Oficinas na comunidade da Barra de São Manoel. Foto: Túlio Paniago/OPAN
O Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados (MT) está ganhando corpo. Em março de 2025, durante oficinas realizadas na comunidade da Barra de São Manoel, foram firmados os acordos de dois dos cinco eixos temáticos que irão compor o PGTA.
Durante as oficinas, conduzidas pelo antropólogo e indigenista Rinaldo Arruda, foram discutidas todas as questões levantadas pelos Apiaká relacionadas aos eixos “Território e Ambiente” e “Organização Social e Governança”. Nos próximos encontros serão definidos os acordos dos três eixos temáticos restantes: Economia; Saúde e Segurança Alimentar; Educação e Cultura.
“Nós, Apiaká, vamos trabalhar com o PGTA que nós mesmos estamos elaborando. Vamos ter o privilégio de ter o nosso plano de gestão para fazer o trabalho que estamos montando dentro desse território”, avalia Robertinho Morimã, cacique da aldeia Matrinxã, sobre o PGTA da TI Apiaká do Pontal e Isolados, que será concluído em 2026.
Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados. Foto: Adriano Gambarini/OPAN
PGTAs são planos de vida coletivos que reúnem uma série de pactuações e acordos comunitários que servem como bússola para o presente e mapa para um futuro sustentável dos territórios indígenas. Eles também apresentam a cultura, a cosmovisão, os valores e as aspirações do povo que o elaborou.
“Envolve todos os moradores de uma terra indígena num processo de mapear o que se tem no território, as ameaças externas, as potencialidades e projetar o que se quer. Esse trabalho se consolida num livro, uma carta de visita que mostra quem são, o que querem e como querem”, explica Rinaldo Arruda.
Muitos acordos foram firmados a partir desses dois primeiros eixos, como a abertura de novas aldeias em pontos estratégicos para implementar a vigilância e o monitoramento do território, principalmente em áreas que sofrem pressões e ameaças externas. Também foram definidos critérios internos para abertura dessas e outras aldeias.
Cacique Robertinho Morimã durante as oficinas. Foto: Túlio Paniago/OPAN
Em relação aos lugares sagrados, decidiram mapear e listar todos que estão dentro e no entorno do território e buscar o reconhecimento dos mais importantes por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), além de registrar as narrativas dos anciãos sobre esses lugares.
Foram estabelecidas regras internas para caça, pesca, manejo de quelônios e coleta de frutos e palhas, todas visando a conservação da biodiversidade e o bem viver da comunidade indígena. Também trataram das queimadas, que devastaram áreas dentro do território nos últimos anos. Decidiram formar, com apoio de órgãos ambientais, uma equipe de brigadistas, além da construção de bases de vigilância.
No que diz respeito às associações Apiaká, decidiram buscar formações em elaboração de projetos e gestão organizacional, além de incluir mais jovens e mulheres em sua composição para que a atuação seja cada vez mais alinhada aos anseios da comunidade.
O primeiro ciclo de oficinas ocorreu em novembro de 2024, quando os Apiaká estabeleceram cinco eixos temáticos inter-relacionados (Território e Ambiente; Organização Social e Governança; Saúde e Segurança Alimentar; Educação e Cultura; Economia), a partir dos quais se situa o horizonte de vida que se quer alcançar, definido pelo conceito geral de bem viver.
Antropólogo Rinaldo Arruda falando com povo Apiaká durante a oficina. Foto: Túlio Paniago/OPAN
Este segundo ciclo de oficinas, realizado entre os dias 03 e 05 de março, foi centrado nos dois primeiros eixos temáticos, sendo que cada eixo é composto por uma série de temas/questões levantadas pelos Apiaká. O eixo “Território e Ambiente” reúne 15 temas, como regularização fundiária; monitoramento territorial; queimadas; locais sagrados; e aldeias. Enquanto “Organização Social e Governança” engloba outros nove temas, como organização social das aldeias; normas de convivência; associação/governança; e organização das mulheres e da juventude Apiaká.
Divididos em grupos compostos por jovens, mulheres, anciãos e homens adultos, os Apiaká discutiram todos os temas levantados dentro de cada eixo. Primeiro, enfocando a descrição da questão (por que o tema é relevante para o povo) para, em seguida, definir quais as soluções/encaminhamentos possíveis. Por fim, a partir dos encaminhamentos apresentados por cada grupo em plenária, foram realizadas discussões e firmados os acordos que irão compor o PGTA.
“A gente tem um planejamento do território. É importante pensar o que nós vamos fazer para desenvolver melhorias nas aldeias envolvidas. O PGTA vai dar um direcionamento, vai apontar como deve ser feito, por isso que ele é importante”, ressalta Raimundo Paigo, liderança Apiaká da aldeia Pontal.
A elaboração do PGTA da TI Apiaká do Pontal e Isolados e a implementação do PGTA do povo Rikbaktsa são eixos estruturantes do Berço das Águas, projeto realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) junto aos povos Apiaká e Rikbaktsa, com patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental.
Os Planos de Gestão Ambiental e Territorial pensam a gestão do território em aspectos sociais e ambientais. É um instrumento de luta política que reúne as principais diretrizes de cada povo no que diz respeito à história, organização social e política, cultura, educação, saúde, geração de renda, vigilância, monitoramento, alimentação…
Além de uma série de acordos internos sobre diversos temas, os PGTAs reúnem instrumentos de gestão (etnomapeamento e etnozoneamento) dos territórios e constituem importante ferramenta política e de autonomia comunitária, afinal possibilitam que os povos projetem suas vozes em questões de soberania e conservação ambiental.
Papa-formiga-de-topete (Pithys albifrons). Foto: Philip Stouffer
Já faz algum tempo que cientistas sabem que vem ocorrendo uma queda na população de aves tropicais. A causa dessa redução era comumente atribuída à degradação e à fragmentação florestal. Entretanto, em 2020, um estudo apontou uma diminuição de certo tipo de aves também em áreas da Amazônia ainda não alteradas pela espécie humana.
Para investigar mais a fundo essa causa, cientistas de instituições brasileiras e norte-americanas analisaram o comportamento de aves insetívoras de sub-bosque, ou seja, aquelas que se alimentam de insetos e vivem mais próximas do solo, em uma área de floresta preservada a cerca de 80 km de Manaus (AM).
A pesquisa, divulgada recentemente, confirmou uma desconfiança dos pesquisadores: as mudanças climáticas estão transformando a vida das aves mesmo em áreas antes tidas como refúgios, com microclima mais estável, dossel da floresta intacto e boa oferta de alimentos.
Ao analisar dados de coletas de pássaros dos últimos 27 anos, o levantamento indicou a redução nos números de 24 das 29 espécies estudadas. A principal causa era o aumento do período de secas e a diminuição das chuvas nos últimos anos.
“Esse artigo associa, de maneira inequívoca, as mudanças no clima com a sobrevivência das aves. Até então era uma hipótese, mas essa análise confirma que elas são uma causa importante da morte de pássaros na Amazônia Central”, diz o biólogo Jared Wolfe, professor da Universidade Tecnológica de Michigan (EUA) e autor principal do estudo.
O chirito-de-coleira (Microbates collaris) é uma das aves mais vulneráveis, segundo o estudo. Foto: Philip Stouffer
Uma previsão feita por Wolfe e seus colegas aponta que um aumento de 1 °C na temperatura média da estação seca amazônica reduzirá a sobrevivência média da comunidade de aves em 63%. E esse pequeno salto no termômetro, que pode parecer mínimo para leigos, mas para animais não é, já foi registrado, de maneira generalizada na Amazônia Central, desde o começo deste século.
