Ericky Nakanome, presidente do Conselho de Artes do Caprichoso, e Enéas Dias, compositor do Garantido. Montagem: Reprodução/Redes Sociais
O Festival Folclórico de Parintins é o ápice da maior manifestação cultural à céu aberto do mundo, protagonizada pela rivalidade entre os bois Caprichoso e Garantido dentro do Bumbódromo, arena na cidade amazonense que recebe anualmente a disputa. O confronto entre os bois-bumbás envolve vários itens que são avaliados pelos jurados e um deles é a toada, o elemento musical central das apresentações de cada bumbá.
Num ritmo musical que mistura sons indígenas e outras sonoridades, as toadas são canções que descrevem as características históricas, geográficas e socioculturais dos bois e dão forma ao “dois pra lá e dois pra cá”, que são as tradicionais coreografias. Mas você sabe como faz para ser um compositor de toada?
Entre os dias 20 e 24 de outubro, os bois Caprichoso e Garantido lançaram editais de seleção das toadas que irão compor os álbuns das agremiações para o festival de 2026. Com direito à premiação em dinheiro, as seletivas são voltadas para compositores maiores de 18 anos ligados aos respectivos bois, e visam a escolha de toadas livres ou genéricas, consideradas aquelas que enfatizam a galera.
No lado do Caprichoso, a seletiva está com inscrições abertas até 15 de dezembro de 2025 e podem ser feitas através do e-mail caprichososelecaotoadas2026@gmail.com. Não há limites para toadas inscritas e o edital pode ser conferido neste link.
Já do lado Garantido, o prazo de inscrições abertas vai até 20 de novembro deste ano, por meio do endereço eletrônico secretaria@garantido.com.br. A agremiação estabeleceu o limite máximo de três toadas por autor e a proibição do uso de inteligência artificial no processo de criação musical. Mais informações podem ser conferidas aqui.
O Portal Amazônia conversou com Ericky Nakanome, presidente do Conselho de Artes do Caprichoso, e Enéas Dias, compositor do Garantido, para explicar como funciona o processo de criação deste gênero musical e o que precisa para fazer uma toada de sucesso explodir dentro da Arena.
Estudo do tema
O lançamento dos temas marca o início do processo de criação artística dos bois para o festival. Nesta semana, Caprichoso e Garantido anunciaram os temas para a 59º edição da festa tupinambarana: atual campeão, o Boi da Baixa escolheu “Parintins: Portal de Encantamento”, enquanto que Touro Negro terá como lema “Caprichoso: Brinquedo que Canta seu Chão”.
Para Enéas, compositor do Garantido, a definição dos temas é fundamental para que o compositor entenda o contexto artístico do boi na temporada para criação de uma toada.
“A primeira dica que eu dou é entender o momento que o boi vive e quais as concepções artísticas que você pode oferecer naquele momento. Às vezes, o boi tende a uma determinada apresentação, então eu costumo primeiro estudar o espetáculo para depois apresentar uma proposta, dentro daquilo que o Garantido propõe e pensa também”, pontuou Dias, compositor do Boi vermelho e branco há mais de 20 anos.
Além de compositor, Enéas Dias é membro da Comissão de Artes do boi Garantido. Foto: Reprodução/Instagram-Enéas Dias
Sentimento
A paixão do torcedor de boi é o principal “requisito” para quem pretende ser um compositor de uma toada, segundo Ericky Nakanome. O diretor do Caprichoso afirma que o sentimento é um fator crucial para o sucesso do item musical.
“Toada é sentimento. Ela precisa ter força, tocar a alma, ser um hino que os torcedores possam alcançar seus sentimentos por meio daquela letra que sai de boca do levantador de toadas e explode no Bumbódromo. Por mais que a gente busque avaliar a técnica de uma toada, o que define é a paixão do torcedor, de sentir a energia, que aquela toada vai dar gás para brincar de boi e que vai flamejar dentro do peito”, pondera Nakanome, que é presidente do Conselho de Artes do boi Caprichoso desde 2016.
Presidente do Conselho de Artes do boi Caprichoso, Ericky Nakanome ocupa o cargo desde 2016. Foto: Reprodução/Instagram-Ericky Nakanome
Identidade
Outra dica importante para quem quer compor uma toada é a particularidade. Segundo Enéas, o compositor precisa apresentar sua identidade na toada, ou seja, “deixar o seu DNA” na produção do item musical.
“Você precisa deixar na toada o seu DNA, a sua forma de compor, a sua identidade, para que quando toque a sua toada, seja diferente das outras. Tem que ter uma característica sua na toada, isso é de muita valia para que chame a atenção que tem algo diferente dos outros. Isso sem falar numa boa produção, muito importante também a construção melódica, harmônica e poética que caracterize boi”, pontua Enéas, que compôs sua primeira toada em 2005, intitulada “Curumim da Baixa” e desde então é presença constante nas produções audiovisuais do Garantido.
Ericky também reforça que a importância da singularidade do compositor é fundamental durante o processo de escolha das toadas.
“A composição de uma toada é livre, solta, ela tem um rumo, mas não existe uma receita de se fazer toada. A gente escolhe as boas toadas e elas se encontram na singularidade de cada compositor, no seu estilo, na sua maneira de organizar a métrica, a letra, a musicalidade”, frisou Nakanome, que também contribuiu em composições de toadas marcantes como “É Tempo de Retomada”, deste ano.
Ericky Nakanome, presidente do Conselho de Artes do Boi Caprichoso:
“É ser alquimista de emoção, é materializar toda e qualquer essência de sentimento que o torcedor quer reverberar na arena do Bumbódromo”.
Enéas Dias, compositor do Boi Garantido:
“É sempre buscar fazer algo muito melhor daquilo que você já fez. Lutar para sempre tentar fazer algo diferenciado, eu sempre digo que a minha melhor toada tem que ser a próxima, isso que é o grande desafio do compositor de toadas”.
