Há mais de uma década a produção de cacau vem passando por transformações no Pará, estado que concentra mais de 50% da produção nacional do fruto, com participação em uma indústria que, segundo a Embrapa, movimenta R$ 3,5 bilhões ao ano no país. Ao longo dessa transformação, novas portas se abriram ao mercado produtor e consumidor. Isso permitiu que indígenas empreendedores da região do Médio Xingu, com o apoio de projetos de responsabilidade social da Norte Energia, concessionária da usina Belo Monte, se lançassem nessa saborosa empreitada, através de iniciativas próprias com potencial de se tornarem negócios lucrativos.
Marcas como Karaum Paru e Yudjá vêm conquistando o Brasil e ganhando participação em eventos do setor. Exemplo recente foi a edição do Chocolat Xingu, festival internacional realizado entre em junho passado na cidade de Altamira, sexta maior produtora de cacau do estado. De origem amazônica e produzidos a partir das amêndoas do fruto, ambas as marcas foram lançadas durante o evento, com o diferencial de carregarem em suas composições os saberes dos povos originários e a preservação da natureza e da biodiversidade.
É também uma forma de fortalecer a cultura indígena, valorizar frutas regionais e gerar renda para as comunidades. Além do valor agregado ao fruto do cacau, iniciativas como essas vão ao encontro de linhas sustentáveis de beneficiamento, especialmente à produção do chocolate em suas várias formas, cores, aromas, sabores e teor.
Os dois chocolates nasceram do trabalho dos povos indígenas Arara da Volta Grande do Xingu e Yudjá, em parceria com a Norte Energia, e com a Cacauway, primeira fábrica de chocolate da região. A expectativa é que a parceria gere renda para seis aldeias da Terra Indígena Paquiçamba e para quatro da Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu.
O Karaum Paru e o Yudjá foram criados após o sucesso de outras duas marcas de chocolates com proposta semelhante e que também surgiram na região. O Sidjä Wahiü (“Mulher Forte”), iniciativa da líder indígena Katyana Xipaya, da comunidade Ribeirinha de Jericoá 2, na região da Volta Grande do Xingu, foi lançado também graças a programas de apoio da Norte Energia. Virou uma referência de visibilidade nacional.
Outro caso bem-sucedido é o do chocolate Iawá – nome é uma homenagem à matriarca da comunidade – desenvolvido pelos Kuruaya, premiado com o 3° lugar na categoria Melhor Chocolate ao Leite 50% Cacau, na edição de 2023 do Chocolat Xingu.
Uma das representantes da marca Yudjá, Leliane Jacinto Juruna, da aldeia Mïratu, da Terra Indígena Paquiçamba, esperava a oportunidade de trabalhar com a produção de chocolate desde que uma oficina foi realizada na comunidade em 2022. “É uma oportunidade muito boa que estamos tendo, porque é única. Eu tive uma criação, por morar na aldeia, mas os meus filhos vão ter outra visão, porque eles já vão aprender a trabalhar com cacau e com chocolate, o que vai gerar uma boa renda e valorizar o que a gente está fazendo”, comemora a Leliane, grávida do quinto filho.
Gerente de Projetos de Sustentabilidade da Norte Energia, Thomás Sottili destaca a importância da valorização da cultura indígena e da geração de renda para as comunidades.
“Nosso objetivo é construir um legado positivo e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico dos territórios onde a Usina está instalada. Temos como premissas no processo de desenvolvimento dos chocolates potencializar as produções indígenas, incentivar o empreendedorismo sustentável, dialogar com as comunidades na elaboração das identidades visuais, agregar valor nas vendas e trazer desenvolvimento socioeconômico com foco na qualidade de vida da população e na proteção ambiental da bacia do rio Xingu. Queremos criar uma experiência sensorial capaz de honrar, pelo menos, parte de toda biodiversidade amazônica”, explica Thomás Sottili, responsável pelo programa.
Apesar dos quatro chocolates serem resultados recentes do apoio de projetos como o Belo Monte Empreende e o Belo Monte Comunidade, a jornada dos indígenas com o cacau começou bem antes, há cerca de dez anos, com a execução do Plano Básico Ambiental do Componente Indígena da Usina Hidrelétrica Belo Monte.
“Nos últimos anos, os povos indígenas vêm desconstruindo estereótipos e lançando-se em empreendimentos próprios, inclusive os gerados em torno do licenciamento ambiental. Ações dessa natureza, além de implementar o etnodesenvolvimento, oportunizam criar seus próprios negócios e gerar melhorias para suas comunidades, o que também contribui para a economia em geral”, avalia Sabrina Miranda Borges, Gerência Socioambiental do Componente Indígena da Norte Energia.
Karaum Paru
As quatro aldeias da Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu (Terrawangã, Guary-Duan, Itkoum e Maricá), no Pará, abrigam cerca de 78 famílias que cultivam as amêndoas usadas no Karaum Paru. O chocolate é leve, com 53% de cacau, contém cupuaçu desidratado, equilibrando a acidez típica da fruta amazônica com o doce do chocolate ao leite, o que resulta em um sabor único.
Yudjá
As seis aldeias da Terra Indígena Paquiçamba (Mïratu, Iya -Pukaká, Lakariká, Pupekuri, Jaguá, além da Paquiçamba), no Pará, abrigam aproximadamente 92 famílias que cultivam, de maneira integrada com a floresta, as amêndoas do Yudjá. O chocolate, feito com manteiga de cupuaçu, tem 63% de cacau e leva mangarataia, um gengibre cultivado na Amazônia, que traz um toque forte e apimentado, realçando o sabor intenso desse delicioso alimento.