O alerta que o estudo traz não diz respeito apenas à diminuição da quantidade de pássaros na maior floresta tropical do mundo, mas também à possível extinção local de espécies e, em longo prazo, seu desaparecimento por completo em outras áreas.
“O que torna a Amazônia tão especial é que ela não foi impactada pelos eventos glaciais da Terra. Há florestas lá por milhões e milhões de anos e isso permitiu que aves evoluíssem ali, na ausência da extinção, fazendo coisas incríveis. É como um playground da evolução, com pássaros exibindo cores e comportamentos fantásticos, como as danças dos tangarás, por exemplo”, explica Wolfe.
Para ele, só foi possível ter esse nível de diversidade e evolução porque a Amazônia conseguiu oferecer estabilidade climática, e isso a fez ser realmente única globalmente.
“Obviamente, ao longo desses milhões de anos, essas aves passaram por alterações de temperaturas de 1 oC ou 2 oC. Contudo, elas aconteceram lentamente e permitiram que essas espécies tivessem tempo de se adaptar. Agora estamos falando de transformações rápidas, em 10, 20 anos, e esses pássaros não possuem a capacidade de acompanhar essas mudanças. E isso é muito triste”, lamenta.
Área de floresta amazônica onde foi realizado o estudo. Foto: Vitek Jirinec
Estresse climático e menos alimentos
De acordo com os pesquisadores, existem duas hipóteses para o aumento da mortalidade de aves. “Primeiro, fisiologicamente, o clima mais seco faz com que seja mais difícil para elas sobreviverem. Se está muito quente ou chove menos, esses são efeitos diretos do clima”, diz David Luther, professor da Universidade George Mason (EUA) e um dos coautores do estudo. “Já um impacto indireto seria que há uma menor disponibilidade de alimentos, particularmente os insetos dos quais elas se alimentam.”
O pesquisador acredita, entretanto, que a segunda hipótese seja a mais provável causa para explicar o que acontece na Amazônia. Luther também participou de outro estudo, no Panamá, em que pássaros capturados na floresta eram expostos a temperaturas mais altas, e, para surpresa dos envolvidos, eles pareciam tolerar razoavelmente bem as variações.
O aumento da mortalidade dos pássaros amazônicos então seria parte de um efeito cascata produzido pelas mudanças climáticas. Populações de insetos seriam reduzidas em número e diversidade por não suportarem as temperaturas extremas e a maior aridez do solo, diminuindo, por sua vez, a oferta de alimento às aves.
Mãe-de-taoca-de-garganta-vermelha (Gymnopithys rufigula). Foto: Hector Bottai, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
Impacto é maior entre espécies que vivem mais
Todavia, há ainda outro ponto levantado pelo estudo. Segundo Wolfe, a alteração no clima amazônico parece estar afetando especialmente aves com maior longevidade. Em geral, os pássaros de sub-bosques tropicais têm vidas mais longas e investem mais na própria sobrevivência do que na reprodução.
“Se há uma menor oferta de alimentos, essas aves provavelmente diminuirão ainda mais seus esforços de reprodução e desistirão por completo, por simplesmente não terão a capacidade energética para tal”, sugere o pesquisador.
O próximo passo dos biólogos é comparar os resultados obtidos agora com um novo estudo que avaliará o declínio de aves em trechos fragmentados de floresta e com um segundo projeto, já em andamento, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas, em que uma área está sendo irrigada durante o período de seca para poder analisar a resposta dos pássaros a esse experimento.
“Estamos medindo os insetos, analisando o metabolismo de pássaros para saber o quão bem alimentados eles estão e as condições de reprodução para entender como exatamente a temperatura afeta essas regiões de microclima”, ressalta Wolfe.
O biólogo Jared Wolfe em campo. Foto: Philip Stouffer
O que já se tem certeza, e não há mais necessidade de pesquisas futuras, é que, definitivamente, o aquecimento global já está afetando a sobrevivência das aves da Amazônia.
“Se as altas temperaturas persistirem e os períodos de seca se tornarem mais intensos, a grande maioria das espécies continuará a diminuir até o momento em que elas não existirão mais”, alerta Luther. “E, à medida que se começa a perder mais e mais espécies, todo esse enorme e complexo ecossistema será impactado”.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Suzana Camargo
Davi Kopenawa no ufam durante o evento e defesa de mestrado Yanomani. Foto: Kamilla Barroso
“Eles abriram espaço para outros Yanomami também entrarem. Estou muito contente com meus parentes, meus primos que tiveram coragem”.
É assim que Davi Kopenawa, xamã e uma das principais lideranças indígenas do Brasil, comemora a defesa das três primeiras dissertações de mestrado desenvolvidas por indígenas Yanomami no Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que representa um marco histórico para a educação indígena.
A declaração foi feita durante a mesa de abertura do encontro “Davi Kopenawa: palavras de um xamã Yanomami”, realizado dia 22 de abril, na UFAM, em Manaus (AM), reunindo mais de 800 pessoas:
Kopenawa é presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), coautor das obras “A Queda do Céu” e “O Espírito da Floresta”, e detentor do título de Doutor Honoris Causa (em latim, “por causa de honra”).
Reconhecido internacionalmente pela defesa dos direitos indígenas e da floresta amazônica, ele participa pela primeira vez como avaliador em uma banca de mestrado e considera a conquista um marco que ficará registrado na história da educação indígena do Brasil.
Durante sua fala, Kopenawa abordou os desafios enfrentados pelo seu povo, como o avanço do garimpo e do desmatamento, e destacou a urgência em preservar os valores culturais do povo Yanomami.
“Temos que aprender mais a falar português, mas não podemos esquecer nossa própria língua Yanomami. Nossa própria língua é nossa arma. Vocês [parentes] podem aprender, mas precisam voltar para a aldeia, não podem nos abandonar. […]. Agora é nossa vez de mostrar a nossa força, sabedoria e inteligência. Nós somos lutadores contra invasores. A doença invade nossas comunidades, invade nossa vida, mata nossas crianças, mulheres, mães e pais. Mas vamos continuar [resistindo]”, enfatizou o xamã.
Davi Kopenawa no ufam durante o evento e defesa de mestrado yanomani. Foto: Kamilla Barroso
Os mestrandos são Odorico Xamatari Hayata Yanomami, Edinho Yanomami Yarimina Xamatari e Modesto Yanomami Xamatari Amaroko. Todos são o município de Santa Isabel do Rio Negro (a 631 quilômetros de Manaus), no Alto Rio Negro, e atuam como professores de ensino básico em Xaponos (casas coletivas Yanomami), localizados no Rio Marauiá.
Ao longo de dois anos, eles desenvolveram dissertações com foco na ancestralidade do povo Yanomami, tratando de temas como música, cantorias, rituais xamânicos e o ensino da língua materna às crianças.
Indígenas Yanomami recebem título de mestre pela Ufam. Foto: divulgação
Odorico, cuja pesquisa foi conduzida por meio de autoetnografia, explica sua motivação para concluir o mestrado. “Por que quero ser Mestre? Porque eu, no meu corpo, no meu sentido, no meu sonho, quero ser tal… Como os napë [homem branco fala] fala que o Yanomami não sabe escrever, não sabe falar bem português. Eu entendo a crítica do napë. Por causa disso que sou Mestre”, compartilha.
Já Modesto, que aborda em sua dissertação a função e transformação das amöa (músicas) no Xapono, reforça o valor comunitário de sua formação. “É importante para mim, porque vou ser preparado para a comunidade. Não é para mim, mas sim para ajudar [outros indígenas] da comunidade”, fala.