Festival Folclórico de Parintins é protagonizado pelos bois Caprichoso e Garantido. Foto: Reprodução/Portal da Cultura AM
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) abriu, no dia 20 de outubro, consulta pública para que a sociedade possa se manifestar sobre a proposta de registro do Ofício de Tacacazeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Até o dia 19 de novembro de 2025, qualquer pessoa pode enviar sua opinião, sugestões ou informações sobre esse tradicional saber amazônico.
As manifestações podem ser enviadas por e-mail para conselho.consultivo@iphan.gov.br, por correspondência para o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural no endereço SEPS 702/902, Centro Empresarial Brasília 50, Bloco B, Torre Iphan, 5º Andar, Brasília-DF, CEP 70390-135, ou através do Protocolo Digital do Iphan disponível no site oficial do instituto.
Após o encerramento do prazo, todas as contribuições recebidas serão analisadas pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão máximo de decisão do Iphan para o reconhecimento de bens culturais brasileiros.
A consulta pública representa uma oportunidade para que a população, especialmente quem vive, pratica ou conhece de perto essa tradição, possa contribuir com informações, relatos e opiniões sobre o ofício das tacacazeiras, garantindo que o processo de reconhecimento passe pelas mãos da comunidade detentora que resiste ao tempo e continua alimentando os nortistas na região amazônica.
O pedido de registro do Ofício de Tacacazeiras começou em 2010, quando o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) solicitou a inclusão no Livro dos Saberes, como parte de um trabalho maior de documentação das celebrações e saberes relacionados à mandioca no Pará, que já havia sido incluído no Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) em 2006.
Em 2024, o processo ganhou novo impulso com o início da pesquisa e construção do dossiê, realizado em parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), aproximando ainda mais o reconhecimento como Patrimônio Cultural do Brasil.
O Bosque da Ciência, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), em Manaus (AM), apresenta seu mais novo atrativo: a Trilha Sensorial de Madeira. O visitante poderá ter uma vivência sensorial ao andar descalço na trilha sensorial feita com resíduos de árvores caídas e de madeiras para uma imersão de bem-estar focada no simples ato de caminhar descalço.
A trilha é fruto da pesquisa de mestrado de Isabella Ono, do Programa de Pós-Graduação em Ciências de Florestas Tropicais (PPG-CFT) do Inpa, com orientação do Dr. Niro Higuchi do Laboratório de Manejo Florestal (LMF) e coorientação da Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi, do Laboratório de Psicologia e Educação Ambiental (LAPSEA).
O projeto investiga o uso de resíduos de madeira como um recurso de sensibilização para a restauração psicológica e o bem-estar dos caminhantes.
Sobre a Trilha
A estrutura da trilha foi construída com 19 segmentos de madeira da Amazônia, todos eles provenientes de árvores caídas e reaproveitadas da Reserva Experimental ZF2 e Bosque da Ciência, reforçando o compromisso com o uso sustentável.
Foto: Anne Karoline/Inpa
Entre elas, estão o mogno, a castanheira, o breu branco e a matamatá em troncos, ripas e discos, cavacos, pó de serragem, folhas, cascas e madeira em decomposição (paú ou paul).
As madeiras foram dispostas de forma a criar um percurso sensorial que explora as diferentes texturas, formas, cheiros e densidades de espécies amazônicas. A idealizadora do projeto, Isabella Ono, explica que o percurso explora as propriedades multissensoriais da madeira a partir do contato com os pés descalços.
Nesse caminhar atento e introspectivo, o visitante poderá sentir os benefícios de bem-estar físico e psicológico próprios do contato com a natureza.
Vários estudos científicos comprovam que, ao se caminhar descalço, há uma troca de elétrons com a terra, ajudando a descarregar a carga elétrica acumulada pelo corpo e promovendo sentimentos de restauração psicológica. Outros sentidos também serão ativados e proporcionarão sensações restauradoras da atenção e do estresse.
A pesquisadora do Inpa e coordenadora do Lapsea, Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi ressalta a importância psicosocial da trilha para a (re)conexão com a natureza. Ela afirma que, na vida turbulenta e estressante da vida urbana, as pessoas estão vivendo um “transtorno do déficit de natureza”, que acaba por trazer sérios problemas físicos e mentais às pessoas. Nesse sentido, a trilha sensorial do caminhar descalço pode ser uma estratégia a ser utilizada em parques verdes urbanos e em escolas para reverter esse adoecimento.
“A trilha serve como um momento terapêutico natural que proporciona calmaria e experiências inovadoras, principalmente para as crianças e os adolescentes, pois vemos que estes têm cada vez menos contato com a natureza”, explica a coordenadora.
Sobre a visita
A Trilha Sensorial de Madeira está localizada ao lado da Casa da Ciência e está aberta a todos os públicos, sendo crianças, jovens, adultos ou idosos. Ela acompanha o horário de funcionamento do Bosque da Ciência que vai de terça a domingo, das 9h às 16h30. A entrada para a trilha é livre, sendo necessário apenas o agendamento de visita para o Bosque.
Ferroada de arraia causa dor intensa e dolorosa em humanos. Foto: Reprodução/Governo do Tocantins
Imagina você curtindo uma praia e ter seu momento de lazer interrompido por uma picada, seguida de uma dor tão intensa capaz de causar desmaios. Bom, melhor não imaginar, né? Mas esse é o cenário provocado por uma ferroada de arraia, um tipo de peixe que vive em orlas brasileiras e rios da região amazônica.
Essas espécies, apesar de serem normalmente inofensivas, utilizam um ferrão venenoso para se proteger de ataques ou quando são pisadas sem querer por humanos, o que geralmente acontece, causando ferimentos graves e dolorosos. Mas o que se fazer em caso de uma ferroada de arraia?
