Kit Cupuaçu 5.0: reforço tecnológico de novos clones do fruto possui potencial na bioeconomia

O kit desenvolvido na Embrapa reúne as cinco melhores variedades selecionadas, que apresentam boa resistência ao fungo causador da vassoura-de-bruxa e produtividade superior.

Alta produtividade e boa resistência à vassoura-de-bruxa estão entre as principais características das novas cultivares de cupuaçuzeiro (Theobroma grandiflorum) que a Embrapa lança no mês de maio. Composto por cinco clones, o kit denominado Cupuaçu 5.0 é um reforço tecnológico para o posicionamento de uma fruta com mercado em franca expansão nacional e internacional, com potencial de se tornar um importante ativo de bioeconomia e desenvolvimento local a partir da criação de novos produtos, ou como insumo de alto valor agregado. O lançamento do kit clonal também conta com uma série de lives para explicar seu potencial no canal da Embrapa no Youtube.

As novas cultivares, por serem clones, devem ser propagadas por meio de enxertia, seja para a formação de novos pomares ou, ainda, para a substituição de copas de plantas improdutivas, por meio de outra tecnologia preconizada pela Embrapa, a Substituição de Copa do Cupuaçuzeiro, tornando o cultivo dessa espécie mais rentável e sustentável. Outra característica importante é o fato de o kit ser formado por cinco clones que se complementam e, portanto, necessitam ser plantados simultaneamente, sendo as plantas arranjadas no campo de forma intercalada, para que possam expressar todo potencial produtivo.

É o que alerta e orienta o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Rafael Moyses Alves, melhorista que assina as novas variedades. Ele revela que o kit ‘Cupuaçu 5.0 – coleção de clones de alta produtividade e resistentes à vassoura de bruxa’ é composto pelas cultivares de cupuaçuzeiro BRS Careca, BRS Fartura, BRS Duquesa, BRS Curinga e BRS Golias.

O melhorista reforça que a propagação dos clones via enxertia traz segurança aos produtores, pois essa técnica permite manter nos clones as mesmas características genéticas das matrizes que os originaram. 

Alves lembra que o cupuaçuzeiro, embora seja uma planta de fácil manejo, exige uma certa variabilidade genética em campo para ser produtivo, pois não aceita a autogamia (autoferlização). “Para aumentar a eficiência da polinização e garantir alta produtividade, é necessário que as plantas dos cinco clones sejam plantadas intercaladas no campo”, explica o pesquisador. 

Foto: Vinícius Braga/Embrapa

Substituição de copa para o controle da vassoura-de-bruxa

A substituição de copa do cupuaçuzeiro é um método alternativo para controle da vassoura-de-bruxa aprimorado pela Embrapa Amazônia Oriental, no ParáA tecnologia consiste na poda de alguns ramos do cupuaçuzeiro improdutivo e, nos brotos que a planta vier a emitir, é realizada a enxertia com clones resistentes. Após a verificação do pegamento do enxerto, gradualmente a copa original do cupuaçuzeiro é eliminada, para que todo o sistema radicular da planta adulta trabalhe em função da brotação recém-emitida do enxerto.

Levantamento feito pela Embrapa estima que o custo estimado para a produção do cupuaçuzeiro com a substituição de copas é de cerca de R$ 13 mil por hectare, diluído nos três primeiros anos. Por outro lado, a previsão de retorno do investimento ocorre já a partir do sétimo ano após as enxertias.

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Kit Cupuaçu 5.0: garantia de maior produtividade e sanidade às plantas

Após dez anos avaliando 16 clones, Alves reuniu dados fenológicos, produtivos e sanitários que levaram à seleção das cinco melhores variedades para integrar o kit Cupuaçu 5.0.

Outra vantagem do Cupuaçu 5.0 é a expansão do período de safra, que passará de quatro para seis meses, visto que há clones precoces, regulares e tardios. Essa característica permitirá um melhor escalonamento da produção e facilitará a colheita e o respectivo processamento pela agroindústria, diminuindo os problemas decorrentes do excesso de fruto em um espaço curto de tempo das safras convencionais.

