Conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais em comunidade quilombola são pesquisados no Maranhão

Pesquisadora faz parte da comunidade quilombola Pericumã e explica que escolheu este local como objeto de estudo para sua pesquisa devido ao seu vínculo pessoal com a comunidade.

“Diversidade e valor de uso de plantas lenhosas na baixada maranhense, Amazônia Oriental, Brasil”, é uma das pesquisas desenvolvidas no âmbito da pós-graduação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Realizada no doutorado em Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (BioNorte), a pesquisa, de autoria de Ingrid Fabiana Fonseca, foi premiada na última edição do Prêmio Fapema 2023.

Ingrid Amorim é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Maranhão, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (BioNorte) e realizou sua pesquisa sob a orientação dos professores Eduardo Bezerra de Almeida Júnior e Reinaldo Farias Paiva de Lucena, responsáveis por projetos na área da Botânica. 

A pesquisa explorou o uso de plantas por uma comunidade quilombola na Baixada Maranhense, com o objetivo de compreender como as pessoas utilizam, cuidam e conservam essas plantas. Os resultados revelaram uma notável consciência e cuidado por parte da população, ressaltando a importância de preservar as práticas tradicionais.

A pesquisadora faz parte da comunidade quilombola Pericumã, localizada no município de Bequimão, e explica que escolheu este local como objeto de estudo para sua pesquisa devido ao seu vínculo pessoal com a comunidade.

Foto: Divulgação/UFMA

Direcionando o estudo para o uso de recursos naturais pela população da comunidade e a importância dos seus conhecimentos tradicionais para o uso das plantas em sua economia, alimentação e para usos medicinais, a metodologia adotada foi de censo, entrevistando membros das famílias da comunidade. Foram ao total 32 entrevistas, durante fevereiro de 2019 e novembro de 2020.

Com o início da pandemia de covid-19, as entrevistas com residentes foram encerradas, e a pesquisa continuou por meio da identificação das etnoespécies coletadas durante as visitas presenciais à comunidade, usando com base para caracterização as plataformas botânicas, Specieslink e a Flora do Brasil. A classificação das espécies dentro do estudo foi avaliada por meio de cálculos de dois montantes, o valor de uso (VU) e a importância relativa (IR). Dos 32 entrevistados, 30 tinham conhecimento sobre plantas medicinais, com uma distribuição etária variada e predominância feminina.

A pesquisadora destaca que, por meio dessa metodologia de pesquisa, foi possível perceber que a maioria das plantas utilizadas pela comunidade já tinham uma caracterização científica e utilidade comprovada pela medicina, porém se diferenciando nas nomenclaturas utilizadas por cada um.

Ingrid Amorim ressalta também que, mesmo seguindo uma metodologia que abordou o uso de todas as plantas mais importantes da região, algumas não foram possível analisar de maneira científica, pois seu papel para o povo da comunidade era cultural, servindo como recurso ritualístico.

“Entre as plantas citadas por eles que avaliamos, o principal uso era para servir de alimentação ou medicinal, porém também existem plantas que eles utilizavam de forma ritualística, que, mesmo catalogando, não foi possível de forma científica averiguar a eficácia da utilização, já que se trata de uma medicina espiritual, e não uma medicina física. Um exemplo disso ocorreu quando conversei com uma senhora que possuía vários tipos de rosa do deserto em sua casa, de várias espécies, e, quando fui catalogar isso, ela me explicou que cada uma delas possui uma função diferente e servia para um tipo de doença espiritual diferente”.

A pesquisadora explica que os principais desafios enfrentados durante a pesquisa foram a adaptação ao cotidiano da comunidade Pericumã na primeira etapa da investigação e, posteriormente, o impacto do início da pandemia de covid-19 no andamento da pesquisa, que ocorreu entre 2019 e o segundo semestre de 2020.