As arraias de água doce, da família Potamotrygonidae, são peixes cartilaginosos e que só existem na América do Sul. Foto: Reprodução/Ministério da Saúde
O Portal Amazônia conversou com Lucas Castanhola Dias, biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e especialista em morfologia, fisiologia e toxinologia de arraias de água doce, para entender como proceder após este tipo de lesão.
Fui ferroado pela arraia. E agora?
Lucas explica que o primeiro passo é retirar a vítima da água e lavar a ferida o mais rápido possível, de preferência com água morna. Segundo o biólogo, a medida ajuda no alívio da dor, que é imediata e extremamente intensa após a ferroada.
“O primeiro passo é manter a calma e retirar a vítima da água. Em seguida, deve-se lavar a ferida com água limpa para retirar resíduos de areia ou fragmentos do ferrão. Um dos cuidados mais eficazes para alívio da dor é a imersão da região afetada em água quente, pois o calor ajuda a inativar parte das toxinas do ferrão”, conta Dias, reforçando que a temperatura da água não pode ser tão quente, para não causar queimaduras.
A ferroada de arraia acontece geralmente quando os humanos pisam sem querer no animal, que se defendem com o ferrão. Foto: Reprodução
Após essa etapa, o paciente deve procurar uma unidade de saúde para um atendimento mais adequado tanto para ferida, quanto para o tratamento dos sintomas, que podem indicar a gravidade da lesão.
“O paciente precisa ser levado o quanto antes a uma unidade de saúde, onde será feita a limpeza adequada da ferida, avaliação da necessidade de antibióticos e a retirada de fragmentos que podem permanecer alojados. Além da dor, ocorre inchaço, sangramento, vermelhidão e, em alguns casos, necrose ao redor da lesão. Sintomas sistêmicos, como náusea, vômito e dificuldade de respiração, também podem acontecer e indicam gravidade”, pontuou Castanhola.
Descrita por muitos como insuportável, a dor causada pela ferroada de arraia, de acordo com Lucas, é causada por uma série de fatores que vão desde questões físicas do ferrão até uma combinação de ações químicas.
“O ferrão possui bordas serrilhadas que causam um trauma profundo e irregular nos tecidos, enquanto o epitélio que recobre o ferrão libera toxinas que diminuem nosso limiar de dor e desencadeiam processos inflamatórios. Essa associação de trauma físico e ação química é o que torna a ferroada tão dolorosa”, salienta Dias.
Ferroada de arraia causa morte?
De acordo com o biólogo, a ferroada de arraia só causa a morte em casos raros e de muita gravidade.
“Isso só acontece quando o ferrão atinge regiões vitais, como tórax ou abdômen, perfurando órgãos internos ou grandes vasos sanguíneos. Outro risco importante são as infecções graves que podem evoluir para septicemia, especialmente quando não há atendimento adequado e rápido”, explica Lucas.
Casos na Amazônia
Lucas revelou que, nos últimos cinco anos, os casos de ferroada de arraia na região amazônica ultrapassaram a marca de 800 registros, segundo os dados da Fundação De Vigilância em Saúde do Amazonas – Drª Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP): “Foram registrados 833 casos, de 2019 a 2024, segundo dados da FVS. Na região amazônica, os casos são relativamente frequentes, especialmente entre ribeirinhos, pescadores e banhistas de rios. Estudos epidemiológicos realizados em estados como Pará e Amazonas apontam que as arraias estão entre os principais animais aquáticos causadores de acidentes”.
Para o biólogo, os números apontam um possível problema de saúde pública local. “Como muitas ocorrências não chegam a ser notificadas oficialmente, sabemos que há uma subnotificação. Mas os registros disponíveis confirmam que se trata de um problema de saúde pública local”, conclui Lucas, que atualmente coordena projetos de pesquisa que buscam compreender a estrutura e o funcionamento do aparelho de veneno das arraias, bem como os efeitos clínicos e toxicológicos das ferroadas em seres humanos.
O Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2024, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), revela um cenário de agravamento extremo da violência no campo em todo o país, com destaque preocupante para o estado de Mato Grosso, que figura entre os mais violentos do Brasil em praticamente todas as tipificações de conflitos.
De acordo com os dados, Mato Grosso registrou aumento de 137,25% no número de ocorrências de conflitos e 518,27% no número de pessoas envolvidas, em comparação com o ano anterior. O relatório aponta que a violência no campo cresceu em todas as regiões do estado, com destaque para o Nordeste (40%) e Norte (34,5%), além das regiões Sudeste e Sudoeste, que apresentaram aumento de 150% em relação a 2023.
Foto: Daiane Mendona
Os principais agentes de violência foram fazendeiros, empresários, garimpeiros e grileiros, com crescimento expressivo na responsabilidade por conflitos: fazendeiros (60%), empresários (180%) e grileiros (150%).
Já as principais vítimas continuam sendo indígenas, assentados, sem-terra, quilombolas e posseiros, grupos que também sofreram aumento de violência: indígenas (200%), assentados (166,6%), sem-terra (83%), quilombolas (50%) e posseiros (20%).
Entre os dados mais alarmantes estão o aumento de 3.004,6% nos incêndios em áreas de conflito e de 661,1% na destruição de pertences. Mato Grosso foi o estado mais afetado do país pelos incêndios, concentrando 25% de todos os casos registrados no território nacional.
Foto: Mario Vilela/Funai
Além disso, o estado também apresentou aumento de 229,4% no desmatamento ilegal, 223,7% em ameaças de despejo e 200,3% em invasões.
A violência contra povos e comunidades tradicionais cresceu de forma desproporcional:
· Contra quilombolas: +1.717,4%
· Contra posseiros: +854%
· Contra indígenas: +357,7%
· Contra assentados: +69%
· Contra sem-terra: +48,7%
Os conflitos pela água também se intensificaram, com aumento de 87,5% nas ocorrências e 723,9% nas famílias envolvidas. O relatório ainda aponta 250 famílias intoxicadas por agrotóxicos em conflitos pela terra, o 6º maior número do país, e um aumento geral de 108,3% nas contaminações.
