na derrubada e na queima da floresta em uma área de até um hectare, o que produz grande volume de cinzas, aumentando a fertilidade do solo. Depois de alguns anos, quando o solo já não está mais fértil e o agricultor repete o processo em nova área de floresta.

O problema é que, com as mudanças climáticas aceleradas e o clima mais seco, a floresta se torna mais inflamável. Qualquer fogo oriundo do desmatamento, de manejo agropecuário e também da agricultura de subsistência pode escapar e invadir a floresta, causando incêndios florestais de enormes proporções. Em outubro, um megaincêndio se alastrou por milhares de quilômetros quadrados na região de Santarém.

Por causa disso, “a gente vem incentivando a mudança do corte-e-queima para a agrofloresta”, diz Lucieta Martorano, meteorologista e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.” 

A mandioca, alimento essencial para a subsistência na Amazônia, também sofreu as consequências da seca: diminuiu de tamanho ou nem mesmo vingou. Foto: Julia Lima/Mongabay

Cultivo de diversidade 

Os Sistemas Agroflorestais não são exatamente novidade na Amazônia, já que os povos locais há muito praticam o plantio em sistemas diversificados.

Nas últimas duas décadas, no entanto, eles vêm crescendo de forma mais estruturada:reúnem diferentes espécies, combinando árvores nativas e cultivos agrícolas O sistema considera também espaçamento entre as mudas, sombreamento, podas e manejo das espécies. Além de não lidar com o manejo do fogo, a agrofloresta aumenta a biodiversidade e tem potencial para restaurar áreas agrícolas degradadas.

Iniciativas robustas, como a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta) e o Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), já mostraram resultados promissores na Amazônia, sendo mais rentáveis do que a agricultura de corte-e-queima para comunidades de produtores familiares.

Estima-se que, em 2017, em toda a Região Norte, 430 mil trabalhadores, sendo 90% deles agricultores familiares, cultivavam SAFs em 200 mil estabelecimentos, somando 8 milhões de hectares. 

Agrofloresta recentemente instalada em Juruti. Foto: Julia Lima/Mongabay

As árvores de grande porte que vão ser implantadas: será que não vai demorar? Será que a gente vai estar vivo pra ver realmente isso daí?”, pensava Adeílson da Silva quando começou a implementar uma agrofloresta no seu terreno. “A gente plantou primeiro jerimum, segundo nós plantamos a melancia e a gente plantou também a pimenta-de-cheiro dentro da área.”

Adeílson conta que o mamão se saiu muito bem e depois vieram as mudas de graviola. Morador da zona rural, na comunidade de Batata, em Juruti, o pai de seis filhos trabalhava apenas com a roça de mandioca e tinha algumas galinhas para consumo.

O agricultor recebe assistência técnica e incentivo do Instituto Juruti Sustentável (Ijus), que estima ter apoiado a instalação de 60 hectares de SAFs no município. No momento, o Ijus trabalha a implementação de novos SAFs por meio do Projeto Ingá, que tem investimentos da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), da Citi Foundation, da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) e da Alcoa Foundation. 

Adeílson da Silva produz a farinha de mandioca em seu quintal: anteriormente trabalhava apenas com a roça de mandioca, hoje experimenta o plantio em SAF em parte do terreno. Foto: Julia Lima/Mongabay

Ainda jovem, porém, o SAF de Adeílson também sofre com a seca. Apesar de contar com algumas horas semanais de irrigação – que só não é mais abundante por causa dos altos custos do combustível para manter o gerador ligado, puxando a água do igarapé próximo à sua casa –, algumas mudas não estão resistindo à falta de chuvas.

Lucio dos Santos Moraes está avaliando a possibilidade de instalar também um SAF em seu terreno. Ele deixou de plantar apenas a mandioca e o café e começou a experimentar o plantio do açaí em consórcio com o café, mas está sentindo com intensidade os efeitos da seca. “Nessa época aqui a gente já estava vendendo a pupunha, já tinha bastante pra vender e ela é uma plantação quase permanente, vai dando. Agora, devido ao verão, não teve produção”, conta.

“Nós temos plantio de café, pupunha, abacate e plantas pequenas. O açaí está sendo mais resistente no verão porque tem uma área sem irrigação e ele não morreu, diferente da pupunha, que está quase 100% morta”, conta. “A gente não precisava de irrigação. E agora, mesmo com a irrigação precária que a gente tem, não é o suficiente”. 

Lucio dos Santos Moraes começou a trabalhar com plantio em consórcio e estuda a possibilidade de instalar um SAF em seu terreno. Foto: Julia Lima/Mongabay

Além da morte de culturas já plantadas, a seca prolongada deverá atrasar os plantios de ciclo curto — como feijão, milho, abóbora — que ocorreriam normalmente em dezembro, quando começa a estação chuvosa. Mas as chuvas estão previstas para fevereiro.

“Uma forma importante de minimizar o impacto da seca seria se os agricultores de base familiar tivessem uma irrigação que o governo incentivasse e uma irrigação de baixo custo”, diz Lucieta Martorano, que já trabalhou em Santarém com projetos de irrigação.

Outras questões desafiadoras na região são a logística, a comercialização e políticas públicas que favoreçam o pequeno agricultor, a exemplo das políticas de compras públicas com foco em segurança alimentar e nutricional.

“A gente precisa de políticas públicas integradoras”, diz Joice Ferreira, bióloga e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental. “Esse exemplo do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) é o tipo de coisa que a gente precisa ter desenhado para lidar com o problema. Ou seja, você tem um programa de compra que está aumentando demanda. Você tem que favorecer iniciativas em que os próprios agricultores são protagonistas e líderes.” 

Mudas cultivadas por Adeílson da Silva para serem incluídas em seu SAF no próximo período de chuvas. Foto: Julia Lima/Mongabay

Polinizar quintais 

Uma alternativa que traz benefícios para os quintais produtivos é o consórcio com abelhas nativas, como as espécies jupará (Melipona interrupta) e canudo (Scaptotrigona postica).

Raimundo Nunes é especialista em meliponicultura e cria abelhas em seu quintal. Já coordenou projetos e deu curso para 20 criadores de abelha da região de Juruti. “Utilizar essas abelhas para fazer a polinização dos quintais ajuda a ter uma produtividade melhor.” 

Criação de abelhas nativas no quintal agroflorestal de Raimundo Nunes na APA Jará, em Juruti. Foto: Julia Lima/Mongabay

As abelhas nativas são aliadas dos agricultores porque fazem a polinização de espécies nativas da Amazônia, ajudam os frutos a crescer de forma mais uniforme, contribuem para manter a floresta em pé e são uma fonte de renda extra: ao mesmo tempo em que potencializam a produção agrícola também produzem o mel, que pode ser vendido.

“Tem um produtor que utiliza abelha para fazer polinização no plantio de melancia que ele faz todo ano, e ele percebeu que ele ganha tanto na produção da melancia quanto na produção do mel”, conta Raimundo enquanto degustamos o mel de sabor delicado da abelha jupará, direto da caixa de criação.

O técnico agrícola lembra, porém, que, para melhorar as condições das colheitas em tempos de mudanças climáticas, é imprescindível manter as florestas em pé. “A gente teve a questão do El Niño. Mas a questão da preservação da natureza, principalmente da floresta, contribui para que essa estiagem não seja tão forte, né? E que a gente não tenha a perda da biodiversidade também”, conclui Raimundo. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Sibélia Zanon e Julia Lima.