Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
Máscaras de Chico Mendes e do cacique Raoni. Alegoria de boitatá. Carros de som alternando entre discursos políticos, ritmos de carimbó e brega. A Marcha Mundial pelo Clima ocupou neste sábado (15) as ruas de Belém (PA) com uma amostra expressiva da diversidade cultural e social do povo amazônico.

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Segundo os organizadores, pelo menos 70 mil pessoas estiveram presentes na manifestação, que saiu do Mercado de São Brás, no centro histórico, até a Aldeia Cabana. Um trajeto de aproximadamente 4,5 km feito sob um sol forte de 35°C.
Nada mais representativo para um ato que teme a falta de decisões efetivas de combate à emergência climática na 30° Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30).
A marcha foi organizada por integrantes da Cúpula dos Povos e da COP das Baixadas, e teve a participação de representantes de organizações de todos os continentes, de povos tradicionais e das comunidades paraenses.
“Estamos aqui com todos os povos do mundo e movimentos sociais para um grito de alerta sobre as ameaças e os ataques aos territórios, e contra defensores e defensoras dos direitos humanos e do meio ambiente. Precisamos que órgãos oficiais e a ONU reconheçam que, para ter transição justa, é preciso proteger quem protege a floresta”, disse Darcy Frigo, do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) e da comissão política da Cúpula dos Povos.
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“Queremos expressar todas as demandas que têm surgido durante a Cúpula dos Povos. Queremos denunciar as falsas soluções para as mudanças climáticas, como fundos de financiamento para florestas. Pedimos para não explorarem petróleo na Amazônia e para não proliferar os combustíveis fósseis em todo o mundo”, disse Eduardo Giesen, coordenador na América Latina da Global Campaign to Demand Climate Justice.
As ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, subiram no carro principal da marcha para manifestar apoio ao ato pelo clima. Marina destacou o caráter mais popular da COP que é realizada no Brasil.
“Depois de outras COPs, em que as manifestações sociais ocorriam apenas dentro de espaços oficiais da ONU, no Brasil, no Sul Global, em uma democracia consolidada, podemos ocupar as ruas. A COP30 permite o encontro das periferias, das águas, das cidades, dos campos, das florestas. Lugares que enfrentam as mudanças do clima. Em que pesem nossos desafios e contradições, temos que fazer um mapa do caminho para transição justa e encerrar a dependência dos combustíveis fósseis”, disse Marina.
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Força cultural
Um dos exemplos das tradições locais de cultura e organização social presentes no ato em Belém foi o Arraial do Pavulagem, grupo que divulga a música popular paraense e amazônica, misturando elementos regionais. O coordenador do Pavulagem, Júnior Soares, entende que é impossível falar de tradições culturais urbanas, sem abordar os extremos climáticos.
“Nós temos 38 anos de construção desse grupo e das apresentações de rua na região de Belém. E as condições ambientais do lugar onde a gente vive sempre foram importantes para nós. Estamos na marcha com uma representação dos nossos brincantes, nos somando a essa luta para pedir um olhar especial do mundo pela Amazônia e para os povos que vivem aqui”, disse Soares.
Marciele Albuquerque, indígena Munduruku, ativista e cunhã-poranga do Boi Caprichoso, foi às ruas para defender a demarcação de terras dos povos tradicionais como política climática.
“A marcha é central para as nossas demandas, porque tem povos, vozes e línguas do mundo inteiro. Uma diversidade cultural muito grande para mostrar a nossa força tanto nas ruas como para o mundo. Nós estamos no centro de todas as discussões na COP30 aqui em Belém, defendendo as pessoas que vivenciam a Amazônia e que pagam pelas consequências climáticas das quais não são responsáveis”, disse Marciele.