Foto: Divulgacão/Ministerio da Defesa
De acordo com a CPT, 63% dos incêndios registrados no país ocorreram na Amazônia Legal, com Mato Grosso no topo do ranking. O estado ficou em 1º lugar na maioria das tipificações de violência nos conflitos por terra da região Centro-Oeste.
Além da violência física e material, o relatório também evidencia o avanço da violência institucional e criminalização dos defensores e defensoras de direitos humanos. Um dos episódios mais graves ocorreu em maio de 2024, quando trabalhadores rurais, um padre da CPT e uma defensora pública foram presos de forma arbitrária durante uma ação policial no município de Novo Mundo (Mato Grosso).
O caso, amplamente denunciado por entidades nacionais e internacionais, simboliza o uso do aparato estatal para intimidar e punir quem atua em defesa dos pobres e na luta pela terra, revelando a face mais cruel da violência do Estado no campo e da política fascista de Mauro Mendes.
Colniza, Mato Grosso. Toras de madeira em pátio de serraria próximas ao município de Colniza, noroeste do Mato Grosso. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O Caderno de Conflitos no Campo
O Caderno de Conflitos no Campo é uma das principais publicações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que em 2025 celebra 50 anos de atuação ao lado das comunidades camponesas, indígenas, quilombolas e sem-terra na defesa dos direitos humanos e da justiça social.
Os dados são sistematizados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC/CPT), referência nacional desde 1985 na produção de informações sobre os conflitos no campo brasileiro. A publicação é reconhecida como fonte essencial para pesquisadores, movimentos sociais, órgãos públicos e organismos de direitos humanos no Brasil e no exterior.
Serviço:
Contato: Cristiano CPT (65) 99673-4357 e Inácio Werner FDHT (65) 99664-2331
*Com informação do Fórum de Direitos Humanos e da Terra (FDHT) e Comissão Pastoral da Terra (CPT-MT)
Realizada no Tocantins, a pesquisa investiga as propriedades bioativas da amora. Foto: IFTO
A menopausa gera uma série de dificuldades que podem afetar a saúde física, emocional e social das mulheres. Diante dessa realidade e sabendo da importância de iniciativas que amenizam esses efeitos, o Instituto Federal do Tocantins (IFTO), realiza o projeto “Desenvolvimento de goma de mascar fitoterápica à base de extrato de amora (Morus spp.) para o alívio dos sintomas da menopausa”.
O trabalho une inovação tecnológica, sustentabilidade e saber tradicional, demonstrando o potencial da pesquisa científica aplicada à melhoria da qualidade de vida da população.
A pesquisa
A pesquisa investiga as propriedades bioativas da amora, com foco em seus compostos de ação estrogênica natural e suas possíveis aplicações em produtos fitoterápicos e alimentares. Ela é desenvolvida pela estudante do curso de Ciências Biológicas, Renatta Cardoso da Silva.
Opção natural com menos riscos que a terapia hormonal sintética. Foto: IFTO
De acordo com Renatta, o principal diferencial da goma é ser natural e complementar aos tratamentos convencionais. “Enquanto os medicamentos à base de hormônios sintéticos buscam repor diretamente o estrogênio, eles podem estar associados a efeitos adversos, como aumento do risco de trombose e câncer de mama em alguns casos. “Por isso, há um crescente interesse em fitoterápicos e produtos com compostos bioativos vegetais. No nosso caso, os flavonoides presentes na amora (Morus spp.), que possuem ação estrogênica leve, ou seja, imitam parcialmente o efeito do estrogênio natural, sem os riscos associados aos hormônios sintéticos”, explicou Rennata.
Até o momento, foram realizados testes de formulação, estabilidade e padronização do produto, buscando ajustar textura, aroma e homogeneidade.“Os resultados até o momento são positivos, indicando boa consistência, cor uniforme e aceitação sensorial preliminar em relação ao sabor e aroma da amora. A próxima etapa incluirá testes físico-químicos e microbiológicos, que permitirão a caracterização completa da goma e a validação científica do protótipo”, informou Renatta.
Edital
A pesquisa teve início em 2023, por meio do Edital nº 35/2023 do Programa de Iniciação científica IFTO/CNPq e, mesmo após o término do edital, segue em desenvolvimento e foi aprovada na Chamada Pública “Meninas na Ciência” para apresentação na 16ª Jornada de Iniciação Científica e Extensão (JICE) do IFTO, que acontecerá de 10 a 13 de novembro de 2025 no campus Gurupi.
Pesquisadoras do Instituto Federal do Tocantins (IFTO). Foto: IFTO
Para a estudante Renatta Cardoso, o reconhecimento do projeto na chamada representa um marco importante para o incentivo à presença feminina na pesquisa científica. “Este trabalho nasceu da vontade de transformar o conhecimento científico em algo palpável e útil à comunidade. Saber que a pesquisa pode contribuir para o bem-estar de mulheres que enfrentam os desafios da menopausa é o que torna tudo ainda mais significativo”, destacou a pesquisadora.
Já a orientadora do estudo, professora Kátia Paulino, enfatiza o papel social dos institutos federais na promoção de pesquisas com impacto real. “Os institutos federais desempenham um papel crucial ao desenvolver pesquisas sobre temas relevantes, como a menopausa, que ainda carecem de visibilidade científica. Este projeto mostra como a ciência pública pode gerar soluções que melhoram a vida das pessoas e promovem inclusão”.
IFTOCampus Araguatins
O Campus Araguatins, do Instituto Federal do Tocantins (IFTO), realizou o projeto “Desenvolvimento de goma de mascar fitoterápica à base de extrato de amora (Morus spp.). Desenvolvida pela estudante do curso de Ciências Biológicas do Campus Araguatins, Renatta Cardoso da Silva, sendo resultado de uma parceria entre o IFTO e a Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), Câmpus Augustinópolis, fortalecendo o diálogo entre ensino, pesquisa e extensão nas instituições públicas do estado.
