Uma vitória histórica e profundamente simbólica para os povos indígenas da Amazônia e do Brasil foi celebrada em 26 de setembro. A assinatura da portaria que finalmente reconhece a Terra Indígena Sawré Muybu, localizada na bacia do Rio Tapajós, no Pará, entre as cidades de Itaituba e Trairão, é a realização de uma luta de anos.
Com 178.173 hectares, o povo Munduruku assegura a posse permanente de um território que sempre lhes pertenceu, mas que esteve ameaçado pelo garimpo, pela extração ilegal de madeira e por projetos de infraestrutura.
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A Terra Indígena Sawré Muybu, além de ser um território rico em biodiversidade, é o coração espiritual e cultural do povo Munduruku. Garantir a proteção dessa terra é assegurar a continuidade de um modo de vida ancestral, que sempre esteve em harmonia com a floresta.
A portaria declaratória é uma das etapas do processo de demarcação de uma Terra Indígena, que define os limites dos territórios quando não há mais disputas administrativas ou judiciais. Ela foi assinada em 25 de setembro pelo Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, numa cerimônia em Brasília (DF).
Isso não significa, no entanto, que o processo demarcatório está completo – agora é a hora de fixar os marcos físicos e proceder com a retirada de ocupantes de dentro do território. Em seguida, o presidente da República homologa o território e aí sim o rito estará completo.
Autodemarcação
O processo de demarcação da Sawré Muybu teve início em 2007. Mas ele ficou parado durante muito tempo por questões políticas, principalmente pela força econômica que o garimpo tem na região.
Em 2014, o povo Munduruku promoveu a autodemarcação de seu território, realizando incursões por contra própria dentro do território, fixando placas nos limites da Terra Indígena e expulsando invasores. Esse gesto teve grandes implicações políticas e virou referência de incidência no movimento indígena, inspirando diversos povos a fazerem a mesma coisa em seus territórios Brasil afora – num gesto poderoso, corajoso e inspirador de autonomia e independência.
A portaria que demarca Sawré Muybu pode ter repercussões significativas para projetos de grande escala, como a Ferrogrão, um corredor ferroviário estratégico para o governo federal, e a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. O arquivamento do projeto da usina pelo Ibama, em 2016, foi uma grande vitória para os povos indígenas. No entanto, a reativação dos estudos pela Eletrobrás, neste ano, mostra que a luta ainda não acabou. O reconhecimento da terra Munduruku representa, mais do que nunca, um obstáculo para qualquer projeto que ignore os direitos e a autodeterminação dos povos originários.
Força dos pajés
A portaria declaratória da Sawré Muybu é a quarta a ser assinada pelo Ministério da Justiça em 2024. Outros três territórios tiveram os limites declarados no início de setembro, todas na região do Tapajós: Maró, Cobra Grande e Apiaká do Pontal e Isolados.
Em declaração nas redes sociais, a liderança Alessandra Munduruku celebrou a assinatura da portaria declaratória, mas lembrou que seu povo ainda enfrenta diversos problemas.
“Foi uma luta e tanto, de autodemarcações, pressão na Funai, no Ministério da Justiça. Fizemos um movimento de luta e ocupação, de mostrar que o território é nosso. Um governo anterior do PT quis construir uma usina hidrelétrica no território, mas nós batemos o pé e dizemos que ele era nosso e que a usina não ia sair. Fizemos autodemarcações, discutimos protocolos de consulta. Tinha muita polícia e pesquisador em nossa área para pesquisar sobre a hidrelétrica, barramos a entrada de todos eles. Estou grata pelas pessoas que acreditaram na luta do nosso povo, na força dos nossos pajés, que sempre nos disseram pra escutar a floresta e nossos antepassados. Parabéns pra todos nós. Mas a luta ainda não acabou – ainda hoje sofremos, estamos sofrendo com a seca e as queimadas, nossos poços secaram”.
Aliança
Desde que o povo Munduruku abriu as portas de suas aldeias para o Greenpeace Brasil, em 2013, na aldeia Sai Cinza, uma aliança foi selada. A decisão de apoiar a resistência Munduruku contra o avanço da usina de São Luiz do Tapajós foi tomada não apenas pela gravidade ambiental do impacto, mas pelo compromisso ético com a autonomia dos povos da floresta. Ao longo desses anos, muitas batalhas foram travadas, algumas vencidas, outras ainda em curso, mas sempre com a convicção de que essa terra precisava ser protegida.
Para Danicley Aguiar, Campaigner Sênior do Greenpeace Brasil, é gratificante ver o resultado desse longo processo de lutas.
“Hoje é um dia especial para os Munduruku, mas também para todos nós que, durante anos, nos mantivemos firmes na luta por Sawré Muybu. Desde 2013, quando o Greenpeace Brasil aceitou o chamado do povo Munduruku para apoiar essa causa, entendemos que a luta pela floresta e pelos direitos dos povos indígenas é uma só. Foram mais de 4 mil dias de resistência, e essa vitória é também uma conquista dos guerreiros do arco-íris. É um momento de celebração e de reconhecimento da força coletiva que nos trouxe até aqui”, disse.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Greenpeace