Após seca histórica, povos indígenas no Acre dividem área de terra com risco de conflito, diz entidade

Funai acredita que seca de 2024 pode ter forçado os Mashco Piro, maior povo isolado do mundo, a se mudar e entrar em área ocupada pelos Manchineri.

Foto: Reprodução/Survival International

Dois povos indígenas da Amazônia, os Mashco Piro e os Manchineri, correm risco de conflito, de acordo com a entidade Manxinerune Tsihi Pukte Hajene (Matpha), que representa o povo Manchineri. A seca histórica dos rios, a ação de madeireiros peruanos e a escassez de alimentos estão forçando os Mashco Piro a se aproximarem em uma área de fronteira entre o Brasil e o Peru, aumentando a tensão entre ambos.

Há gerações que os Mashco Piro e os Manchineri vivem na Terra Indígena Mamoadate entre o Peru e a cidade brasileira de Assis Brasil, no Acre. Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a área é compartilhada em períodos sazonais de cada ano.

A diferença é que, enquanto os Mashco vivem como um grupo étnico isolado, os Manchineri são um grupo de ‘recente contato’, ou seja mantêm relações de contato permanente com segmentos da sociedade nacional, mesmo mantendo autonomia, segundo definição da Funai.

Nos últimos tempos, porém, membros dos Mashco Piro têm sido obrigados a se deslocar cada vez mais e até mesmo a entrar em áreas habitadas pelos Manchineri. Foi o que ocorreu no último dia 31 de outubro quando, segundo os indígenas acreanos, alguns membros do clã isolado invadiram uma aldeia em busca de mantimentos e saquearam uma casa. (Veja vídeo acima)

De acordo com Mailson Machineri, coordenador dos monitores da Manxinerune Tsihi Pukte Hajene (Matpha), entidade que representa a etnia, afirma que a principal preocupação dos Manchineri é evitar um conflito com o outro povo e que esse é um momento difícil para os moradores da aldeia.

ONG também faz alerta

Segundo a ONG Survival International, que também recebeu a denúncia, no caso específico dos Mashco Piro na terra indígena Mamoadate, eles estão em contato com as lideranças indígenas locais e reforçando os pedidos que foram feitos à Funai, ao MPI e outras autoridades responsáveis.

“Os indígenas solicitam a instalação de uma base de proteção e de uma unidade de saúde indígena no local para que possam mediar a situação e evitar maiores consequências aos Manchineri e Mashco Piro, no caso por exemplo de uma aproximação maior dos indígenas isolados na comunidade da aldeia Extrema. A Funai possui funcionários especializados nesse tipo de situação e a Survival avalia que a presença deles na região é vital para garantir a segurança dos indígenas”, diz Priscilla Oliveira, ativista e pesquisadora da organização.
Ainda segundo a pesquisadora, a ONG atrela isto ao fato da exploração de madeira no território dos Mashco Piro, no Peru, que compromete a existência dos indígenas, uma vez que parte do território deles ficou de fora da proteção legal, sendo concedido a madeireiros a permissão para exploração de madeira na região.

“Estamos agora pressionando a empresa a cancelar permanentemente a certificação. Tudo isso deve colocar mais pressão no governo peruano para resolver a situação, ou seja, para finalmente cancelar as concessões de exploração de madeira na área e proteger permanentemente o território dos Mashco Piro”, comentou.

Funai acompanha o caso e nega iminência de conflito

A reportagem entrou em contato com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que informou que acompanha as evidências dos povos indígenas isolados na região da aldeia Extrema, Terra Indígena Mamoadate.

“Quando recebemos as primeiras informações, mantivemos a equipe de servidores da Funai, que são todos do povo Manchineri, em alerta”, comunicaram. (Confira a nota completa abaixo)

Porém, ao contrário do que afirmam os Manchineri, a Funai alega que não há iminência de conflito. “Os povos isolados Maschos utilizam o território para desenvolver suas práticas culturais, há anos. Além do mais, não há histórico recente de conflito desses povos na região”.

O órgão disse ainda que já estabeleceu um diálogo com a comunidade Manchineri e com as organizações indigenistas parceiras, além de prestar apoio com alimentação, já que no momento eles não podem caçar e nem pescar para evitar contato com os Mashco.

