Como Humaitá se tornou foco do garimpo? Entenda a atuação da Polícia Federal

A abundância de depósitos auríferos no leito do rio, somada às condições geográficas favoráveis e ao acesso fluvial, contribuiu para que Humaitá fosse vista como ponto estratégico para a mineração.

Balsas sendo explodidas na orla de Humaitá, cidade amazonense. Foto: Reprodução/PF

O município de Humaitá, localizado às margens do rio Madeira, no sul do Amazonas, tornou-se ao longo das décadas um dos principais polos da atividade garimpeira na região Norte do país. A abundância de depósitos auríferos no leito do rio, somada às condições geográficas favoráveis e ao acesso fluvial facilitado, contribuiu para que a cidade fosse vista como ponto estratégico para a mineração.

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As características do rio Madeira, que apresenta áreas rasas e bancos de sedimentos ricos em ouro, atraíram sucessivas levas de trabalhadores em busca de oportunidades. Esse movimento impulsionou a formação de acampamentos e balsas de garimpo nas proximidades da cidade, modificando a dinâmica populacional. Em diferentes períodos, o município registrou aumentos repentinos no fluxo migratório, com a instalação de dragas e balsas que, muitas vezes, ultrapassaram a capacidade de fiscalização local.

Reportagens e estudos sobre a ocupação garimpeira no Amazonas destacam que Humaitá se consolidou como um ponto de referência para o garimpo artesanal e mecanizado. Essa realidade está diretamente ligada às questões sociais e econômicas da região, onde parte significativa da população passou a depender da atividade para garantir renda e subsistência.

Um artigo científico publicado em 2015 já falava sobre os impactos ambientais na população de Humaitá por conta das atividades mineradoras. O estudo identificou diversas cooperativas que facilitam o trabalho de garimpo na região, o que normaliza ainda mais a atividade que tanto degrada o ecossistema como um todo.

A atuação da Polícia Federal no combate ao garimpo

Nos últimos anos, a Polícia Federal intensificou operações de repressão ao garimpo ilegal em Humaitá e em outros municípios vizinhos. As ações têm como foco a inutilização de balsas, dragas e equipamentos utilizados para a extração mineral clandestina. Segundo comunicados oficiais, o objetivo é desarticular a infraestrutura responsável por impulsionar a atividade irregular e mitigar os danos ambientais causados pela exploração desenfreada.

As operações são realizadas com apoio de embarcações, equipes em terra e monitoramento aéreo, garantindo maior alcance na fiscalização. A PF também atua de forma integrada com órgãos ambientais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Em algumas etapas, a Força Nacional é acionada para assegurar a ordem pública e a proteção das equipes durante a execução das medidas.

Uma ação da PF realizada em 15 de setembro interditou a orla do município. Vídeos mostram dragas sendo explodidas na região.

Vídeo mostra explosão de dragas na manhã desta segunda (15) na orla de Humaitá. Autor desconhecido

A ação gerou críticas locais, onde a Polícia Federal reafirmou que a destruição de balsas e dragas faz parte da estratégia de combate ao garimpo ilegal na Amazônia. Segundo o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF, delegado Humberto Freire, as operações têm o objetivo de “salvar vidas”, ao proteger comunidades ribeirinhas e povos indígenas que sofrem com os impactos da atividade criminosa.

Em entrevista coletiva pela manhã, Freire destacou que o garimpo ilegal não apenas contamina rios e solos com mercúrio, como também aumenta a vulnerabilidade social de comunidades amazônicas, muitas vezes cooptadas por facções criminosas. Ele citou como exemplo a Terra Yanomami, onde, segundo a PF, ações emergenciais em 2023 reduziram em 96% as áreas de exploração clandestina.

O delegado explicou que a PF atua em duas frentes: operações imediatas em áreas de garimpo e investigações para identificar financiadores e redes de apoio logístico. Entre os alvos estão desde operadores de aeronaves ilegais até pessoas envolvidas em lavagem de dinheiro e exploração sexual em garimpos.

Freire defendeu ainda que o enfrentamento ao garimpo precisa vir acompanhado de políticas de desenvolvimento social: “Não é esmola, é levar riqueza efetiva para essas populações”, afirmou, defendendo projetos de geração de renda para ribeirinhos e indígenas.

Leia também: Relatório aponta que garimpo ilegal não diminui e afeta drasticamente ecossistema amazônico

Reações locais e episódios de tensão

As operações da Polícia Federal em Humaitá, entretanto, não ocorrem sem resistência. Em diferentes momentos, a cidade e seus arredores registraram episódios de tensão quando balsas foram destruídas ou equipamentos apreendidos. Garimpeiros organizados chegaram a protestar contra a inutilização das embarcações, o que resultou em confrontos e manifestações na orla da cidade.

Em operações anteriores, houve relatos de bloqueios temporários de vias e mobilização de grupos que buscavam impedir a atuação dos agentes. Em algumas ocasiões, dragas foram destruídas em larga escala, em operações que duraram dias e mobilizaram centenas de servidores. Esses episódios chamaram a atenção não apenas das comunidades locais, mas também de autoridades estaduais e municipais, que acompanharam de perto os desdobramentos.

Na ação de 15 de setembro, a Prefeitura e a Câmara Municipal de Humaitá também se posicionaram de forma contrária à destruição de balsas e dragas na orla do município. Assim como em Manicoré, as autoridades locais destacaram que a operação da Polícia Federal afetou diretamente famílias que dependem da atividade de extração mineral para sobreviver.

O comunicado ressaltou que as explosões trouxeram riscos à segurança de comunidades ribeirinhas e geraram apreensão entre os moradores. A Prefeitura e a Câmara de Humaitá pediram mais diálogo e planejamento por parte das autoridades federais, reforçando que a fiscalização ambiental precisa ocorrer de forma que não coloque em risco vidas humanas.

As autoridades de Humaitá também defenderam a necessidade de alternativas sustentáveis para garantir o sustento das famílias locais, conciliando preservação ambiental e desenvolvimento social.

Impactos ambientais e justificativas legais

A repressão ao garimpo ilegal em Humaitá está ligada aos impactos socioambientais da atividade. Estudos e relatórios de órgãos ambientais mostram que a mineração clandestina provoca erosão das margens, assoreamento de canais e poluição por mercúrio, afetando diretamente os ecossistemas aquáticos do rio Madeira.

Esses danos também atingem comunidades ribeirinhas que dependem do rio para pesca, abastecimento e transporte. A contaminação por metais pesados é um dos pontos mais críticos, com riscos para a saúde humana e para a fauna local. Além disso, a atividade ilegal ameaça territórios indígenas e áreas de conservação, o que reforça a necessidade de fiscalização federal.

Humaitá deve ganhar delegacia da PF

Após receber a Operação Boiúna, foi anunciado que o município deve ganhar uma delegacia própria para repressão de crimes ambientais. A informação foi confirmada ao Grupo Rede Amazônica pelo coordenador do Centro de Cooperação de Polícia Internacional da Amazônia (CCPI/Amazônia), Paulo Henrique Oliveira, no dia 19 de setembro.

A nova unidade já recebeu autorização para ser instalada na cidade e atualmente passa pela fase de implantação. A previsão é de que a delegacia seja inaugurada no primeiro semestre de 2026.

O objetivo da nova delegacia é fazer com que ações de repressão a crimes ambientais na região deixem de ser pontuais e ocorram regularmente.

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