A mesa de abertura reuniu outras autoridades para enaltecer o marco histórico. Uma delas é Iraildes Caldas Torres, diretora do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS), que destacou o papel das universidades públicas na valorização dos saberes indígenas.
“A UFAM entra nesse cenário pioneiro de inovar as nossas ações ‘indigenistas’, porque o Mestrado e o Doutorado não deixam de ser uma política pública. No Brasil, fazer uma defesa genuinamente no contexto indígena é também um desafio. É uma forma de dizer que nós, como povos indígenas da Amazônia, temos o direito de pensarmos diferentes”, disse.
Acadêmicos aproveitaram o momento para acompanhar a defesa dos Indígenas Yanomami. Foto: Kamilla Barroso
O coordenador do PPGSCA, Caio Souto, enfatiza que “Abrimos este curso de mestrado contando com apoio de outras instituições. […]. Tivemos que pegar espaços emprestados, de alianças para que acontecesse. Houve percalços, mas deu tudo certo. Com o anúncio do novo campus, (em São Gabriel da Cachoeira), esperamos que tenha cursos oferecidos de forma regular, o que vai aumentar a captação de profissionais e fomentar o desenvolvimento da região”, detalha.
Kopenawa demonstrou ainda apoio à construção de escolas em territórios indígenas, como forma de manter vivas as tradições e ampliar o acesso ao conhecimento.
“Só falta nós estudarmos na universidade. […]. Já esperamos muito a escola [na região]. As autoridades só falam sobre educação e saúde, mas eu não quero ficar escutando promessas. Hoje é o nosso futuro. […]. Tem dinheiro para construir as escolas para nossos filhos aprenderem a escrever, matemática, trabalhar em Saúde, a ser professor e ensinar os próprios parentes. Esta é a minha luta e vou continuar”, finalizou o xamã e líder Yanomami.
Durante o registro feito pelo canal oficial da Universidade Federal do Amazonas no YouTube, o xamã Yanomami e ativista indígena, falou sobre a preservação da Amazônia, a demarcação de terras indígenas e os saberes do povo Yanomami na universidade:
Essas cidades acreanas foram criadas pelo então governador Edmundo Pinto por meio de lei em 1992. E, apesar de também terem a data de 28 de abril como fundação oficial, os municípios de Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Rodrigues Alves comemoram em outras datas, 5 de novembro, 25 de junho e 28 de julho respectivamente.
O historiador Marcus Vinícius já explicou ao Grupo Rede Amazônica, em 2017, que toda cidade tem o direito de definir a data do seu aniversário e isso é uma atribuição do próprio município feita através dos poderes Legislativo e Executivo que propõem uma data, geralmente com alguma ligação com a história da região, que passa a valer após ser sancionada pelo prefeito.
Todas cidades do Acre estão abaixo da média nacional de desenvolvimento sustentável, aponta relatório Xapuri, no interior do Acre, foi a cidade brasileira com a pior qualidade do ar em 2023, segundo levantamento O Acre, que foi território, passou por inúmeras transformações até junho de 1962, quando foi elevado à categoria de Estado.
Na época da constituinte do Acre, em 1963, foi prevista a criação de vários outros municípios, mas só executaram esse plano em 1976 com a criação de outras cidades como Senador Guiomard e Epitaciolândia.
Após isso, já em 1992, houve uma outra discussão em que foi proposta uma divisão territorial para os municípios do Acre onde alguns municípios perderam territórios e outros foram criados, chegando no número de 22 que compõem o Acre hoje.
Muitos desses municípios nasceram a partir do desmembramento de outras cidades. É o caso de Epitaciolândia, criada após a divisão de Brasiléia, bem como Marechal Thaumaturgo, separada de Cruzeiro do Sul, e Santa Rosa do Purus, que se desvinculou de Manoel Urbano.
A capital, Rio Branco deu origem às cidades de Porto Acre e Bujari. Já Acrelândia era parte dos municípios de Plácido de Castro e Senador Guiomard.
Epitaciolândia foi elevada à categoria de município no mesmo dia 28 de abril de 1992 desmembrado de Brasiléia e Xapuri.
Acrelândia
A cidade se intitula “terra do café”, devido à importância da atividade cafeeira no município. Por lá, a espécie mais cultivada é a do café clonal, que tem produção de até o dobro do café comum. Em 2020, mesmo em meio à pandemia de Covid-19, a estimativa de colheita no município foi de pouco mais de mil e quatrocentas toneladas, em uma área de quatrocentos hectares.
A pouco mais de 100 quilômetros de distância de Rio Branco, é o município mais ao leste do estado, e berço político do prefeito da capital, Tião Bocalom (PL), que geriu a cidade por três mandatos.
No Censo 2022, o município apareceu com 14.021 habitantes, 15ª população do estado. O atual prefeito é Olavinho Boiadeiro (Republicanos).
Foto: Ingrid Kelly/Secom-AC
Bujari
A cidade tem sua fundação ligada à construção da rodovia BR 364. No local, funcionava um seringal de mesmo nome, onde três famílias moravam e produziam borracha e pequenas plantações. Com a inauguração da estrada, na década de 60, mais pessoas se mudaram para lá, até que em 1992 foi oficializado como município.
Bujari foi o município acreano com o maior crescimento populacional em 12 anos, saindo de 8.471 pessoas em 2010 para 12.917 em 2022 (+52,48%), 16ª população no estado. O atual prefeito é Padeiro (PDT).
Foto: Reprodução/Secom-AC
Capixaba
Distante pouco mais de 80 km da capital, o município surgiu em um local onde funcionava a “Serraria do Capixaba”. Nos anos 70, a família Tessinari veio do Espirito Santo ao Acre, onde instalou a serraria que viria a dar nome à cidade. Com o crescimento da região onde também funcionavam seringais, foi feito um plebiscito que escolheu entre os nomes de Vila Capixaba ou Vila Santo Antônio.
Para votar, os eleitores tinham que colocar um caroço de milho, para aqueles que quisessem o nome Vila Santo Antônio, ou um caroço de feijão para quem escolhesse Vila Capixaba.
A população 10.392 pessoas no Censo de 2022, o que representa um aumento de 18,12% em comparação com o Censo de 2010, 19ª população no estado. O atual prefeito é Manoel Maia (União Brasil).
Foto: Paulo Roberto Parente/Arquivo pessoal
Epitaciolândia
Localizada próxima à fronteira com a Bolívia, a cidade também tem seu surgimento ligado aos seringais, além do cultivo de cacau e agricultura familiar. Fica a pouco mais de 200 km de Rio Branco.
O nome é uma homenagem ao ex-presidente Epitácio Pessoa, que governou o país entre 1919 e 1922. Durante a criação de municípios em 1992, foi desmembrada de Brasiléia e Xapuri.
Sua população chegou a 18.757 pessoas no Censo de 2022, o que representa um aumento de 24,22% em comparação com o Censo de 2010, a 9ª população no estado. Atualmente, o prefeito é Sérgio Lopes (PSDB).
Foto: Arquivo/Prefeitura de Epitaciolândia
Jordão
Um dos municípios isolados, fica a cerca de 450 km de Rio Branco, sem ligação terrestre com o restante do estado. Está localizado onde funcionava o Seringal Duas Nações, de propriedade Levi Saveda, e pertencia ao município de Tarauacá. Pouco depois, passou a se chamar Vila Jordão.
Tem cerca de 9.222 habitantes, segundo o Censo 2022, sendo a 20ª população do estado. Atualmente, o prefeito é Naudo Ribeiro (PP).