Pesquisadora do Instituto Federal do Tocantins (IFTO). Foto: IFTO
A orientação é da professora doutora Kátia Paulino de Sousa (IFTO – Campus Araguatins) e a coorientação da professora doutora Lunalva Aurélio Pedroso Sallet (Unitins), que contribui com a fundamentação teórica sobre compostos bioativos e saúde da mulher.
O Campus Araguatins celebra essa conquista como um exemplo do compromisso institucional com a pesquisa aplicada, a inovação tecnológica e a formação de mulheres cientistas comprometidas com o desenvolvimento social e científico do Tocantins, espaço de destaque para o protagonismo feminino em ciência, tecnologia e inovação dentro do IFTO.
*Com informações do Setor de Comunicação do Instituto Federal do Tocantins, Campus Araguatins.
O trabalho apresenta um novo sistema de armadilhas em cascata capaz de coletar insetos. Foto: Comunicação Uema
O professor Francisco Limeira de Oliveira, da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), é um dos autores de um estudo recentemente publicado na revista científica Nature – Scientific Reports, um dos periódicos de maior prestígio internacional. O artigo apresenta um novo sistema de armadilhas em cascata capaz de coletar insetos em diferentes alturas das florestas tropicais, inclusive no topo das copas das árvores — uma região até então considerada de difícil acesso para a pesquisa biológica.
O professor Francisco Limeira de Oliveira, da Universidade Estadual do Maranhão, é um dos autores de um estudo recentemente publicado na revista científica Nature – Scientific Reports. Foto: Comunicação Uema
Desenvolvido em parceria com cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da Universidade de São Paulo (USP), o trabalho propõe um método simples, eficiente e de baixo custo para capturar e estudar a fauna de insetos que habita o dossel das florestas. Essa região, chamada pelos pesquisadores de “fauna inalcançável”, abriga milhares de espécies ainda pouco conhecidas pela ciência. As armadilhas, denominadas “sistema em cascata”, foram testadas em diferentes localidades da Amazônia e do Maranhão, incluindo a Reserva Biológica do Gurupi.
Durante os testes, as estruturas coletaram mais de 80 mil insetos em apenas duas semanas, comprovando sua alta eficiência para estudos de biodiversidade e monitoramento ambiental.
Durante os testes, as estruturas coletaram mais de 80 mil insetos em apenas duas semanas. Foto: Comunicação Uema
No artigo publicado, o novo modelo dispensa o uso de gruas, torres metálicas ou escaladores profissionais para alcançar grandes alturas, o que torna a pesquisa mais acessível, segura e sustentável. A tecnologia tem potencial de aplicação em florestas tropicais e temperadas de todo o mundo, ampliando as possibilidades para o estudo da biodiversidade global.
O estudo
O estudo integra importantes iniciativas nacionais de pesquisa, como o INCT BioDossel (MCTI/CNPq), coordenado por José Albertino Rafael (INPA), e o BioInsecta (FAPESP), sob a coordenação de Dalton de Sousa Amorim (USP de Ribeirão Preto). Esses projetos têm como meta coletar cerca de 7,5 milhões de insetos em diversas regiões do país, constituindo o maior inventário de fauna tropical já realizado no Brasil.
Esses projetos têm como meta coletar cerca de 7,5 milhões de insetos em diversas regiões do país, constituindo o maior inventário de fauna tropical já realizado no Brasil. Foto: Comunicação Uema
Além do professor Francisco Limeira, a pesquisa também contou com a participação da aluna de doutorado Alice Tôrres, do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (PPG-BioNorte/Uema), que integra o grupo de autores do artigo.
Apoio
O trabalho teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – FAPEMA, por meio dos projetos PROTAX e UNIVERSAL, ambos coordenados pelo professor Limeira.
A relevância da pesquisa será reconhecida internacionalmente: os resultados do estudo serão apresentados durante a COP30, que será realizada em Belém (PA).
O estudo integra importantes iniciativas nacionais de pesquisa. Foto: Comunicação Uema
Esta publicação reforça o papel de destaque da Uema na produção científica nacional, evidenciando a contribuição do Maranhão para o avanço da ciência e para o aprofundamento do conhecimento sobre a biodiversidade amazônica.
Bengala inteligente de detecção de obstáculos. Foto: Uema
Com o propósito de unir tecnologia e inclusão, estudantes do curso superior de Tecnologia em Redes de Computadores, da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), desenvolveram uma bengala inteligente de detecção de obstáculos, projetada para ampliar a autonomia e a segurança de pessoas com deficiência visual.
O dispositivo utiliza sensores ultrassônicos, um microcontrolador Arduino, motor vibracall e buzzer acoplados a uma bengala dobrável tradicional de alumínio para detectar obstáculos a diferentes distâncias e alturas, emitindo alertas sonoros e táteis que orientam o usuário durante o deslocamento.
A bengala inteligente utiliza sensores ultrassônicos. Foto: Uema
“O desenvolvimento da bengala inteligente representou um desafio no que diz respeito a software e hardware embarcados, pois exigiu a conciliação de um baixo custo de produção com a necessidade de um dispositivo de desempenho robusto e confiável. O software precisou ser otimizado para superar algumas limitações do hardware de baixo custo. Assim, o projeto demonstra que é possível aliar o desenvolvimento de tecnologia assistiva de alto impacto social a uma arquitetura de software e hardware eficiente, entregando um produto final seguro e acessível”, contou o estudante Milton Ribeiro.
O professor José Pinheiro explica que o dispositivo foi pensado para atender diferentes perfis de usuários com deficiência visual e auditiva.
