Ação do ser humano sobre o meio ambiente afeta o ofício de benzedeiras paraenses em Castanhal

Em um estudo foi investigado como as benzedeiras são afetadas em suas práticas com elementos de cura. Foram considerados a localização geográfica, o perfil das mulheres, os elementos de cura, as adaptações e dificuldades nas práticas de cura, e o saber-fazer.

O uso de ervas e rezas para a cura do corpo e da mente faz parte de uma tradição que acompanha gerações, como a do professor Gleibson do Nascimento Silva. De menino nascido e criado no município de Castanhal, nordeste paraense, a pesquisador pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Antrópicos na Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGEAA/UFPA), Gleibson carregou a curiosidade por essa ancestralidade e o respeito a ela.

“Desde criança, minha mãe levava a gente para benzer de espinhela caída, peito aberto, quebranto, cobreiro, erisipela e mau-olhado. Normalmente, era um ciclo de três idas, e experimentávamos a cura. Eu cresci, Castanhal cresceu – hoje tem mais de 200 mil habitantes – e, já com a minha filha, mantendo a tradição da família, eu comecei a ter dificuldade de encontrar benzedeiras na cidade. Como historiador, isso despertou minha curiosidade e meu desejo de fazer esta pesquisa”, remonta o pesquisador, cujo trabalho de dissertação, com orientação do professor Carlos José Trindade da Rocha, foi defendido em abril de 2021.

Foto: Reprodução/Agência Brasil

No estudo intitulado ‘Antropização urbana frente aos elementos de cura de mulheres benzedeiras de Castanhal – Pará‘, Silva buscou investigar como as benzedeiras daquele município são afetadas em suas práticas com elementos de cura. Com base em uma abordagem etnometodológica, foram considerados na pesquisa a localização geográfica, o perfil dessas mulheres, os elementos de cura material e imaterial da benzeção, as suas adaptações e dificuldades nas práticas de cura e o saber-fazer em meio ao processo de antropização urbana.

A pesquisa contou com a participação de cinco benzedeiras, com idades entre 62 e 94 anos, a maioria viúva, católica, paraense e com seis décadas de experiência no trabalho de benzeção. “São mulheres que herdaram o dom do benzimento de mães, pais ou avós e, agora, têm dificuldade de repassar esse conhecimento à nova geração, que tem manifestado cada vez menos interesse, pelo menos na área em que pesquisei”, destaca Gleibson Silva. “Existem as questões do misticismo, do oracional, do divino, do sagrado, do profano, do folclore, da carne e do espírito e, ainda, do preconceito. Entender esse universo demanda tempo, intimidade e confiança”, aponta o autor, que iniciou a pesquisa antes mesmo da aprovação no mestrado.

Foto: Reprodução/Jornal Beira do Rio UFPA

Ritual e remédio natural são complementares

O saber popular mostra que não há doença que não se benza. Entre os instrumentos de trabalho necessários, estão oratórios, imagens sagradas, ervas medicinais e, claro, a palavra. A tradição da cura nunca está dissociada da fé. “O benzimento é um processo que depende de uma prática integrada. Para elas [as benzedeiras], o ritual é o início da cura, e o remédio natural é um complemento. Um depende do outro”, enfatiza Gleibson Silva.

O processo de antropização urbana, entretanto, tem impactado diretamente o ofício das benzedeiras. Segundo o pesquisador, o avanço da industrialização e a expansão dos comércios na cidade têm tomado espaço e provocado uma escassez dos elementos naturais. Com menos espaço, as benzedeiras têm realizado dois movimentos: afastamse dos núcleos urbanos e mantêm suas práticas com elementos cultivados no próprio quintal. “Mesmo diante das dificuldades, as benzedeiras continuam realizando seu ofício de cura e se confirmando como figuras fundamentais desta importante cultura popular”, destaca.

A expectativa de Gleibson, agora, é transformar a dissertação em livro e prosseguir a investigação no doutorado, com enfoque no público que não larga a mão dessas mulheres. “Esta é uma tradição que depende da memória para sobreviver. Penso nesta pesquisa como uma contribuição para o registro dessa história. Esse também é o papel da Academia”, finaliza o pesquisador.

Foto: Reprodução/Jornal Beira do Rio UFPA

Código de doenças das Benzedeiras

Espinhela Caída – doença que provoca fortes dores no peito, nas costas e também nas pernas. O indivíduo acometido por essa doença sente geralmente cansaço constante quando submetido a determinados esforços físicos.

Peito aberto – doença causada por esforços repetitivos e constantes, como levantar e carregar objetos muito pesados. Os sintomas são: perda de apetite, moleza no corpo, fraqueza nos braços e nas pernas, acompanhada por náuseas.

Quebranto – doença espiritual causada pela prática maléfica de feitiço que geralmente ocorre a distância, por meio de encantamento. O indivíduo acometido por quebranto sente um grande mal-estar, acompanhado geralmente por visões de vulto, febre, vômito e diarreia.

Cobreiro – é uma infecção causada pelo mesmo vírus que provoca a catapora. O vírus se instala na coluna espinhal, porém permanece inativo durante algum tempo, podendo se manifestar de forma espontânea, a qualquer momento da vida do indivíduo, principalmente quando passa dos 50 anos de idade. A pessoa acometida apresenta febre e um “caminho de feridas” muito dolorosas no abdômen e nas costas. Esse “caminho” tem formato de cobra, daí o nome cobreiro.

Erisipela – é uma infecção da pele, geralmente nos membros inferiores, podendo afetar a gordura que compõe o tecido das células. É provocada por bactérias que se espalham por meio dos vasos linfáticos. A doença é mais frequente em obesos, diabéticos e pessoas com problemas de circulação. O portador de erisipela apresenta uma vermelhidão na perna, normalmente acompanhada por ferida, dor e febre.

Mau-olhado – é uma doença espiritual que alguém transmite pelo olhar, podendo levar a pessoa que está sendo atingida por esse mal à degradação, à involução ou até mesmo ao impedindo de ter uma sorte melhor.

*Por Edmê Gomes, do Jornal Beira do Rio edição 164 (UFPA)


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