Herbário MG é o terceiro mais antigo do Brasil, o pioneiro das regiões Norte e Nordeste. Foto: Reprodução/MPEG
Entrar em um herbário, uma coleção de plantas desidratadas e preservadas para estudos botânicos, pode ser comparável a entrar em uma floresta, em uma caatinga, em campos, em cangas, enfim, trilhar os caminhos de um bioma. É assim que Ricardo Secco, biólogo, Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo e pesquisador emérito do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), gosta de definir este espaço privilegiado de exemplares da flora, coletados por especialistas ao longo de 130 anos, celebrados em 2025. O Herbário João Murça Pires, ou Herbário MG (sigla internacional), representa um importante legado para a Amazônia e para o mundo.
O ponto de partida da coleção do terceiro herbário mais antigo do Brasil, e o primeiro das regiões Norte e Nordeste do país, se deu com a coleta de Cleome aculeata L., feita pelo botânico suíço Jacques Huber (1867-1914). A espécie referida é um tipo de planta que cresce espontaneamente em terrenos baldios, frestas de calçadas e muros de áreas urbanas, ou seja, uma planta ruderal, sendo comum encontrá-la na cidade de Belém.
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De 30 de julho de 1895 até os dias atuais, o esforço de coleta e amostragem do Museu Goeldi e parceiros gerou um acervo de, aproximadamente, 255 mil amostras de plantas, sobretudo amazônicas, que documentam a diversidade, riquezas e raridades da flora. A coleção principal de exsicatas se completa com as coleções associadas com amostras de madeira; de frutos; de pólen; de óleos aromáticos; de plântulas e de etnobotânica.
Curador do herbário por 20 anos, até 2015, Ricardo Secco destaca outro aspecto singular do acervo botânico do Museu Goeldi. “O maior acervo de tipos da Amazônia está no Museu Goeldi”, ressalta.
Trata-se de mais de três mil tipos – são as primeiras amostras nomenclaturais, utilizadas para descrever uma espécie nova. Este acervo é um indicador da importância do Herbário MG. A coleção de tipos do MPEG, que incluem imagens digitais em alta resolução, pode ser consultada no site Global Plants e na base de dados do Herbário Virtual do Reflora.

Apenas nas primeiras décadas do Século XXI, o herbário da instituição catalogou mais de cem espécies novas de flora para a Amazônia. No Herbário MG, anualmente, são feitos quatro mil registros de plantas, volume resultante das coletas feitas no campo.
O incremento do acervo é impulsionado por projetos voltados ao conhecimento da diversidade da flora amazônica e por resultados de dissertações e teses dos programas de pós-graduação vinculados ao Museu Paraense. E Secco enfatiza a importância fundamental das coleções do Herbário em todas as pesquisas botânicas.
Valor científico
Doutor em Ciências Agrárias e técnico especializado do Museu Goeldi, Antônio Elielson Sousa da Rocha fala com orgulho de um diferencial científico do Herbário João Murça Pires: “nós primamos pelas coletas mais completas, ou seja, amostras férteis. Ou elas estão com flor ou com fruto. Outros herbários aceitam registrar amostras estéreis. Mas, com amostra estéril você não tem muita segurança na identificação, porque está faltando o caráter mais importante que é a flor”, assegura. Caso uma amostra esteja incompleta, ela pode figurar em coleções didáticas.
Elielson foi contratado pelo Museu Goeldi em 2005, mas, já era bolsista da instituição em 1988. Tem nutrido carinho especial pela coleção histórica, aquela formada por exemplares coletados por botânicos notáveis. “Eu estudo a história da instituição, pesquiso esses naturalistas que trabalharam no herbário e contribuíram com a coleção. São coleções mais frágeis, porque são mais antigas. A gente tem um tratamento diferenciado”, revela.
Dentre as 15 coleções históricas, existem as que estão assinadas por Adolpho Ducke, Ernst Ule, Jacques Huber, Richard Spruce, André Goeldi e Emília Snethlage. Não menos significativas, estão as de João Murça Pires, Walter Egler, Paulo Cavalcante, Nelson Rosa e Ricardo Secco.
Com o alerta científico mundial para a crescente perda de ecossistemas naturais, cabe ressaltar que o herbário também é um guardião de amostras de espécies extintas, ameaçadas ou que anda nem chegaram a ser estudadas.
“Em herbários como o nosso, tão longevos, nós podemos ter uma noção de quais espécies estão extintas ou em risco, porque espécies coletadas 13 décadas atrás e que não são mais encontradas são um indicativo”, pondera Elielson. Indicativo importante para novas pesquisas de campo.