“Essa bengala inteligente possui sensores que detectam o obstáculo e atuadores que vibram e emitem som de alarme quando o usuário se aproxima dele. Ela foi pensada tanto para pessoas cegas quanto para aquelas com deficiência auditiva associada, emitindo alertas diferentes conforme a distância do objeto. Trata-se de uma solução simples, acessível e altamente funcional”, explicou o professor José Pinheiro.
Ele acrescenta que o grupo pretende patentear o projeto. “A ideia é patentear o projeto e registrar o software. O grupo desenvolveu toda a programação no Arduino, enfrentando desafios técnicos como o posicionamento dos sensores e a autonomia da bateria, e conseguiram excelentes resultados. É um trabalho de relevância científica e social, digno de pesquisa em nível de pós-graduação”, destacou.
Um dos autores do projeto, o estudante Francivaldo Sousa, que é cego, utilizou sua experiência pessoal para contribuir com o aprimoramento da bengala.
O grupo e o orientador já estão providenciando o registro do software e a patente da bengala. Foto: Uema
“A ideia surgiu nas aulas de automação, quando pensamos em criar algo que melhorasse a mobilidade das pessoas com deficiência visual. A bengala tradicional não detecta obstáculos acima do nível do solo. Com a bengala inteligente, o usuário é alertado antes mesmo de esbarrar, pois ela vibra e emite sons conforme a distância do obstáculo”, contou Francivaldo Sousa.
Para ele, a proposta também representa acessibilidade financeira e inclusão.
“Essa bengala inteligente é de fácil uso e baixo valor, permitindo que qualquer pessoa com deficiência visual possa ter acesso a um recurso que aumenta sua independência. Hoje, sinto que cumpri o propósito que estabeleci quando entrei na Uema: ajudar outras pessoas com deficiência por meio da tecnologia”, completou o estudante.
O grupo e o orientador já estão providenciando o registro do software e a patente da bengala, além disso pretendem agregar novas funcionalidades ao projeto.
“Nosso próximo passo é aprimorar o dispositivo, incluindo um botão de emergência capaz de enviar a localização geográfica do usuário em tempo real a contatos de confiança, ampliando ainda mais a segurança. Depois que a gente tiver a patente, pretendemos buscar parceiros para tornar isso replicável”, afirmou José Pinheiro.
O dispositivo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) dos alunos Milton Rodrigues Ribeiro, Rafael da Silva Sales e Francivaldo Sousa Reis do curso superior de Tecnologia em Redes de Computadores do Programa de Formação Profissional Tecnológica (ProfiTec), da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) – Campus Coroatá
A bengala inteligente é de fácil uso e baixo valor, e permite que qualquer pessoa com deficiência visual possa ter acesso a um recurso que aumenta sua independência. Foto: Uema
O projeto foi orientado pelo professor do Departamento de Engenharia da Computação da Uema, José Pinheiro de Moura, e representa um exemplo de inovação tecnológica e social com baixo custo de produção, o protótipo foi construído com investimento inferior a R$ 200 em recursos tecnológicos adicionados à bengala.
De acordo com o IBGE, do total de integrantes da etnia Tikúna, 51.978 pessoas utilizam efetivamente o idioma no dia a dia. — Foto: Michael Dantas
O Tikúna é a língua indígena mais falada do Brasil, com 74.061 pessoas pertencentes à etnia em todo o país, segundo dados do Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A maior parte da população está no Amazonas, com 73.564 integrantes, principalmente dentro de Terras Indígenas, na região do Alto Solimões, no sudoeste do estado, próximo às fronteiras com Colômbia e Peru.
Comunidade Indígena Vila Betânia – Mecürane do povo Tikuna, em Santo Antônio do Iça, no Amazonas — Foto: Michael Dantas/WCS Brasil
De acordo com o IBGE, do total de integrantes da etnia Tikúna, 51.978 pessoas utilizam efetivamente o idioma no dia a dia, enquanto outros podem não falar mais a língua ou a usar como segunda língua.
87,69% vivem em Terras Indígenas
8,71% residem fora delas em áreas urbanas
3,60% residem fora delas em áreas rurais
Outros estados com presença da etnia Tikúna são Rio de Janeiro (73 pessoas) e São Paulo (70 pessoas). A idade mediana da população Tikúna subiu de 17 anos em 2010 para 19 anos em 2022, indicando que o idioma segue sendo transmitido para as novas gerações.
Diversidade de povos e línguas
Conforme o Censo Demográfico 2022 do IBGE, o Amazonas concentra 94 etnias declaradas dentro de Terras Indígenas, com 137.421 pessoas que falam ou utilizam idiomas nativos, cerca de um terço de todos os falantes indígenas do país.
Criança da comunidade Tikúna Vila Betânia – Mecürane, em Santo Antônio do Içá, no Amazonas. — Foto: Michael Dantas
Entre os municípios com maior diversidade de línguas estão:
Segundo o IBGE, uma pessoa indígena era considerada falante de língua indígena apenas se utilizasse o idioma, inclusive sinais próprios, para se comunicar em casa. Quando isso ocorria, registrava-se o nome da língua falada no domicílio.
Quando uma pessoa indígena falava mais de uma língua, o IBGE registrava até três idiomas utilizados no domicílio.
Cada campo recebia apenas uma língua, e o recenseador não devia incentivar respostas adicionais; assim, o segundo e o terceiro campos podiam permanecer em branco.
A Amazônia abriga uma diversidade de sistemas produtivos locais (SPLs) — da castanha, do açaí e dos óleos vegetais ao artesanato e ao turismo de base comunitária — que articulam saberes tradicionais, conservação ambiental e geração de renda. No entanto, a passagem “da floresta ao mercado” enfrenta gargalos persistentes de logística, crédito, assistência técnica, certificação e acesso a canais comerciais mais justos, ao mesmo tempo em que convive com pressões de desmatamento e volatilidade de preços.
