Você sabia que os pirarucus podem morrer literalmente afogados?

Por ser um tipo de peixe denominado respirador aéreo obrigatório, o pirarucu precisa do ar da superfície para suprir suas necessidades metabólicas

O pirarucu (Arapaimas gigas) é o maior peixe com escamas de água doce do mundo, podendo atingir um tamanho de quase 3 metros e cerca de 200 kg de peso. A espécie vive em lagos e rios afluentes, de águas claras, com temperaturas que variam de 24º a 37ºC, ele não pode ser encontrado em lugares com fortes correntezas ou em águas com sedimentos.

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Entretanto, uma de suas curiosidades é que o pirarucu, pode acabar morrendo afogado. Isso mesmo! Um peixe pode morrer afogado…Literalmente.

Para explicar por quê isso acontece, o Portal Amazônia entrevistou a pesquisadora e curadora da Coleção de Peixes do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Lucia Rapp.

Os pirarucus desenvolvem brânquias na fase de larvas a alevino, porém a partir de uma determinada idade, ou peso, as brânquias param de se desenvolver e sofrem diversas modificações e vão perdendo a sua função de aparelho respiratório. Os pirarucus, a partir de 1 a 2 kg de peso, já apresentam uma maior vascularização na bexiga natatória, com surgimento de um grande número de vasos sanguíneos. A bexiga natatória é um órgão hidrostático, normalmente cheio de gases, que atua na flutuação dos peixes. No caso dos pirarucus, no entanto, a bexiga natatória evoluiu para um órgão semelhante a um pulmão. Se esses peixes, que chegam a pesar 200 kg, tivessem só as brânquias atrofiadas, não desenvolvidas, eles não poderiam viver dentro d’água.

A bexiga natatória, com uma intensa vascularização, começa a suprir a demanda respiratória do pirarucu desde cedo, retirando oxigênio da água e do ar! Sim, este complexo sistema de bexiga natatória, meio pulmão, ainda demanda a vinda do peixe à superfície para pegar ar atmosférico. O pirarucu é um tipo de peixe denominado “respirador aéreo obrigatório”, ou seja, ele precisa do ar da superfície para suprir suas necessidades metabólicas, ainda mais , em exemplares muito grandes. Se ele não conseguir esta suplementação de ar da superfície, ele morre. Os pescadores, acostumados a pescar pirarucu, sabem que o peixe sobe a superfície a cada 15 minutos (intervalos podem variar de 10 a 20 minutos).

Foto: Shutterstock

“Podendo vir à superfície respirar, o pirarucu pode aguentar diversos tipos de ambientes aquáticos. O pirarucu, assim como diversos outros organismos, pode sofrer profundas alterações fisiológicas devido a alterações ambientais durante o seu desenvolvimento que podem levar a maior ou menor chances de sobrevivência.” comenta.

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O pirarucu não é um peixe de águas profundas, ou seja, ele não vai muito fundo nos rios e lagos que habita. De acordo com Lúcia Rapp, 10 metros de profundidade seriam um espaço muito longo para esse peixe alcançar, já que ele precisa subir para a superfície a tempo. “Talvez nem ultrapasse 5 a 6 metros, mas como é um peixe muito grande, ele pode se deslocar de maneira mais eficiente para a superfície.”explica.

Mas o ambiente pode influenciar na “morte por afogamento”?

Segundo Rapp, a espécie pode aguentar diversos tipos de ambientes aquáticos. Assim como outros organismos, ele pode sofrer profundas alterações fisiológicas devido a alterações ambientais durante o seu desenvolvimento, podendo levar a maior ou menor chances de sobrevivência.

Esse afogamento pode ocorrer até em filhotes de pirarucu? Larvas de pirarucu com 8 a 9 dias já apresentam capacidade de respirar ar atmosférico, mas as brânquias ainda atendem a demanda de oxigenação do peixe. “Os filhotes do pirarucu são bem protegidos pelos pais, principalmente os machos que são os que cuidam da prole. Além de aerar o “ninho” ou “panela de pirarucu”, como é conhecida no interior, para melhorar a oxigenação, os pais liberam um líquido leitoso através de poros na cabeça, que funcionam como um feromônio para atrair os filhotes e o macho guardá-los dentro da boca. De maneira geral, os ninhos são feitos em áreas rasas e protegidas, próximas às margens.” explica a pesquisadora. 

Foto: Divulgação

Com isso, nós descobrimos que o pirarucu é um peixe que necessariamente morre afogado, mas…isso poderia acontecer com outros peixes?

“Se está impedido de respirar. No caso da grande maioria dos peixes, existem fatores que podem bloquear as brânquias de funcionarem. As brânquias são as guelras, como são conhecidas popularmente. São um conjunto de lâminas carnosas, altamente vascularizadas, o que lhes dá uma cor vermelho vivo, cor de sangue. Essas brânquias apresentam vários filamentos, que formam vários níveis de subdivisões e são responsáveis pela captura de moléculas de água. Uma vez capturadas pela respiração, estas moléculas são quebradas em Hidrogênio e Oxigênio e incorporadas no sistema fisiológico dos peixes.

Existem estruturas que podem bloquear a captura destas moléculas pelas brânquias, tais como, óleo derramado na água em grandes quantidades, microplásticos aderidos a superfície das brânquias, parasitas que podem danificar os filamentos branquiais. Esses danos podem atingir limites que impeçam o peixe de capturar a quantidade necessária de oxigênio para sua sobrevivência. Por outro lado, em ambientes com alto grau de poluição, o oxigênio disponível na água é capturado por bactérias ou outros microrganismos que estão consumindo a matéria orgânica poluente, não sobrando oxigênio para os peixes utilizarem. Isso também pode matar os peixes, já que eles não conseguem respirar em águas muito poluídas.”

Foto: Divulgação

Ambientes altamente poluídos em centros urbanos, ou com derramamento de óleo, são bem problemáticos. No entanto, mesmo em ambientes naturais podem haver problemas porque existem espécies que demandam níveis de oxigenação mais intensa. São peixes que vivem em corredeiras, cachoeiras, ou águas turbulentas. A forte movimentação das águas promove uma maior oxigenação do ambiente. Portanto, peixes acostumados a águas turbulentas, como corredeiras, podem não sobreviver em águas paradas como em lagos ou represas. Este é um dos fatores de maior impacto de construção de hidrelétricas em rios com cachoeiras ou corredeiras.

As espécies adaptadas a ambientes com grandes volumes de oxigênio disponível, não sobrevivem em águas represadas artificialmente, e tem apenas duas alternativas: ou se deslocam para outras áreas (se conseguirem) ou são extintas localmente. Muitas destas espécies de corredeiras são territoriais, ou seja, vivem em áreas restritas e não promovem grandes deslocamentos. Alterações drásticas como o barramento de um rio, podem ser uma condenação para estas espécies.

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