Música denuncia exploração sexual infantil no Marajó e reacende discussão; Entenda o caso

Considerada a maior ilha flúvio-marítima do mundo, o Arquipélago do Marajó é um território que fica no extremo norte do Pará.

“Ah, um Evangelho de fariseus
Cada um escolhe os seus
E se inflamam na bolha do sistema

Ah, enquanto isso, no Marajó
O João desapareceu
Esperando os ceifeiros da grande seara”

‘Evangelho de Fariseus’, de Aymeê

O trecho da canção ‘Evangelho de Fariseus’, da cantora gospel Aymeê, ganhou os holofotes com uma crítica sobre a Amazônia. A música denuncia a exploração sexual infantil que acontece na Ilha do Marajó (distante a 90 quilômetros de Belém), no Pará. A composição reacendeu o debate sobre o problema, constante e “invisibilizado” na região amazônica.

O vídeo, com mais de 3 milhões de visualizações (até o dia 28 de fevereiro), faz parte de um reality show musical voltado para o público gospel. 

Após a apresentação, Aymeê emocionou e instigou os jurados com o alerta sobre a situação do Marajó, explicando o motivo de ter escrito a canção levando luz sobre o assunto.

“Marajó é uma ilha há alguns minutos de Belém, na minha terra. E lá, as crianças, lá tem muito tráfico de órgãos, lá é normal. Lá tem pedofilia em nível ‘hard’ e as crianças com cinco anos, quando ela veem um barco vindo de fora com turistas, Marajó é muito turístico e as famílias lá são muito carentes, as criancinhas saem em uma canoa – seis , sete anos – e elas se prostituem dentro do barco por cinco reais”, desabafou emocionada.

Denúncias não são recentes

Apesar da repercussão, o problema de exploração sexual infantil do Marajó, e até mesmo em outros locais na Região Norte, não é uma novidade.

Os casos de exploração sexual e pedofilia são investigados há décadas na região e, inclusive, viraram alvo de inquérito a pedido da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), da Câmara dos Deputados, em 2006. O tema também foi discutido em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Senado, em 2010.

A CPI encontrou diversas denúncias e relatos de que Marajó concentrava uma grande parcela de casos de violência sexual infantil. A investigação também citou o caso do ex-deputado Luiz Afonso Sefer, que foi preso acusado de abusar de uma criança de nove anos, em 2009, pelo Ministério Público do Pará (MPPA). Leia o relatório.

As embarcações também entraram na mira da CPI. Muitos barcos, balsas e navios estavam inseridos no que foi chamado de “rota da exploração sexual”. De acordo com os relatos, as crianças se ofereciam para os ocupantes das embarcações com a permissão dos pais e os municípios de Portel, Muaná, Breves, Curralinho, São Sebastião da Boa Vista e Gurupá eram os mais visados.

Já em 2019, Damares Alves, à época ministra da Família e Direitos Humanos, criou o programa ‘Abrace o Marajó‘, com o objetivo de melhorar as condições das famílias da região, principalmente as crianças, devido ao alto índice de casos de exploração sexual. 

No entanto, a então ministra justificou, durante culto em Goiânia, que buscava soluções para denúncias de tráfico de crianças e até mutilação, na Ilha do Marajó. Porém, quando à pedido do MPF por informações comprovadas, ela declarou que as denúncias se baseavam em relatos, não em provas, e o próprio MPF alegou propagação de fake news, exigindo retratação pública e indenização de R$ 5 milhões.

O programa, instituído pelo Decreto nº 10.260, de 3 de março de 2020, foi revogado em 5 de setembro do ano passado, pois, segundo relatório da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados, “o programa foi utilizado para a exploração de riquezas naturais e para atender a interesses estrangeiros, sem benefício ou participação social da população local”.

Várias denúncias foram feitas no Marajó. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Denúncias não são recentes

“Um crime que é muito antigo no Marajó, mas também no Brasil inteiro”, destaca a diretora-presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer, em um vídeo divulgado sobre o caso. O Instituto Liberta foi fundado em 2017 e se estruturou sobre a temática da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, discutindo a realidade de cada região.

O Instituto divulgou, em 2022, um documentário (Um Crime Entre Nós) que descreve “um mercado no qual se troca infância por qualquer coisa menos valiosa”. 

“O Brasil é o segundo país no ranking mundial dos casos de exploração sexual infantil. Em uma investigação urgente, Jout Jout, Luciano Huck, Dráuzio Varella e Gail Dines se unem aos que atuam diariamente para tirar meninas e meninos de um ciclo perverso”, informa. O documentário foi idealizado pelo Instituto Liberta e Instituto Alana.

Disque 100

Para denunciar violação de direitos humanos foi criado o ‘Disque 100’, um serviço de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, conforme previsto no Decreto nº 10.174, de 13 de dezembro de 2019, destinado a receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos, especialmente as que atingem populações em situação de vulnerabilidade social.

De acordo com o Governo Federal, o serviço pode ser considerado como “pronto socorro” dos direitos humanos e atende graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes e possibilitando o flagrante.

Qualquer pessoa pode reportar alguma notícia de fato relacionada a violações de direitos humanos, da qual seja vítima ou tenha conhecimento.

Por meio desse serviço, o Ministério recebe, analisa e encaminha aos órgãos de proteção e responsabilização as denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+, população em situação de rua, outras populações em situação de vulnerabilidade, como indígenas, quilombolas, ciganos, entre outros.

O serviço funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100.

A maior ilha flúvio-marítima do mundo 

Afuá, um dos 16 municípios do Arquipélago do Marajó. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Considerada a maior ilha flúvio-marítima do mundo, a Ilha do Marajó é um território que fica no extremo norte do Pará, banhado pela foz do rio Amazonas e pelo oceano Atlântico. São 50 mil km² de extensão, o equivalente aos estados de Alagoas e Sergipe.

A ilha destaca-se pela sua paisagem diferenciada, mesmo dentro da região amazônica, e é marcada por praias de água salobra, igarapés e búfalos por toda parte. Contando com uma população de cerca de 250.000 habitantes, sua área está dividida em 16 municípios.

Saiba mais: Ilha do Marajó, o maior arquipélago de mar e rios do mundo

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