Foto: Arquivo/Defesa Civil de Assis Brasil

Mascho Piro

Com cerca de 750 indivíduos, o povo Mashco Piro é o maior grupo indígena isolado do mundo e habita a floresta amazônica, em uma região de fronteira entre o Acre, no Brasil, e o Peru. No entanto, a integridade deste grupo está ameaçada, segundo a organização Survival International, que em julho divulgou imagens raras do grupo.

O registro mostra os indígenas caminhando às margens do rio Las Piedras, no sudeste do Peru, supostamente atrás de comida. A Survival alertou para as ameaças a que os Mashco Piro estão submetidos por conta de atividades de madeireiras que operam na mesma região em que eles vivem.

Os Mashco Piro vivem em total isolamento na Amazônia peruana e brasileira, mais precisamente na faixa fronteiriça entre o Acre e o Peru. A área total de extensão da fronteira Brasil-Peru é de 2.995 quilômetros, já a faixa que compreende ao Acre é de 1.565 km.

Estes indígenas dependem exclusivamente do que cultivam e caçam na floresta, tanto para obter os alimentos como para ter as ferramentas e construir os tapiris, que são as casas onde eles moram. Eles evitam contato até com outros indígenas de outros povos.

No Brasil, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) tem três registros confirmados de indivíduos pertencentes ao povo Mashco Piro, sendo:

  • Na Terra Indígena Mamoadate, no limite da fronteira entre Brasil e Peru;
  • No Parque Nacional do Manú, que abrange as regiões peruanas de Cusco e Madre de Dios;
  • E na região do Rio Envira, mais ao Norte, na terra indígena Kampa.
  • No Peru , onde estão em maioria, eles vivem em uma área de cerca de 816 mil hectares, perto do Parque
  • Nacional Alto Purus. É a Reserva Indígena Mashco Piro, equivalente a uma Terra Indígena no Brasil.

A Survival International explica que o último registro de indígenas Mashco Piro na região foi feito há dez anos, inclusive na região do Rio Envira.

Por que eles apareceram em julho?

Acredita-se que eles apareceram porque estão sendo pressionados a sair de dentro do próprio território, principalmente no que diz respeito à busca por comida. A quantidade de indígenas registrados na região, segundo ela, chama atenção.

Nos últimos dias, mais de 50 indígenas Mashco Piro apareceram perto da aldeia dos Yine de Monte Salvado, no sudeste do Peru, que não são isolados. A Survival alertou que os Mashco Piro haviam relatado aos Yine, outro grupo indígena que fala língua parecida, sobre a presença dos madeireiros.

No passado, mais precisamente em 1880, houve registros de exploração e escravização deste povo indígena. Isto ocorreu quando o território foi invadido por trabalhadores envolvidos na extração de látex, para fabricação de borracha. Alguns deles conseguiram escapar e, então, mantiveram o isolamento.

A Survival alerta que povos indígenas isolados são vulneráveis a qualquer tipo de contato com pessoas de fora, já que eles não possuem imunidade contra doenças comuns como a gripe.

O que está ocorrendo na região?

A ONG denuncia a exploração de madeira no território dos Mashco Piro, no Peru, que compromete a existência dos indígenas, uma vez que parte do território deles ficou de fora da proteção legal, sendo concedido a madeireiros a permissão para exploração de madeira na região.

Neste caso em específico, o espaço dos indígenas fica à beira de um rio, a poucos quilômetros da região onde uma madeireira chamada Canales Tahuamanu detém uma licença de extração certificada pelo Conselho de Manejo Florestal (FSC).

O selo de aprovação, encontrado em produtos feitos de papel, é um certificado de que a madeira utilizada é sustentável. Mas segundo a ativista, não é este o caso. Por conta disto, a ONG quer que esta certificação seja retirada da empresa madeireira e que o governo peruano acabe com as concessões dentro da terra indígena. O pedido é feito por meio de um abaixo-assinado.

Nota da Funai

*Por Hellen Monteiro e Renato Menezes, da Rede Amazônica AC

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