Foto: Jardy Lopes/Arquivo pessoal
Porto Acre
Cidade que já foi chamada de Puerto Alonso quando o território pertencia à Bolívia, foi um dos focos da Revolução Acreana, conflito armado que culminou na venda do Acre ao Brasil. Foi desmembrado de Rio Branco e transformado em município.
Por meio do Rio Acre, era um dos acessos utilizados por seringueiros e seringalistas, e até hoje é rota de circulação de mercadorias e pessoas. O município tem foco no cultivo de melancia, banana, hortaliças, mandioca e outras culturas de subsistência.
Décima segunda população no estado, viu o número de habitantes subir 12% entre 2010 e 2022. O atual prefeito é Máximo Antônio (PP).
Foto: Alex Machado/FEM
Santa Rosa do Purus
Menor população do estado, com apenas 6,7 mil moradores, segundo o Censo 2022. A região é povoada por uma grande diversidade ao nível da fauna e da flora, existindo espécies em via de extinção, tais como a onça-pintada, o jacaré-açu e a ararinha-azul.
Foi desmembrado de Manoel Urbano, e fica às margens do Rio Purus. As principais atividades econômicas de Santa Rosa dos Purus ainda são a caça e a pesca de subsistência. O município é gerido por Tamir Sá (MDB).
Foto: Reprodução/Prefeitura de Santa Rosa do Purus
Imagem de satélite mostra área desmatada em Mato Grosso, em março de 2025. Imagem: Reprodução/SAD Imazon
As áreas desmatadas da Amazônia tiveram um aumento de 18% nos primeiros oito meses do chamado “calendário do desmatamento”, período que por causa do regime de chuvas no bioma vai de agosto de um ano a julho do ano seguinte.
Conforme dados do monitoramento por imagens de satélite do instituto de pesquisa Imazon, a derrubada passou de 1.948 km² entre agosto de 2023 e março de 2024 para 2.296 km² entre agosto de 2024 e março de 2025. Uma área maior do que Palmas, a capital do Tocantins.
Apesar do aumento, essa devastação é quase 60% menor do que a registrada entre agosto de 2020 e março de 2021, quando foram desmatados 5.552 km² — a maior destruição desde 2008, quando iniciou o monitoramento.
“Mesmo que os indicadores estejam abaixo desses picos, o crescimento observado em 2025 é um sinal de alerta. Estamos em uma janela de tempo que pode permitir a reversão desse cenário, onde as chuvas são mais frequentes na região. Logo, os distúrbios na floresta não são tão intensos quando comparamos com os meses mais secos, como de junho a outubro. Por isso, é preciso agir com urgência”, destaca a pesquisadora do Imazon Larissa Amorim.
Mato Grosso liderou desmatamento em março
Apenas em março de 2025, o desmatamento da Amazônia atingiu 167 km², uma alta de 35% em relação ao mesmo mês do ano passado, quando foram destruídos 124 km². Entre os estados, Mato Grosso liderou a destruição em março, com 65 km² perdidos (39%). Em segundo ficou o Amazonas, com 39 km² (23%), e em terceiro o Pará, com 29 km² (17%). Ou seja: apenas esses três estados concentraram 80% de toda a destruição registrada na Amazônia no mês.
Já entre os municípios, o campeão de desmatamento em março foi Apuí, no Amazonas, com 15 km² destruídos — 38% do registrado no estado. Itaituba, no Pará, ficou em segundo, com 13 km² devastados — 45% do detectado em solo paraense.
Ranking
Nome
Estado
Área (km²)
1
Apuí
AM
15
2
Itaituba
PA
13
3
Maués
AM
11
4
Colniza
MT
11
5
Nova Maringá
MT
8
6
Aripuanã
MT
5
7
Amajari
RR
5
8
Nova Mutum
MT
5
9
Cotriguaçu
MT
4
10
Itaúba
MT
4
Outro destaque negativo de março foi o desmatamento registrado no assentamento Rio Juma, no Amazonas, que atingiu 14 km², o equivalente a 1.400 campos de futebol. É uma área sete vezes maior do que a derrubada no PDS Realidade, de 2 km², o segundo assentamento mais desmatado em março, também em solo amazonense.
Já entre as unidades de conservação, a mais desmatada em março foi a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, no Pará, que teve 7 km² destruídos, o equivalente a 700 campos de futebol. O segundo território protegido mais desmatado, a APA do Lago de Tucuruí, também em solo paraense, registrou 1 km² de devastação.
“Esses dados indicam uma concentração significativa da pressão em locais específicos, que devem ser prioridade na montagem de estratégias de combate e fiscalização”, observa Manoela Athaide, pesquisadora do Imazon.
Degradação cai 90% em março, mas calendário segue em alta
A degradação florestal, ocasionada pelas queimadas e extração madeireira, atingiu em março deste ano 206 km², uma redução de 90% em relação ao mesmo mês do ano passado, que havia registrado o maior índice da série histórica para o período, de 2.120 km².
Porém, considerando o calendário de desmatamento acumulado de agosto a março, houve um aumento de 329% na degradação florestal, que passou de 7.925 km² de agosto de 2023 a março de 2024 para 34.013 km² de agosto de 2024 a março de 2025. Isso se dá principalmente por causa das grandes áreas atingidas por queimadas nos meses de setembro e outubro de 2024.
Por causa desses incêndios, a degradação florestal entre agosto de 2024 e março de 2025 também foi a maior da série histórica, que iniciou em 2008.
Entre os estados, o Pará foi o responsável por 91% da degradação registrada em março, de 188 km². Maranhão ficou em segundo lugar, com 9 km² (4 km²), e Roraima em terceiro, com 8 km² (4%). O restante ocorreu em Mato Grosso, 1 km² (1%).
No coração da cultura paraense, dois ritmos dançam entre a ancestralidade e a resistência: o carimbó e osiriá. Embora compartilhem raízes indígenas e africanas, essas manifestações possuem identidades próprias que as distinguem na música, na dança, nas vestimentas e em suas origens simbólicas.
A equipe do Portal Amazônia procurou pelas principais diferenças entre as danças que são sensações no Pará. Confira:
Carimbó
Originário da região do Salgado, próximo a Belém, o carimbó tem seu nome derivado do tupi: curi (pau oco) e mbó (furado), referindo-se ao tambor com que se marca seu ritmo envolvente.
A dança carrega a força dos povos indígenas com uma batida forte herdada dos africanos escravizados, tornando-se, ao longo do tempo, uma expressão vibrante e coletiva da cultura amazônica.
Na coreografia, o homem convida a parceira para a dança com palmas e, juntos, os casais formam uma roda animada. A mulher gira, tentando lançar a saia sobre o rosto do parceiro. Caso consiga, ele é desmoralizado e precisa deixar a roda. Um dos momentos mais esperados é a chamada ‘dança do peru’, em que o homem deve pegar um lenço com a boca, uma prova de agilidade e galanteria.
O vestuário é colorido e simples: mulheres de saias floridas e blusas brancas, homens com calças curtas e camisas estampadas. Todos dançam descalços, em uma celebração que é tanto artística quanto simbólica. Figuras como Mestre Verequete, Mestre Cupijó, Pinduca e Mestre Lucindo foram responsáveis por difundir o carimbó e adaptá-lo a sonoridades mais modernas, influenciando inclusive ritmos como a lambada e o zouk.
Se o carimbó nasce da musicalidade cotidiana, o siriá brota de um gesto de agradecimento. Em Cametá, conta-se que escravos e indígenas, após um dia de trabalho árduo, encontraram grande quantidade de siris que se deixavam apanhar facilmente. Vendo nisso um milagre, criaram uma dança para agradecer, a batizando de Siriá, uma distorção fonética típica da região amazônica.