“Trabalhar com comunidades tradicionais é sempre um desafio, porque a gente precisar ir à comunidade, se habituar com o modo de vidas deles, a gente precisa viver a vida deles, e não importa o nosso modo, apesar de ser distante da nossa realidade, precisamos conhecer o dia a dia deles, e nos adequarmos a isso para podermos começar a pesquisa. Durante a pandemia, eu não pude ir à comunidade, foi bem frustrante porque eu queria ir e continuar o trabalho, mas eu não podia botar em risco a saúde de ninguém. Então, para continuar, o líder da comunidade começou a se comunicar comigo por WhatsApp, e, quando eu precisava, ele ia à sede, conectava a internet e eu fazia perguntas a ele, e ele ia entrevistar as pessoas com quem eu precisava me comunicar, tirando dúvidas do que eu já tinha recolhido antes também, e ele perguntava a eles o que cada coisa significava, foi uma troca importante, ele recolhia as informações importantes da comunidade, me passava e eu repassava para o meu coordenador. Além disso, eu também conversava com a minha bisavó, que morava comigo em São Luís na época, e tirava dúvidas com ela sobre o que as pessoas respondiam, ela me explicava o que cada um dos termos que eu não entendia significava para eles na linguagem popular da comunidade”, declara.

O orientador da pesquisa, Eduardo Bezerra, enfatiza a importância de incluir a comunidade analisada nos resultados obtidos, oferecendo-lhes um produto relacionado à pesquisa. Isso permite que a comunidade compreenda sua própria importância e a relevância do seu conhecimento.

“Um dos pontos principais disso é devolver à comunidade o que eles nos apresentaram, trazendo para o meio acadêmico e estudando, avaliando, e averiguando essas informações que eles trouxeram, e, após comprovar o conhecimento deles, nós entregamos a devolutiva, reconhecendo a relevância disso. Uma das preocupações deles é que esse conhecimento se perca por falta de continuidade, porque as novas gerações já não têm interesse em aprender essas tradições e continuar propagando. Então a maioria da comunidade quer receber esse produto gerado da pesquisa para se ver nisso, ver que nós estamos pegando esse conhecimento com eles e reconhecendo a cultura deles, não apenas retirando e levando embora sem respeito a isso, então é algo muito importante que eles possam receber o resultado da pesquisa em mãos para ver esse reconhecimento pelas suas tradições. E propagar esses conhecimentos mesmo que de forma direcionada ao meio acadêmico é uma forma deles verem que a cultura e aprendizagens tradicionais não vão se perder e que poderão ficar registrados”, frisa.

Foto: Divulgação/UFMA

Ingrid também destaca seu interesse em desenvolver, por meio da pesquisa, uma produção que possa ser utilizada na educação das crianças de Pericumã e servir como base educacional e cultural. Assim, mesmo que essas crianças decidam sair da comunidade futuramente, para estudar em outras cidades, terão uma sólida formação de origem.

A pesquisadora explica que o estudo também foi muito importante para o reconhecimento da comunidade tradicional de Pericumã e seu conhecimento popular a respeito do uso de plantas em sua formação social e cultural. 

Há muita falta de divulgação da etnobotânica no Nordeste, especialmente no Maranhão, e por essa falta de conhecimento disseminado, mesmo com a baixada maranhense sendo rica em comunidades quilombolas, não existiam trabalhos direcionados para elas, então o meu trabalho foi pioneiro nisso, voltado para a comunidade Pericumã, e com objetivo de assim sucessivamente dar espaço para outros trabalhos serem desenvolvidos. Pericumã não era reconhecida na época, e, desde então, muitas portas foram abertas para a comunidade, e, hoje em dia, ela já possui o registro como comunidade tradicional. Já existem outros trabalhos sendo desenvolvidos lá, principalmente para a área social, pois muitos necessitam, e também passou a ter mais visibilidade para a parte de festejos tradicionais e, principalmente, para dar à comunidade maior poder sobre sua voz e saber até onde ela pode se impor”, reitera. 

Eduardo Bezerra salienta a importância de conciliar o conhecimento popular e o científico na pesquisa e como isso é enriquecedor para ambas as partes, tanto a academia como a comunidade tradicional.

O orientador também ressalta quão importante é o apoio da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), do Programa de Pós-Graduação em  Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (BioNorte), e da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão foi para a realização da pesquisa. 

Para saber mais sobre a pesquisa, acesse um artigo que é uma ramificação da tese da autora.

*Com informações de UFMA

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