Este artigo analisa os desafios e oportunidades para o fortalecimento dos sistemas produtivos locais na Amazônia, à luz da transição para uma bioeconomia baseada na sociobiodiversidade e na valorização dos conhecimentos tradicionais. A discussão enfatiza o papel das políticas públicas, do cooperativismo, da rastreabilidade e da inovação tecnológica como eixos estratégicos para a sustentabilidade regional. Em seguida, são mobilizados dados do IBGE que caracterizam a escala e a dinâmica recente da produção extrativista e agroflorestal, oferecendo subsídios para compreender as potencialidades e limitações desses sistemas no desenvolvimento territorial sustentável da região.
1. Panorama da Produção Extrativista na Amazônia
Os dados mais recentes do IBGE (2024) revelam que o Brasil produziu 763.662 toneladas de produtos alimentícios oriundos da extração vegetal, distribuídas de forma bastante desigual entre as grandes regiões do país. A Região Sul ocupa o primeiro lugar, com 387.200 toneladas, o que corresponde a 51% do total nacional, seguida pela Região Norte, com 277.058 toneladas (36%). As demais regiões — Sudeste (7%), Nordeste (5%) e Centro-Oeste (1%) — têm participações bem mais modestas, conforme apresentado na Figura 1.
Figura 1 – Quantidade produzida na extração vegetal de produtos alimentícios por grande região, Brasil, 2024.
Fonte: IBGE – Produção da Extração Vegetal e Silvicultura, 2024.
A produção expressiva do Sul, contudo, é fortemente concentrada em um único produto: a erva-mate, cuja extração alcançou 377.441 toneladas, representando cerca de 95,5% da produção total da região. Trata-se de uma cadeia consolidada e tradicional, voltada tanto ao mercado interno quanto à exportação, e que difere substancialmente das dinâmicas produtivas observadas na Amazônia. No caso amazônico, a diversidade é a principal característica: castanha-do-pará, açaí, babaçu, andiroba, buriti, copaíba e outros produtos formam uma teia de sistemas produtivos locais (SPLs) baseados no uso sustentável da floresta e na valorização de saberes tradicionais.
Esses dados revelam dois modelos distintos de extrativismo vegetal no Brasil. O primeiro, predominante no Sul, é marcado pela especialização produtiva e pela inserção consolidada em cadeias agroindustriais. O segundo, característico da Amazônia, apresenta forte relação entre economia e ecologia, sendo sustentado por comunidades ribeirinhas, indígenas e extrativistas que conciliam o uso dos recursos naturais com a conservação ambiental. Essa diferença explica por que, mesmo com menor volume absoluto, a produção amazônica possui maior relevância socioambiental e representa um ativo estratégico para o avanço da bioeconomia e do desenvolvimento territorial sustentável.
A análise dos levantamentos anteriores do IBGE indica que a participação da Região Norte tem se mantido relativamente estável ao longo dos últimos anos, sempre figurando entre as principais produtoras de alimentos extrativos do país. Essa constância reforça o papel estrutural do extrativismo amazônico na economia regional e sua importância para a transição rumo à bioeconomia sustentável. Essa estabilidade sugere resiliência dos sistemas extrativistas amazônicos, mesmo diante de desafios como a oscilação de preços, o difícil acesso a mercados e a pressão de atividades predatórias. Assim, o fortalecimento dessas cadeias — por meio de políticas de crédito verde, certificação, agregação de valor e infraestrutura logística sustentável — é essencial para transformar o potencial amazônico em vantagem competitiva e sustentável no cenário nacional e global.
2. Principais Produtos da Extração Vegetal na Amazônia
A diversidade produtiva é uma das principais marcas do extrativismo amazônico. Os dados do IBGE (2024) revelam que, embora produtos como açaí (229.938 t) e castanha-do-pará (33.422 t) liderem a produção regional, há uma ampla variedade de itens que compõem o mosaico dos sistemas produtivos locais — incluindo fibras, óleos vegetais, borrachas naturais, piaçava, babaçu, buriti e outros frutos nativos com grande potencial de uso na bioeconomia.
Tabela 1 – Produção de produtos extrativos selecionados na Região Norte, 2024
Madeira em tora
8.080.566,0
Metros cúbicos
Lenha
3.309.926,0
Metros cúbicos
Açaí (fruto)
229.938,0
Toneladas
Carvão vegetal
140.793,0
Toneladas
Castanha-do-pará
33.422,0
Toneladas
Fibras
5.355,0
Toneladas
Piaçava
5.039,0
Toneladas
Palmito
3.299,0
Toneladas
Pequi (fruto)
3.074,0
Toneladas
Oleaginosos
2.467,0
Toneladas
Borrachas
1.549,0
Toneladas
Hevea (látex coagulado)
1.532,0
Toneladas
Babaçu (amêndoa)
1.296,0
Toneladas
Buriti
297,0
Toneladas
Copaíba (óleo)
290,0
Toneladas
Pequi (amêndoa)
270,0
Toneladas
Cumaru (amêndoa)
188,0
Toneladas
Ceras
120,0
Toneladas
Castanha-de-caju
53,0
Toneladas
Hevea (látex líquido)
18,0
Toneladas
Mangaba (fruto)
12,0
Toneladas
Aromáticos, medicinais, tóxicos e corantes
1,0
Toneladas
Urucum (semente)
1,0
Toneladas
Tucum (amêndoa)
1,0
Toneladas
Fonte: IBGE – Produção da Extração Vegetal e Silvicultura (PEVS), 2024.
Essa diversidade reflete a interdependência entre economia e ecossistema amazônico, pois cada produto extrativo está associado a um bioma específico, um ciclo ecológico e um saber tradicional distinto. O açaí, por exemplo, é o principal produto alimentar da região, com forte presença em mercados nacionais e internacionais, enquanto a castanha-do-pará constitui um dos pilares da renda comunitária em territórios ribeirinhos e indígenas.