Com base no batuque africano, o siriá apresenta um compasso que começa lento e vai acelerando, acompanhando os versos entoados durante a coreografia. Os casais fazem volteios com o corpo inclinado para os lados, em um balé que exalta a resistência cultural e a alegria de viver.
As vestimentas lembram as do carimbó, mas com variações: as mulheres usam saias rodadas com blusas rendadas, colares e enfeites na cabeça. Os homens se destacam pelos chapéus de palha adornados com flores, que as mulheres retiram em sinal de contentamento. A música, o canto e o ritmo do Siriá ainda ecoam em festas tradicionais e apresentações folclóricas.
Foto: Arquivo/Agência Pará
Expressões distintas
Embora ambos compartilhem a influência de povos originários e africanos, o carimbó e o siriá expressam diferentes narrativas: o primeiro, um jogo de conquista e brincadeira, marcado por passos coreografados e desafios simbólicos; o segundo, um agradecimento coletivo que transforma um episódio de sobrevivência em arte.
No Pará, terra de ritmos e tradições vivas, esses dois estilos continuam sendo celebrados e reinterpretados por novas gerações. Carimbó e Siriá são mais que danças: são manifestações que resistem ao tempo, fortalecendo a identidade cultural amazônica com cada batida, giro e verso entoado.
A integração da IA ao inventário florestal possibilita uma gestão mais sustentável dos castanhais nativos e de outras espécies florestais. Foto: Caio Alexandre Santos
A combinação de drones e inteligência artificial (IA) inova a realização de inventários florestais na Amazônia. Em um sobrevoo de pouco mais de duas horas, a metodologia Netflora, desenvolvida pela Embrapa Acre (AC), identificou 604 castanheiras-da-amazônia (Bertholletia excelsa) e mais de 14 mil árvores de outras espécies arbóreas em uma área de 1150 hectares na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no Amazonas.
O uso dessa tecnologia representa um avanço significativo em relação aos métodos tradicionais de inventário florestal, que demandam 73 dias de trabalho e uma equipe de cinco profissionais para mapear a mesma área. A inovação não apenas reduz o tempo necessário para a coleta de dados, mas também aumenta a precisão e eficiência do monitoramento ambiental.
O mapeamento foi realizado em parceria com a Embrapa Amazônia Ocidental (AM) e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema/AM), na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã. A atividade, conduzida em fevereiro, integra o Projeto Geoflora, financiado com recursos do Fundo JBS pela Amazônia.
Segundo Evandro Orfanó, pesquisador da Embrapa Acre e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Netflora, a integração da IA ao inventário florestal possibilita uma gestão mais sustentável dos castanhais nativos e de outras espécies florestais, além de conectar conhecimento científico aos sistemas tradicionais de uso da terra.
Castanhal digital
Os benefícios dessa inovação vão chegar diretamente à comunidade da RDS do Uatumã, que terá acesso ao inventário digital dos castanhais por meio de um aplicativo de celular. A ferramenta disponibiliza planilhas e mapas dinâmicos, e permite que os extrativistas localizem com precisão as castanheiras e outras espécies de interesse dentro da floresta.
“Por meio do aplicativo será possível visualizar a localização exata das árvores e se orientar na floresta da mesma forma que navegamos em uma cidade em busca de um endereço. Cada árvore mapeada passa a ter um endereço único, representado por coordenadas geográficas”, explica Orfanó.
Além de facilitar a coleta, esse sistema de georreferenciamento otimiza rotas e reduz o esforço físico dos extrativistas com longas caminhadas. A digitalização das informações também contribui para um monitoramento mais preciso da comunidade das áreas de extração, aspecto que auxilia na preservação dos recursos naturais e possibilita que a exploração dos castanhais seja realizada de forma sustentável.
Mais de 70 mil hectares de floresta já foram mapeados na Amazônia
O inventário florestal tradicional exige um grande esforço humano, com uma equipe de cinco pessoas levando um dia inteiro para identificar e localizar as árvores em uma área de aproximadamente 20 hectares. De acordo com Orfanó, esse processo é demorado e oneroso, o que desestimula empreendedores e, principalmente, comunidades locais a adotarem ferramentas de planejamento florestal.
Foto: Caio Alexandre Santos
No entanto, com a adoção do NetFlora, essa realidade mudou rapidamente. “Atualmente, é possível mapear até 3.500 hectares por dia e produzir informações detalhadas sobre o inventário florestal, como reconhecimento de espécies, localização geográfica, métricas e mapas, em uma velocidade de 2 hectares por segundo”, complementa.
O impacto dessa inovação já pode ser visto na prática. Mais de 70 mil hectares de floresta na Amazônia já foram mapeados, resultando na coleta de um vasto banco de dados de imagens de espécies florestais, captadas por câmeras RGB a bordo de drones (ortofotos). “Além de aprimorar a precisão dos inventários, essa tecnologia reduz cerca de 90% dos custos”, enfatiza o pesquisador.
Otimização do manejo
Um dos principais produtos extraídos na região Amazônica é a castanha-da-amazônia (também conhecida como castanha-do-pará ou castanha-do-brasil), que desempenha um papel vital na bioeconomia local. A coleta e a comercialização desse recurso natural é o principal sustento de diversas famílias agroextrativistas, contribuindo para a melhoria da renda e fomentando práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais.
Além do valor econômico, a castanha-do-amazônia está profundamente ligada aos saberes tradicionais das comunidades locais, que se reflete na relação harmoniosa entre o homem e a floresta. Essa conexão é fundamental para a preservação cultural e a transmissão de conhecimentos entre gerações.
A chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Amazônia Ocidental, Kátia Emídio da Silva, coordena o projeto “Otimização da Coleta Extrativista da Castanha-do-Brasil no Amazonas“, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). O objetivo principal da iniciativa é validar o uso de cabos aéreos para o transporte das castanhas-da-amazônia em áreas de difícil acesso, a fim de minimizar o esforço físico dos agroextrativistas.
De acordo com a pesquisadora, tradicionalmente, os trabalhadores carregam sacos ou paneiros de castanha, atividade que, ao longo do tempo, pode causar sérios problemas ergonômicos, como dores na coluna.
“Nossa meta é reduzir esse impacto e tornar a atividade menos exaustiva. A parceria com a Embrapa Acre, além de facilitar a instalação dos cabos aéreos – semelhantes a tirolesas-, dentro da floresta, resultou no mapeamento preciso das castanheiras. Com essas informações, os extrativistas poderão ampliar as áreas de coleta em outras regiões da reserva ainda inexploradas”, destaca.
Outro aspecto apontado pela pesquisadora é que novas tecnologias podem atrair jovens para o extrativismo, que hoje não querem mais continuar na atividade dos pais, especialmente pelo grande esforço físico exigido na coleta e transporte primário da castanha-da amazônia, devido ao peso dos produtos e às longas distâncias.”, afirma.
Silva pontua ainda que, com a varredura do Netflora, novas espécies florestais de interesse comercial foram identificadas, como breu, baru e copaíba, entre outras, e também poderão ser manejadas na Reserva do Uatumã. A expectativa é que o mapeamento mais amplo das espécies na reserva auxilie os extrativistas na estimativa de produção e coleta, e possa trazer benefícios significativos para a comunidade local.