Cultivo impulsiona a produção familiar 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registram que o cultivo do cupuaçu pode ser encontrado, em diferentes escalas, na maioria dos 144 municípios do Pará, majoritariamente, na agricultura familiar. De acordo com o Censo Agropecuário, estima-se que o volume da produção nacional de cupuaçu, em 2017, último ano de publicação pelo IBGE, foi de 21.240 toneladas, correspondente a uma área colhida de 13.504 hectares, com a atuação de 15.747 estabelecimentos produtivos. O valor estimado do total da produção nesse segmento produtivo correspondeu a R$ 54,8 milhões.

Embora enfrente problemas da demanda de polpa, os agricultores familiares seguem apostando no cultivo do fruto, principalmente como componente dos Sistemas Agroflorestais (SAFS), forma de produção que concentra a maior parte do cultivo das plantas no estado do Pará.

Campeão de produtividade

O Cupuaçu 5.0 apresenta dupla aptidão, pois apresenta bom rendimento tanto de polpa quanto de amêndoas. Na comparação com as demais cultivares lançadas pela Embrapa Amazônia Oriental, o Cupuaçu 5.0 produz até 14 toneladas (t) de frutos por hectare (ha), enquanto a BRS Carimbó, lançada em 2012, chega na média de 8 toneladas. E muito acima da média do estado do Pará, que é de apenas 2,5 t/ha, segundo levantamento realizado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca – Sedap (LSPA – Cupuaçu/Belém, PA, 2018.)

A produtividade de amêndoas frescas é outro item no qual essa coleção de clones se destaca, conforme o pesquisador. Valorizada no mercado tanto da gastronomia, por ser a base do cupulate, doce semelhante ao chocolate, quanto como insumo para a indústria de cosméticos, a produção desse segundo produto no Cupuaçu 5.0 chega a quase o dobro por hectare, se comparada à BRS Carimbó, com 1,9 t/ha e, exponencialmente acima da média estadual, com 0,4 t/ha.

Versatilidade do cupuaçu conquista diferentes mercados

O cupuaçu é uma fruta perene, originária da Amazônia, e da qual tudo se aproveita. Da polpa, de sabor e aroma marcantes, fabricam-se em sorvetes, doces, sucos, geleias, licores e outros produtos diversos de confeitaria. A folha desidratada se transforma em embalagens, papel rústico e tudo mais que a criatividade do artesão permite. Até as cascas, após o processamento, são usadas no artesanato ou voltam à terra como componente de adubo orgânico.

Outro leque se abre para um nicho de mercado entre os mais lucrativos é o da a indústria de cosméticos. Esse potencial está nas amêndoas, que além de produzir uma manteiga de qualidade superior e já presente nas principais marcas de cosméticos nacionais e internacionais, também é a base para outra potência, o cupulate, doce resultado do processamento das sementes, semelhante ao chocolate, e que, como o “primo” famoso, pode ser encontrado em lojas físicas e virtuais em forma de pó e barras finas, conquistando paladares mundo afora.

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Cupuaçu: ativo de bioeconomia e de preservação da floresta

A ciência brasileira conta com um vasto conhecimento ecológico e agronômico do cupuaçu, ser uma espécie nativa, com alto consumo local, o que a torna uma importante frutífera para segurança alimentar e para economia regional. Ela também é uma espécie perene, com pouco tempo para produção inicial de frutos – de dois a quatro anos após o plantio – e apresenta uma longa vida útil: mais de uma década de produção após primeira safra. Esse conjunto transforma o cupuaçu em um importante ativo da bioeconomia nacional. É o que afirma Roseli Mello, líder global de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do grupo Natura &Co (formado por Natura, Avon, The Body Shop e Aesop), uma gigante da cosmética mundial e que usa o cupuaçu como matéria-prima de diversos produtos da empresa.

Mello destaca que o cupuaçu apresenta benefícios de ordem ambiental, econômica e social, pois possui alto potencial para cultivo consorciado em larga escala, principalmente em sistemas agroflorestais, por se desenvolver melhor nesses ambientes, promovendo a diversificação da renda para pequenos agricultores e a restauração produtiva de áreas degradadas. “Com investimentos em tecnologia e pesquisa em bioeconomia, o potencial do Brasil para gerar riqueza por meio da sociobiodiversidade e ser um protagonista na agenda global de sustentabilidade e da economia de baixo carbono é imensurável”, analisa Roseli Melo.