Além disso, produtos como copaíba, andiroba, buriti e cumaru apresentam crescente demanda nos setores cosmético e farmacêutico, sendo estratégicos para a consolidação da bioeconomia amazônica. Mesmo itens com menor volume, como o urucum e o tucum, possuem valor simbólico e potencial de uso em cadeias artesanais e de pigmentos naturais.
Essa variedade evidencia que o extrativismo na Amazônia não é apenas uma atividade econômica, mas um modo de vida e de gestão ambiental coletiva, que contribui simultaneamente para a conservação da floresta e para o sustento de milhares de famílias. Assim, fortalecer esses sistemas produtivos exige políticas públicas que combinem inovação tecnológica, valorização cultural e acesso justo a mercados, promovendo uma transição efetiva “da floresta ao mercado”.
3. Desafios e Oportunidades para os Sistemas Produtivos Locais na Amazônia
A Amazônia é um território de paradoxos: possui uma das maiores biodiversidades do planeta, mas também enfrenta profundas desigualdades socioeconômicas e gargalos estruturais que dificultam a consolidação de sistemas produtivos locais sustentáveis. De acordo com Dias e Galina (2025), os negócios da floresta — em sua maioria, associações e cooperativas formadas por ribeirinhos, indígenas e extrativistas — representam alternativas concretas de desenvolvimento, pois combinam valorização da sociobiodiversidade com inclusão produtiva e conservação ambiental. No entanto, a ausência de infraestrutura adequada, o alto custo logístico e a concentração de valor nas etapas finais das cadeias produtivas ainda limitam o alcance econômico dessas iniciativas.
Entre os principais desafios estruturais, destacam-se:
Infraestrutura e logística insuficientes, que elevam o custo de transporte dos produtos extrativos e reduzem sua competitividade nos mercados nacional e internacional;
Baixa capacidade de agregação de valor, já que a maior parte da produção é comercializada in natura, com pouca industrialização local;
Acesso limitado a crédito e assistência técnica, especialmente nas áreas rurais e fluviais;
Fragilidade institucional e ausência de políticas públicas contínuas voltadas à bioeconomia e à organização comunitária.
Como observam Ossame et al. (2025), a bioeconomia amazônica surge como um caminho promissor para enfrentar esses desafios, ao propor a transformação sustentável dos recursos biológicos em produtos de maior valor agregado, como alimentos funcionais, cosméticos naturais e fitoterápicos. Essa abordagem favorece cadeias mais resilientes e reduz a dependência da exploração predatória, ampliando as oportunidades de mercado para comunidades locais.
Por outro lado, o relatório da Jornada Amazônia (2024) reforça que as cadeias produtivas amazônicas são complexas e fragmentadas, com baixo grau de integração entre os elos de produção, processamento e comercialização. A construção de uma cadeia de valor sustentável, portanto, requer arranjos interorganizacionais capazes de articular comunidades, governos e setor privado — promovendo inovação social, governança compartilhada e inclusão produtiva.
Ainda que os obstáculos sejam significativos, há oportunidades estratégicas emergindo nesse cenário:
Expansão dos mercados verdes e éticos, que valorizam produtos certificados e de origem sustentável;
Integração digital e comércio eletrônico, que reduzem intermediários e ampliam o alcance de produtores locais;
Valorização dos saberes tradicionais, reconhecidos como ativos culturais e produtivos da sociobiodiversidade;
Iniciativas de financiamento climático e investimentos de impacto, que têm direcionado recursos para projetos de baixo carbono e negócios comunitários da floresta.
Essas dinâmicas indicam que o futuro dos sistemas produtivos amazônicos dependerá da capacidade de conectar inovação tecnológica, justiça social e conservação ambiental. Assim, transformar o potencial da floresta em oportunidades de mercado sustentáveis exige repensar as políticas públicas, os instrumentos de fomento e os modelos de governança regional — colocando as comunidades tradicionais no centro da estratégia de desenvolvimento da bioeconomia.
4. Considerações finais
Os sistemas produtivos locais da Amazônia enfrentam o desafio de conciliar conservação ambiental e desenvolvimento econômico em um território marcado por desigualdades estruturais e baixa capacidade de agregação de valor. As cadeias extrativistas, formadas majoritariamente por cooperativas e comunidades tradicionais, ainda sofrem com limitações logísticas, falta de crédito e infraestrutura, além de políticas públicas fragmentadas. No entanto, estudos recentes apontam que a bioeconomia amazônica representa uma oportunidade estratégica para transformar produtos tradicionais — como o açaí, a castanha-do-pará e os óleos vegetais — em bens de alto valor agregado, fortalecendo cadeias de valor sustentáveis e gerando inclusão social. Essa transição, entretanto, exige inovação tecnológica, governança compartilhada e integração entre comunidades, governos e setor privado, de modo que o potencial da floresta seja convertido em riqueza distribuída e sustentável, sem romper o vínculo histórico e cultural das populações amazônicas com seus territórios
Referências
DIAS, Sylmara Lopes Francelino Gonçalves; GALINA, Simone Vasconcelos Ribeiro. Negócios da (na) floresta amazônica: desafios e oportunidades da sustentabilidade na cadeia de valor. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 30, e93339, São Paulo: FGV EAESP, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.12660/cgpc.v30.93339.
OSSAME, Reinaldo Dias; EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Bioeconomia, inclusão social e sustentabilidade: caminhos para uma transição verde e justa.RECIMA21 – Revista Científica Multidisciplinar, v. 6, n. 3, p. e636303, 2025. Disponível em: https://recima21.com.br/index.php/recima21/article/view/6303.
JORNADA AMAZÔNIA. A complexidade da cadeia produtiva na Amazônia: os desafios e potenciais de uma bioeconomia inclusiva. Relatório técnico, 2024. Disponível em: https://jornadaamazonia.org.br.
Com a colaboração de:
Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos
Sobre o autor
Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.