A identificação das castanheiras, no ambiente natural, não é uma tarefa fácil, devido à grande diversidade florística existente nas florestas tropicais que pode chegar a uma multiplicidade de até 300 espécies por hectare. “Essa configuração se torna um dos principais desafios durante a realização do inventário”, observa a pesquisadora.
Integração entre ciência e saberes tradicionais
A integração da inteligência artificial ao inventário florestal representa um avanço significativo para a gestão sustentável dos recursos naturais. Para Orfanó, essa tecnologia não apenas moderniza os métodos tradicionais de mapeamento, mas também fortalece as comunidades locais, oferecendo ferramentas que facilitam e aprimoram o seu trabalho diário.
Com acesso a dados precisos sobre a localização e distribuição das castanheiras e de outras espécies de interesse, os extrativistas poderão ampliar suas áreas de coleta de maneira organizada e responsável. Essa iniciativa promove uma exploração mais eficiente e sustentável desses recursos naturais, além de reduzir impactos ambientais e assegurar a conservação da floresta a longo prazo.
“Mais do que uma inovação tecnológica, esse projeto representa um avanço na integração do conhecimento científico com o saber tradicional, promovendo o uso da terra de forma equilibrada e sustentável”, destaca o pesquisador.
IA amplia conhecimento sobre a diversidade da floresta amazônica
A realização de novos voos em diferentes áreas de floresta tem sido fundamental para expandir o banco de dados do Netflora. Os primeiros treinamentos dos algoritmos começaram com cerca de 30 mil imagens, mas, com os novos sobrevoos, esse número mais que dobrou. A meta dos pesquisadores é alcançar entre 100 mil e 150 mil imagens, número que permitirá treinar os algoritmos de forma mais robusta e ampliar a aplicação da ferramenta em diferentes biomas.
Orfanó enfatiza que a IA já demonstrou uma capacidade avançada de identificar padrões regionais e realizar comparações entre espécies semelhantes. “Por exemplo, já é possível reconhecer a copa de uma palmeira da região Nordeste e classificá-la corretamente, mesmo em áreas nunca antes analisadas”, relata.
Imagem: Evandro Orfano
O pesquisador ainda explica que o sistema foi treinado para identificar espécies com base em dados provenientes de diversas regiões, demonstrando um grande potencial para mapear e classificar automaticamente novas áreas. “A IA reconhece padrões específicos, aspecto que facilita a identificação de novas espécies e o enriquecimento contínuo do banco de dados do Netflora”, acrescenta.
Outro avanço significativo foi a análise das imagens coletadas pelos drones, que, ao serem cruzadas com dados existentes, possibilitaram um enriquecimento substancial do banco de dados. Dessa forma, além das espécies já conhecidas, o algoritmo identificou muitas outras, incluindo diferentes tipos de palmeiras, clareiras e árvores mortas, ampliando o conhecimento sobre a diversidade da floresta amazônica.
Como utilizar a metodologia
De livre acesso, o Netflora está disponível no repositório do GitHub e pode ser facilmente executado por meio de um Notebook Colab simplificado (plataforma colaborativa aberta e gratuita, hospedada na nuvem do Google).
O uso da metodologia não demanda conhecimentos especializados, o passo a passo para sua adoção poderá ser conferido no curso Detecção de espécies florestais com uso do Netflora, de acesso gratuito, na plataforma e-campo, ambiente de aprendizagem virtual da Embrapa. Para mais informações sobre como utilizar os algoritmos treinados, acesse a página do Netflora.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Embrapa
Celular acoplado em caixa fabricada com impressão 3D para captura de imagens de amostras de café. Foto: Michel Rocha Baqueta
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de cafés da espécie canéfora (Coffea canephora) e também um dos maiores produtores de conhecimento sobre o tema. Durante o doutorado de Michel Rocha Baqueta na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA-Unicamp), por exemplo, foram publicados dez artigos em diferentes revistas científicas internacionais.
Em um deles, Baqueta e seus colegas usam imagens digitais, obtidas com um celular comum, para autenticar a origem geográfica dos cafés canéforas produzidos por indígenas em Rondônia, bem como para capturar adulterações no produto.
“Nosso método é baseado no sistema RGB [red, green and blue], que permite a obtenção de coordenadas de cores em dispositivos eletrônicos como celulares por meio de uma imagem, por exemplo. A foto é feita colocando-se a amostra [o café moído] em um dispositivo projetado com tecnologia de impressão 3D acoplado a um celular. O projeto do dispositivo foi criado para manter a análise sob condições de iluminação controladas e padronizar a distância e outras variáveis que são importantes nesse tipo de ensaio. As fotos carregam informações físicas sobre as amostras envolvendo medidas de colorimetria. Extraímos essas coordenadas de cor no programa de ciência de dados que utilizamos e criamos um modelo preditivo. A partir disso, conseguimos criar um sinal que fornece informação sobre aquela amostra e conseguimos treinar o modelo. É o que se chama de machine learning. Temos um grupo enorme de amostras autênticas e não autênticas e criamos um banco de dados. Quando estávamos com o modelo pronto e ‘treinado’, testamos as amostras restantes – já sabíamos previamente quais estavam adulteradas, e com o quê. As características do café apareceram na imagem e os nossos softwares conseguiram capturá-la. O modelo acertou em 95% das vezes”, afirma Baqueta.
A professora Juliana Azevedo Lima Pallone, da Unicamp, explica que esse modelo específico foi criado para essas amostras de café canéfora e para adulterantes como o café arábica (Coffea arabica), a borra de café, o café canéfora de baixa qualidade, a casca de café, a semente de açaí, o milho e a soja, mas pode ser adaptado. “Com base em informações sobre adulterações em cafés, produzimos amostras adulteradas em laboratório e desenvolvemos as técnicas. O modelo pode ser adaptado para detectar ‘cafés fake’, basta que seja ajustado e ‘treinado’ com outras amostras e outros adulterantes”, conta.
Imagem de amostra de café capturada pelo celular para análise. Foto: Michel Rocha Baqueta
Os demais estudos de Baqueta e colegas se baseiam em análises químicas, lastreadas em diferentes técnicas analíticas instrumentais e características sensoriais de cafés canéforas produzidos por cafeicultores de Rondônia (indígenas e não indígenas), Espírito Santo e Bahia. Sua tese de doutorado traz informações sobre como metabólitos, minerais essenciais, propriedades sensoriais e propriedades espectrais contribuem para identificar a origem e as características particulares dos cafés canéforas do Brasil.
O café da espécie canéfora, que possui as variedades robusta e conilon, é tradicionalmente usado em blends ou para a produção de café solúvel, sendo até pouco tempo considerado de menor qualidade. Trata-se de uma espécie resistente, que tem alta produtividade em regiões tropicais, e vem ganhando um novo protagonismo especialmente no Brasil, tornando o país, que já é o primeiro produtor mundial de arábica, uma referência também no segmento de canéfora de qualidade.
Os cafés especiais são classificados com base em suas características sensoriais. Porém, no caso de indicação geográfica ou de procedência do produto, a aplicação de testes sensoriais não é eficaz, pois não fornece informações sobre a origem do café. Os estudos de Baqueta e equipe procuraram transpor as dificuldades associadas à autenticação de cafés canéforas especiais, com destaque para os que apresentam indicação geográfica ou denominação de origem, uma vez que esses cafés começam a aparecer no mercado.
Indígenas
Segundo Baqueta, um dos pontos a destacar é que os canéforas produzidos por indígenas em Rondônia são de qualidade singular e têm características muito distintas dos cafés da mesma espécie produzidos no mesmo Estado ou em outras regiões do Brasil.
