Escavação encontra alicerce de hospital centenário e objetos da época da construção da ferrovia em Rondônia

Escavação arqueológica evidenciou parte do antigo Hospital da Candelária, unidade de saúde criada em 1907 para atender os trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

Pesquisadores do curso de Arqueologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) realizaram em maio, em Porto Velho, a primeira escavação arqueológica em área urbana no Estado. A escavação arqueológica evidenciou parte do alicerce do antigo Hospital da Candelária, uma unidade de saúde criada por volta de 1907 para atender os trabalhadores durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) e que agora é denominada de Sítio arqueológico Candelária, e mais alguns achados importantes para o resgate dessa parte da história do município.

O local escavado nessa etapa corresponde ao que antigamente era a Casa dos Operários e também o necrotério do complexo hospitalar da Candelária. A fundação que deu sustentação ao prédio há mais de um século, as antigas tubulações de água, ainda metálicas, as canaletas do sistema de esgotamento sanitário e os próprios tubos de esgoto, feitos de cerâmica, estavam lá, soterrados pela ação do tempo e também humana.

Escavação no sítio histórico da Madeira-Mamoré. Foto: Divulgação/UNIR

Segundo a professora Juliana Santi, docente no curso de Arqueologia da UNIR e coordenadora da atividade, a estrutura centenária encontrada pelos pesquisadores foi muito bem planejada e considerada uma engenharia moderna para a época. Todo o sistema de encanamento veio de fora do Brasil, diretamente dos Estados Unidos para ser utilizado aqui, e por esse motivo também se diferencia do que é encontrado em outras regiões do país da mesma época.

Ao todo, o complexo do Hospital da Candelária, uma estrutura de saneamento básico e atenção à saúde, era formado por 29 espaços diferentes, entre os quais cinco enfermarias com capacidade para 48 leitos cada uma, sala de cirurgia, farmácia, casa dos médicos, casa dos enfermeiros, horta, cozinha, curral, cocheira, galinheiro, carpintaria, entre outros, além do cemitério. 

“A importância desse estudo é mostrar que essa estrutura, que foi abandonada, poderia ter sido preservada, mas não foi por questões políticas. A história oficial fala da construção da estrada de ferro, dos médicos, dos enfermeiros, dos engenheiros, mas essa estrutura, evidenciada pela Arqueologia, está mostrando outras pessoas que também trabalhavam aqui, não diretamente na ferrovia, e sim dando o suporte necessário para a construção, como os operários, os trabalhadores da horta, do curral, as pessoas que faziam a comida e que limpavam o local, e é a História dessas pessoas invisibilizadas que queremos contar”,

destaca Juliana.

Escavação no sítio histórico da Madeira-Mamoré. Foto: Divulgação/UNIR

O estudo é realizado por professoras, alunos e alunas do curso de Arqueologia da UNIR além de voluntários que auxiliam na escavação. “São estudantes daqui, nascidos na região, que tem pais, avós e bisavós que fizeram parte dessa história e estão aqui, através da Universidade, resgatando e documentando essas memórias”, disse a professora.

Paulo Maia, estudante do 8º período de Arqueologia, é um desse alunos que está participando do estudo.

“Encontramos um frasco antigo de sal de frutas e outros fragmentos que também ajudam a contar parte dessa história desconhecida da cidade”,

disse.

Os achados arqueológicos e vestígios das ocupações 

No sítio Candelária, os pesquisadores encontraram a fundação de uma casa e outros “artefatos arqueológicos” datados da época da construção da EFMM e de períodos posteriores, de quando o local foi transformado no orfanato Educandário Belisário Pena. 

Frasco antigo de sal de frutas. Foto: Divulgação/UNIR

Da estrutura, ficaram evidentes os alicerces, as valetas, o encanamento para água e o sistema de esgoto do local. Além disso, também foram encontrados fragmentos de louças de porcelana, ganchos de metal, possivelmente do frigorífico que atendia ao hospital, frascos antigos de remédio, garrafas de vidro de água tônica e cravos de metal característicos da ferrovia. A garrafa d’água, por exemplo, data do período entre 1865 e 1910 e era trazida dos Estados Unidos. São materiais que, de acordo com os pesquisadores, evidenciam a grandiosidade e complexidade da estrutura do antigo hospital.

Já dos períodos mais recentes, muito provavelmente da época do orfanato, os pesquisadores encontraram fragmentos de materiais infantis como pedaços de roupas e tecidos, pedaços de brinquedos e solados de sapatos infantis. 

“Ao conversar com moradores da comunidade e estudantes que participaram do projeto, percebemos que as pessoas conhecem o cemitério da candelária, que é tombado como patrimônio histórico da União, e lembram do orfanato, mas o hospital foi sendo apagado ao longo do tempo. É essa história, a história dos trabalhadores e trabalhadoras que passaram por aqui que pretendemos contar”,

comenta Juliana Santi.

Trabalho de escavação arqueológica 

O trabalho de escavação é feito em etapas. Conforme vão sendo retiradas as camadas de terra do sítio arqueológico, é que vão aparecendo os indícios das ocupações do local. Quanto mais profunda a escavação no solo, mais antigos serão as comunidades estudadas, bem como os artefatos encontrados, pois, com o passar do tempo, a terra e os sedimentos vão encobrindo os materiais.

A professora Juliana Santi explica que as raízes das árvores encontradas nas escavações são mantidas por uma questão de preservação ambiental, mas também para demonstrar as modificações provocadas no sítio arqueológico. Além da ação do tempo, há também a ação humana que interfere na preservação das evidências e dificulta a realização dos estudos. 

“Percebemos que as estruturas do complexo foram claramente revolvidas, e a Casa dos Operários é uma das poucas, talvez a única, que permanece in situ [no lugar]”,

disse.

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