Informatização
Ricardo Secco colaborou com uma série de marcos para a área da Botânica, tanto com a criação do programa de pós-graduação quanto com a adoção de um banco de dados no herbário, na década de 1990. “Um programa de informatização, preparado para herbário pela Universidade de Oxford, ou seja – Botanical Research And Herbarium Management System, o BRAHMS. Era para fazer manejo de coleção de herbário. Foi para informatizar e disponibilizar o material para pessoas que viessem pesquisar”, justifica.
O BRAHMS possibilitou aos pesquisadores a confecção de mapas que, com base nas amostras depositadas no herbário, informavam áreas de ocorrências de plantas de valor econômico, como a mandioca, seringueira, copaíba, andiroba e cedro, entre outras.
Atualmente, a instituição adota o programa Specify, que Elielson define como uma ferramenta mais intuitiva. “Tem um terceiro para o qual estamos pensando em migrar, o Jabot, que é do Jardim Botânico, do Rio de Janeiro. É um banco de dados construído no Brasil e é específico para Botânica”, argumenta o professor.
O professor Ricardo Secco segue como pesquisador voluntário do Museu Goeldi desde sua aposentadoria. E a família das Euphorbiaceae, que engloba a seringueira e inúmeras outras espécies, é predileção dele desde o início da carreira, por “uma sugestão do doutor João Murça Pires”, admite.
Quem é João Murça Pires?
O pesquisador paulista que dá nome ao herbário do Museu Goeldi é um especialista da taxonomia da flora amazônica, tendo sido orientado por Adolpho Ducke, inicialmente. Seus trabalhos se tornaram clássicos e até hoje são os mais completos e consultados.
Os méritos de Murça Pires extrapolam sua enorme contribuição no Museu Goeldi, onde trabalhou de 1975 até sua aposentadoria. Murça Pires também fundou quatro herbários no Brasil: o do IAN – precursora do Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte/Ipean, hoje chamado Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Oriental/Cpatu/Embrapa; o da Universidade de Brasília; o da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira/Ceplac, em Itabuna; e, por fim, o da Universidade Federal do Maranhão. Saiba mais sobre esse fascinante personagem da ciência brasileira no artigo “Vida e obra de João Murça Pires (1917-1994)”.
Um mundo a descobrir
Além da visita de pesquisadores, o herbário do Museu Goeldi abre as portas para turmas de alunos de Ensino Médio, no intuito de despertar o interesse dos jovens para o estudo das plantas da Amazônia. Elielson escolhe um caminho para este processo de sedução.
“Muita gente, quando pensa em planta, pensa em um ser estático, que não tem movimento, não tem inteligência. Eu gosto de mostrar, justamente, alguns mecanismos que as plantas desenvolvem e são muito interessantes”, revela.

Para ilustrar essa criatividade tão encantadora da flora, ele menciona: “existe polinização das plantas que é feita pelo vento. A maioria das plantas, no entanto, depende de vetores, de animais, como pequenos mamíferos e, sobretudo, insetos. Mas, o mérito não é só do animal. Metade do esforço é da planta, de criar mecanismos, de criar estruturas para atrair esse animal para a planta. Essa é a grande sacada das plantas”.
Elielson conta para as novas gerações, que visitam o Herbário MG em programações como o Museu de Portas Abertas ou em cursos de extensão direcionados a professores do ensino fundamental e médio, existirem “plantas que se camuflam de uma abelha feminina para atrair o polinizador. Existem plantas que atiram grãos de pólen para que colem no corpo do animal. Existem vários mecanismos que as plantas utilizam para realizar o cruzamento entre as plantas, fazer a fecundação e transformar a flor em fruto. Esses mecanismos são os mais diversos possíveis. Quando as pessoas conhecem, se apaixonam pela flora”.
Junto com André Gil, atual curador do acervo botânico da instituição, Elielson assina a edição Herbário, da série Coleções Científicas do Museu Goeldi, voltado aos jovens e acessível online.
*Com informações do MPEG