“O estudo integrado dos metabólitos, da fração inorgânica, das informações espectroquímicas e a análise do perfil sensorial evidenciaram como os terroirs amazônicos imprimem características únicas aos cafés canéforas cultivados por indígenas, diferenciando-os dos demais cafés produzidos na região amazônica e em outros locais. Isso está relacionado a condições de cultivo e de ambiente, bem como de uso do solo”, revela Baqueta.
Segundo ele, a sua tese é a primeira no Brasil a estudar quimicamente um café cultivado por indígenas. “A parceria da Embrapa com os indígenas de Rondônia data de 2015, mais ou menos, e o café demora três anos para produzir. São os primeiros dados desse tipo que temos no Brasil. E indicam que esse café tem alto potencial para o mercado premium.”
Financiado pela FAPESP por meio de três projetos (19/21062-0, 22/04068-8 e 22/03268-3), o trabalho de Baqueta mostrou ainda que os canéforas do Espírito Santo, da Bahia e de Rondônia (principais produtores da espécie no Brasil) são diferentes quimicamente de todos os arábicas avaliados pela equipe. “Tínhamos, na amostragem, arábicas especiais e canéforas especiais, de vários Estados. Sensorialmente, os canéforas que avaliamos são comparáveis aos arábicas no que tange à pontuação que define os cafés especiais. Eles podem ser vendidos como café especial”.
Na classificação internacional elaborada pela Specialty Coffee Association of America (SCAA), a pontuação que a bebida atinge ao final da degustação vai de 0 a 100. Os cafés que atingem uma nota final maior que 80 pontos são considerados especiais. Produtos entre 70 e 80 pontos são considerados cafés comerciais finos. A faixa entre 60 e 70 pontos refere-se aos cafés comerciais e, por fim, bebidas que atingem de 60 pontos para baixo são consideradas inferiores.
Os cientistas utilizaram técnicas avançadas de análise química e ciência de dados pelas quais foi possível identificar, entre os cafés canéforas brasileiros, padrões e variáveis importantes que os tornam distintos uns dos outros, e também distintos em relação aos cafés arábicas.
“A ideia central foi estudar, entre as diversas técnicas analíticas, qual seria o desempenho de cada uma e a melhor para identificar a origem, verificar autenticidade de indicação de procedência e classificar os canéforas brasileiros, que estão começando a aparecer no mercado de cafés especiais. As comparações foram realizadas usando ferramentas que envolvem ciência de dados, porque a quantidade de dados para processamento é imensa. Nós indicamos qual a melhor forma de autenticar os produtos, conectando esse processo à composição química de orgânicos e inorgânicos dos canéforas”, resume Pallone.
Entre as diversas técnicas usadas está a espectroscopia na região do infravermelho (próximo e médio), incluindo um equipamento portátil. Os cientistas também trabalharam com o espectro ultravioleta visível, com espectrometria de absorção atômica (técnica que provê informações sobre os minerais contidos no café), espectrometria de massas (que informa a composição orgânica) e ressonância magnética nuclear (geralmente para identificar metabólitos secundários). Todas as técnicas foram aplicadas associadas a ferramentas de quimiometria (aplicação de métodos estatísticos ou matemáticos para interpretar dados químicos).
“Em alguns casos, nós trabalhamos com um extrato, o mais próximo possível da bebida que as pessoas consomem. E, para outras avaliações, empregamos o pó de café torrado para realizar uma análise química direta”, esclarece Baqueta. A equipe fez essa abordagem de identificação de origem e procedência, bem como de detecção de adulteração, pensando na inserção da tecnologia no processo da indústria, no controle de qualidade interno e até mesmo para exportação. “Fizemos parte do trabalho com o café verde, que é exportado. A ideia foi criar métodos que possam ser usados pelos produtores e agências de certificação.”
Adulteração
O grupo deu especial atenção à detecção de adulteração, só que invertendo os papéis, já que, até hoje, os estudos feitos sobre o tema no Brasil enfocavam os canéforas como adulterante dos arábicas.
“E se a soja, o arábica, o milho, a casca de café, entre outros, forem usados para alterar o café canéfora especial? Nossos métodos conseguiram identificar até 1% de adulteração, que é um teor muito baixo, muito sutil. Conseguimos detectar impurezas que foram adicionadas como adulterantes em cafés canéforas especiais de Rondônia e Espírito Santo e demonstrar que o próprio canéfora do Espírito Santo poderia ser usado para adulterar o café conilon da Amazônia. As técnicas analíticas aplicadas permitiram identificar a alteração de conilon do Espírito Santo como se fosse café de terra indígena da Amazônia, caso isso possa ocorrer”, ressalta Pallone.
Ela revela que um adulterante surgido nos últimos anos é a semente de açaí torrada. “Conseguimos detectar a adulteração por semente de açaí, casca de café, soja, milho e canéfora de baixa qualidade em cafés canéforas especiais. Preparamos diversas amostras adulteradas em nosso laboratório, com diferentes proporções dos adulterantes, testamos e verificamos que os modelos funcionaram em todos os casos.”
Café fake
Os preços do café têm subido devido a fatores como mudanças climáticas, oscilações na produção e aumento da demanda global. Segundo os cientistas, esse cenário favorece a proliferação de práticas fraudulentas, como a adulteração com insumos mais baratos e que não são café. A prática compromete a autenticidade do produto e engana consumidores, que pagam mais por uma bebida que não corresponde ao padrão esperado.
“Além disso, já podemos notar nas redes sociais o compartilhamento de receitas em que matérias-primas alternativas são torradas a ponto de carbonizar, visando a criação de uma bebida que substitua o café. Essa prática gera preocupações para profissionais das áreas de controle de qualidade e segurança do alimento, pois o processo inadequado de torrefação pode levar à formação de compostos tóxicos”, alerta Baqueta, ressaltando que o fenômeno do café fake tem se tornado uma preocupação crescente, pois não se sabe os efeitos do seu consumo no organismo.
Para ele, essa realidade reforça a necessidade de avanços em métodos analíticos para detecção de fraudes e de uma regulamentação mais rigorosa para garantir a transparência e a qualidade na cadeia produtiva.
Os dez artigos publicados pelo grupo podem ser acessados em:
Spectroscopic and sensory characterization of Brazilian Coffea canephora terroir and botanical varieties produced in the Amazon and Espírito Santo implementing multi-block approaches. (Journal of Food Composition and Analysis): www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0889157524004769?via%3Dihub.
André Guimarães, diretor executivo do IPAM. Foto: Reprodução/IPAM
Proteger as florestas é fundamental para assegurar a produtividade do agronegócio brasileiro, afirmou André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), durante o evento ‘GLF FORESTS 2025: Definindo a próxima década de ação‘, organizado pelo Fórum Global de Paisagens, em Bonn, na Alemanha.
O encontro debateu temas relacionados à valorização das florestas e à integração entre áreas produtivas e vegetação nativa, com foco na criação de paisagens resilientes às mudanças climáticas.
“Primeiro, não há como pensar em alcançar a meta de 1,5°C sem as florestas tropicais. Sem a Amazônia, não existe Acordo de Paris. Além disso, sem essas florestas, não teremos segurança alimentar global. Isso porque entre 40% e 50% da produção mundial de alimentos vem de países tropicais, onde, na maioria dos casos, a agricultura não é irrigada e, portanto, depende das chuvas geradas pelas florestas. Tudo está interconectado”, destacou Guimarães.
“Temos regiões do Cerrado e da Amazônia em que foi registrado um aumento de até 4°C na temperatura média. Isso significa que o cultivo de soja e milho nessas áreas já não é viável ou lucrativo. Precisamos, portanto, mudar o paradigma e enxergar as florestas como parte do sistema produtivo. Quanto mais floresta tivermos, mais produção, mais água e mais controle natural de pragas teremos”, alertou.