Segundo o estudo Bioeconomia da Sociobiodiversidade do Pará, elaborado pela The Nature Conservancy, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Natura, a comercialização de 30 produtos extraídos da Amazônia no estado gerou uma renda total de R$ 5,4 bilhões em 2019. Nesse levantamento, o cupuaçu aparece entre os dez com maior potencial de exportação e agregação de valor.

O cupuaçu se destaca ainda, de acordo com o estudo, pelo markup, cálculo que demonstra o percentual de lucro, ao avaliar o preço de compra do produto primário até o preço de venda final após a agregação de valor ao longo da cadeia. Para esse fruto tão amazônico, se analisada somente a valoração da amêndoa, o markup é de quase 300%. 

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Muita demanda para pouco produto gera oportunidade

O óleo e a manteiga extraídos da amêndoa do cupuaçu conquistam o mercado por apresentarem características físico-químicas apreciadas nas indústrias química e de cosméticos. A Amazon Oil , empresa instalada na região metropolitana de Belém, Pará, processa óleos e manteigas de produtos da sociobiodiversidade da floresta amazônica e os comercializa para indústrias de alimentos, farmacêuticas e cosméticas no Brasil e no exterior.

O alemão Ekkehard Gutjah, um dos sócios da empresa, enfatiza que a manteiga do cupuaçu oferece propriedades fantásticas para a indústria cosmética. “Ela possui alto poder de absorção de água, aproximadamente 240% superior à da lanolina, atuando como um substituto vegetal desse produto de origem animal, regula o equilíbrio hídrico e a atividade dos lipídeos da camada superficial da pele e pode ser usada ainda no tratamento de doenças”, afirma Gutjah.

O empresário acredita ainda que o cupuaçu tem potencial para ampliar e conquistar cada vez mais mercado. “Esse subproduto do cupuaçu foi uma das primeiras manteigas amazônicas a entrar no mercado internacional há cerca de 20 anos e, mesmo nesse curto espaço de tempo, já registra seu lugar na literatura mundial da indústria de cosméticos ao apresentar características superiores às das manteigas de karité e lanolina, que ainda dominam o mercado mundial”, relata.

No entanto, a sua matéria-prima ainda esbarra na baixa produção e oferta de amêndoas. “Temos demanda crescente, mas não encontramos produto no mercado e nem formas organizadas de produção. É preciso fortalecer o mercado de polpa, para garantir o fornecimento de amêndoas”, recomenda o empresário, apresentando esse problema como um dos principais gargalos ao avanço do cupuaçu no mercado mundial. 

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Alta gastronomia e sorvete premiado na Itália

Seja pela polpa ou pela amêndoa, o cupuaçu tem conquistado também paladares ao redor do mundo, levando o nome da Amazônia e do Brasil a concursos internacionais. E um desses casos de sucesso ocorreu em 2021 com uma tradicional sorveteria paraense, a Cairu, com mais de 60 anos de história. O sorvete Carimbó, feito com castanha-do-brasil e doce de cupuaçu, ganhou o título de melhor sorvete do Brasil e representou o País em um dos mais tradicionais festivais do mundo, realizado na Itália, referência mundial da sobremesa.

Infelizmente, a iguaria paraense não ganhou o prêmio mundial, mas ajudou a divulgar o sabor marcante do cupuaçu no Brasil e no mundo.

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Hoje, o sorvete Carimbó está entre os três mais vendidos pela empresa. Armando Laiun, um dos sócios, diz que comercializa cerca de três toneladas por mês somente de produtos com cupuaçu.

Outro empresário paraense que se rendeu ao fruto amazônico foi o chocolateiro César De Mendes. A empresa DeMendes fabrica chocolates e cupulate com registro de procedência e valorização das culturas e comunidades fornecedoras. Por meio da venda física, online e participação em feiras internacionais, De Mendes já levou a iguaria amazônica a vários estados do Brasil e diversos países. Ele garante que o cupulate fino a 70% que produz divide as vendas com os tradicionais chocolates da marca.

*Por Kélem Cabral, da Embrapa Amazônia Oriental


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