Na marcha deste sábado, chamou a atenção uma cobra de 30 metros, com a frase: “Financiamento direto para quem cuida da floresta”. A escultura é resultado de um trabalho coletivo de 16 artistas de Santarém, criada em 15 dias de produção, e apoiada pelo movimento Amazônia de Pé. Construída em parceria com a Aliança dos Povos pelo Clima, a obra apoia a campanha “A gente cobra”, que exige o financiamento direto para as populações que vivem na floresta amazônica.
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Movimentos sociais
O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) trouxe a demanda social por moradia, relacionada aos problemas climáticos. Segundo Rud Rafael, coordenador nacional do MTST, a questão ambiental tem ganhado cada vez mais centralidade nas pautas do movimento.
“Não tem como pensar mais a questão da moradia, sem pensar a questão ambiental. A gente teve no Rio Grande do Sul, por exemplo, um evento climático extremo que impactou mais de 600 mil pessoas. Não tem como pensar mais a questão da moradia só pelo déficit habitacional, quando cada evento climático extremo gera milhares e, às vezes, milhões de impactados. A ideia é colocar a periferia no centro das soluções”, disse Rud.
O ato contou com manifestantes de diferentes organizações internacionais. Kwami Kpondzo, de Togo, na África, veio como representante da Global Forest Coalition, e defendeu a união de todos os movimentos populares como forma de lidar com os problemas ambientais globais.
“Estamos aqui para dar apoio às pessoas impactadas pelas mudanças climáticas, pela degradação florestal, pela mineração, pelo desmatamento. Queremos nos posicionar na marcha contra o capitalismo e o colonialismo. Estamos muito felizes porque as pessoas juntas têm poder e são capazes de mudar esse sistema que destrói o nosso planeta”, disse Kpondzo.
Povo quer ser ouvido
O povo espera e exige ser ouvido nas negociações climáticas da COP30. Esse foi o recado dado pelos movimentos sociais e comunidades de todo o mundo que participaram da Marcha.
Entre as principais reivindicações da manifestação estavam a extinção dos combustíveis fósseis, o fim do financiamento público ao agronegócio, a demarcação de terras indígenas e quilombolas e a retirada dos invasores desses territórios.
Artur Colito, da coordenação estadual do Movimento de Atingidos por Barragens no Pará, afirmou que as negociações climáticas oficiais precisam considerar as ideias e anseios dos movimentos populares.
“As soluções climáticas ela vem de quem já defende as florestas, de quem já protege os biomas, de quem está nos territórios, e muitas vezes é atacado por essas falsas negociações, ou negociações que têm muito mais interesses corporativos do que interesses de fato de preservação do meio ambiente. A gente fala que defender a Amazônia é defender a vida. Já tem pessoas, comunidades tradicionais, indígenas, originários, quilombolas, entre outras, que estão se organizando”.
O Movimento Negro Unificado também participou da Marcha dos Povos pelo Clima. O grupo ressaltou que as consequências da crise climática atingem principalmente as populações que vivem em locais de risco, majoritariamente negras. Marcelino Conti, coordenador estadual do movimento, também lembrou que os povos quilombolas, assim como os indígenas, são os principais responsáveis por proteger as áreas de floresta e mata nativa.
“Aonde tem quilombo não tem garimpo. Onde tem quilombo não tem madeireiro. Não tem desmatamento. A gente não precisa de uma COP30 pra ensinar pra gente como é que a gente vai preservar essa floresta. Eles estão aqui pra fazer um mercado. Transformar nossa floresta numa mercadoria e monetizar em cima disso. Nós estamos há duzentos anos protegendo essa floresta. Os negros que vieram pra cá escravizados”.

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A quilombola Daniele Abreu, da comunidade Bandeira Branca em Inhangapi, no Pará, ressaltou que os territórios quilombolas estão sendo afetados pela pressão da atividade agropecuária extensiva.
“Lá no nosso quilombo, estamos tentando preservar a reserva que ainda existe. Porque muitos rios estão secando. Peixes estão morrendo. Na minha região, são os fazendeiros que estão derrubando, fazendo desmatamento, sem pensar que isso tá degradando o meio ambiente e acabando com a vida dos animais, dos peixes e da floresta”.
A Marcha dos Povos pelo Clima em Belém foi marcada por uma forte presença de povos originários, tanto do Brasil quanto de outros países. Taywade Juruna, da comunidade indígena do Pacajaí, alertou que o território em que seu povo vive já sofre consequências tanto da crise climática quanto de empreendimentos econômicos instalados na região.
“A nossa comunidade é afetada diretamente. Porque lá, foi construído o Belo Monte. Essa questão climática afetou diretamente lá ainda mais. O nosso rio lá secou. Lá não tem piracema mais, não tem igapó. Os peixes lá acabaram. É dizer que nós existimos, resistimos e não queremos mais esses empreendimentos que matam, que destroem o nosso meio ambiente”.
A manifestação pelas ruas de Belém começou por volta das 10h no Mercado São Brás e encerrou perto do meio-dia na Aldeia Amazônica. Os participantes permaneceram no local de encerramento ainda por muitas horas em atividades de protesto.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência Brasil, escrito por Rafael Cardoso; e pela Rádio Agência Nacional, escrito por Daniel Ito