O Fórum Global de Paisagens é uma organização multissetorial que apoia o desenvolvimento de paisagens produtivas e resilientes às mudanças climáticas. A entidade também atua na criação de mecanismos de financiamento para a proteção das florestas e estratégias de transição energética. Atualmente, o fórum é composto por mais de 10 mil organizações em 185 países. O evento foi gravado e está disponível no canal do GLF no YouTube.
Mantendo o desmatamento sob controle
Com a recente redução dos índices nacionais de desmatamento, Guimarães defende a criação de mecanismos para evitar que a perda de vegetação nativa volte a crescer, além da necessidade de adaptar as políticas de combate ao desmatamento.
“Se reuníssemos todo o dinheiro da filantropia mundial, ainda assim teríamos apenas uma fração dos recursos necessários para garantir a segurança ambiental do planeta. Mas é melhor investir agora do que lidar com um futuro incerto. Combater o desmatamento tem duas frentes: precisamos reduzi-lo, por meio de políticas de comando e controle e da aplicação da lei. No entanto, para mantê-lo em níveis baixos, são necessárias outras ferramentas. Precisamos substituir práticas insustentáveis por modelos mais sustentáveis de uso do solo, e isso exige investimentos”, afirmou.
Nesse contexto, iniciativas como o programa CONSERV, que remunera produtores rurais pela conservação de áreas de vegetação que poderiam ser legalmente desmatadas, podem servir como modelo para o futuro da conservação florestal. Desde 2020, o programa já firmou 21 contratos com produtores de Mato Grosso e do Pará, evitando a emissão de mais de 2 milhões de toneladas de CO₂ e protegendo mais de 20 mil hectares de vegetação.
Da mesma forma, o projeto Global Assessment from Local Observations (GALO) também pode ser fundamental para compreender a relação entre áreas produtivas e naturais no campo. A iniciativa, conduzida na Estação de Pesquisa Tanguro, investiga como as dinâmicas dos biomas Amazônia e Cerrado são influenciadas por fatores como o clima e a produtividade agrícola.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo IPAM, escrito por Lucas Guaraldo
Procissão durante a abertura do Sínodo para a Amazônia, em Roma (2019). Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Por Osíris M. Araújo da Silva – osirisasilva@gmail.com
Convocado pelo Papa Francisco, o Sínodo dos Bispos Assembleia Especial para a Região Amazônia, sob o tema “Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”, foi realizado em Roma, durante 21 dias, em outubro de 2019. O clima foi de trocas abertas, livres e respeitosas entre bispos, pastores da Amazônia, missionários e missionárias, leigos e leigas, e representantes dos povos indígenas. No encerramento do Sínodo, em 26 de outubro de 2019, o Sumo Pontífice enfatizou que o mote escolhido para o conclave animou bispos de todo o mundo a buscarem acesso a um estudo produzido por 13 autores, três dos quais são brasileiros e membros da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam).
O documento final salienta, dentre pontos transcendentais discutidos e decididos, que, “na Amazônia, a vida está inserida, ligada e integrada ao território, que, como espaço físico vital e nutritivo, é possibilidade, sustento e limite de vida”. A Amazônia é um extenso território com uma população estimada em 33.600.000 habitantes, dos quais entre 2 e 2,5 milhões são indígenas. A Pan-Amazônia, composta pela bacia do rio Amazonas e todos os seus afluentes, estende-se por 9 países: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Brasil, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Ressalta, por outro lado, que “a região amazônica atualmente é a segunda área mais vulnerável do mundo em relação às mudanças climáticas devido à ação direta do homem. Particularmente, a água e a terra desta região alimentam e sustentam a natureza, a vida e as culturas de inúmeras comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes (quilombolas), caboclos, assentados, ribeirinhos e habitantes dos centros urbanos. A água, fonte de vida, possui um rico significado simbólico. Na região amazônica, o ciclo da água é o eixo de interligação. Interliga ecossistemas, culturas e o desenvolvimento do território”.
O Sínodo dos Bispos para a Amazônia considera que a floresta amazônica representa “o coração biológico da terra, embora cada vez mais ameaçada”. Encontra-se em uma corrida desenfreada para a morte. Requer mudanças radicais de suma urgência e um novo direcionamento que permita salvá-la. Está cientificamente comprovado que o desaparecimento do bioma Amazônia trará um impacto catastrófico para o planeta!” De acordo com o documento final, “o caminho sinodal do Povo de Deus envolveu toda a Igreja no território, os Bispos, os missionários e missionárias, os membros das Igrejas de outras confissões cristãs, os leigos e leigas, e muitos representantes dos povos indígenas, em torno do documento de consulta que inspirou o “Instrumentum Laboris”.
O Papa Francisco, no encerramento do Sínodo, confirmou a decisão de criar um órgão dentro da Santa Sé dedicado exclusivamente aos cuidados com a Amazônia, com o objetivo de combater todo tipo de injustiça, exploração de pessoas e destruição da identidade cultural. Observou que “este é um momento de graça para exercitar a escuta recíproca, o diálogo sincero e o discernimento comunitário para o bem comum do Povo de Deus na Região Amazônica, e assim continuar caminhando sob o impulso do Espírito Santo nas pequenas comunidades, paróquias, dioceses, vicariatos, prelazias e em toda a região”.
O Sínodo Amazônia, por inspiração do Papa Francisco, salienta o documento final, “quer se constituir em forte apelo para que todos os batizados da Amazônia sejam discípulos missionários”. Observa que “o envio à missão é inerente ao batismo e é para todos os batizados. Por Ele todos nós recebemos a mesma dignidade de filhos e filhas de Deus, e ninguém pode ser excluído da missão de Jesus aos seus discípulos. “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova a toda criatura!” (Mc 16,15). Por isso acreditamos que é necessário gerar um maior impulso missionário entre as vocações nativas; a Amazônia também deve ser evangelizada pelos amazônidas”.
Francisco lembrou sua encíclica “Laudato Si” (Louvado Seja) publicada em 2015, como um marco balizador do pensamento ecológico segundo as bases do catolicismo. O título refere-se às preocupações do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum (meio ambiente). A frase é uma citação do “Cântico das Criaturas”, de São Francisco de Assis, que louva a Deus por todas as criaturas. A encíclica critica o consumismo e o desenvolvimento irresponsável, e apela à mudança e unificação global para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas.
Tais convicções marcaram o Papado de Francisco, particularmente ao expressar seu amor por nossa região nos seguintes termos: “Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos. Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e a sua dignidade promovida. Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana”.
A preocupação da Igreja com a Amazônia, entretanto, vem de longe. “Cristo aponta para a Amazônia” (Paulo VI, Mensagem aos peregrinos de Belém, 10.10.1971). Por conseguinte, de acordo com o texto do documento final, a escuta da Amazônia, no espírito próprio do discípulo e à luz da Palavra de Deus e da Tradição, nos conduz a uma profunda conversão dos nossos planos e estruturas a Cristo e ao seu Evangelho. Que o governo brasileiro não despreze os objetivos e as recomendações do Sínodo em favor do desenvolvimento sustentável da região e jamais esqueça e honre os determinados compromissos deste Papa que foi argentino, mas também amazônico. Hoje encontra-se ao lado do Pai, mas seus ensinamentos e o amor pela Amazônia irão reverberar por toda a eternidade.
Sobre o autor
Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e da Associação Comercial do Amazonas (ACA).