Estratégia de sobrevivência: conheça a espécie de tubarão que consegue viver em rio na Amazônia

O tubarão é considerado um dos predadores mais temidos do oceano e o tubarão touro pode ser encontrado nos rios da Amazônia em pontos onde desaguam no mar.

Se as águas escuras e barrentas dos rios da Amazônia já são motivo de medo, imagina saber que é possível encontrar um dos maiores e mais ferozes predadores do oceano: o tubarão. 

Esse peixe cartilaginoso já foi, sim, encontrado em níveis do Rio Amazonas, onde o oceano Atlântico está próximo. Mas será que isso acontece com muita frequência ou é raro? 

O Portal Amazônia conversou com a doutora em Ecologia e Evolução pela Universidade do Arizona (EUA) e responsável pela Coleção de Peixes do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Lucia Rapp, para saber mais sobre o caso.

Tubarão touro ou cabeça-chata (Carcharhinus leucas). Foto: Doriedson Campanhan/Flickr

Lucia Rapp confirmou que apesar de ser raro encontrar tubarões circulando em água doce, isso pode sim acontecer. Existem muitas espécies marinhas, não só tubarões, que são atraídos para os estuários dos rios (ponto onde os rios desaguam no mar) e que passam partes de sua vida em água doce.

“Um estuário como o do rio Amazonas, um rio de proporções continentais e um volume de água doce e nutrientes quase sem precedentes, a área de mar afetada por estas águas é imensa. A pluma do Amazonas, como é chamada esta imensa área de influência do rio sobre o mar, abriga várias espécies, inclusive tubarões. São poucas as espécies de tubarões que circulam em água doce, dentre as mais de 200 espécies de peixes cartilaginosos (tubarões e raias), cerca de 40 foram registradas em águas doces”, 

afirma a bióloga. 

Um exemplo disso é um dos casos de tubarões no Rio Amazonas que ocorreu em novembro de 2016. Pescadores da comunidade Pinduri encontraram um tubarão touro ou cabeça-chata (Carcharhinus leucas) nas águas do rio Tapajós, em Santarém, no Oeste do Pará. 

A espécie habita geralmente em águas salgadas, mas tem capacidade de se adaptar e viver em água doce. O animal que media 1,55 metros de comprimento e 65 centímetros de diâmetro foi capturado pelo pescador Glicério Viana, de 56 anos.

Foto: Raiana Lara Rebelo Freire/Cedida

Logo após ter sido pescado, o tubarão foi encaminhado à coleção de peixes da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), para ser objeto de estudo, como conta o biólogo, ictiólogo, doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo INPA e professor do Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas da Ufopa, Frank Raynner Ribeiro.

“O tubarão foi capturado por pescadores e eviscerado [cujos órgãos internos são retirados]. Ele foi encaminhado para a Coleção Ictiológica da Ufopa, onde está armazenado e disponível para estudos científicos”, 

explica.

E como esses tubarões conseguem viver em águas doces?

De acordo com Lucia Rapp, tubarões fazem parte de um grupo de peixes com alta capacidade de habitação em águas salgadas, com uma fisiologia bastante adaptada para os mares. Porém, alguns tubarões circulam facilmente do mar para água doce e vice-versa.

Ela explica que, normalmente, o sangue dos tubarões é tão salgado quanto a água do mar, mas nos tubarões que circulam em água doce, o sangue é “bem menos salgado”, ainda que seja muito mais salgado que a água doce. 

“Estes peixes precisam eliminar o excesso de sal e fazem por glândula na região do intestino, chamada glândula retal. O fígado, órgão que acumula muita gordura e é responsável pela flutuação dos tubarões, também tende a acumular menos gordura e metabolizar excretas do sangue. Por conta disso, tubarões em água doce não vão além de 30 metros de profundidade porque sua capacidade de flutuação é prejudicada por causa de modificações no fígado, porém, nem todas as espécies têm a capacidade de viver em água doce. Tubarões touro que vivem somente em água doce, tendem a viver menos, ou seja, eles precisam viver no mar também. Sua adaptação às águas doces pode ser vista como uma estratégia de sobrevivência que deu certo, mas que oferece limitações também”,

pontua a especialista.

Ainda de acordo com a pesquisadora, são poucos os registros de casos documentados da entrada de tubarões na Amazônia: “Muitas vezes, o tubarão é capturado e cortado em pedaços e vendido em mercados, de onde só recebemos notícias pouco fundamentadas. Não sabemos também até que ponto acidentes mais graves podem ter ocorrido por causa de tubarões e que tenham sido atribuídos a jacarés ou grandes bagres”.

Segundo Lucia, o que “chama” esses tubarões para as águas doces é a busca por alimento e a manutenção da espécie. “Além da riqueza de presas, são atraídos por um fenômeno chamado ‘stress fisiológico’, que provoca profundas alterações fisiológicas nos organismos. No caso dos tubarões que entram em água doce, o ‘stress fisiológico’ é um gatilho para a reprodução. O amadurecimento das gônodas (aparelho reprodutor) nestes peixes parece ser estimulado pela entrada nas águas doces, tanto que fêmeas grávidas já foram encontradas em Iquitos, no Peru, uma viagem de mais de 3.000 km. Não sabemos quanto tempo uma fêmea demora neste percurso, nem por quanto tempo esses tubarões permanecem em água doce, mas é certeza que retornam ao mar”, relata.

Tubarão touro (Carcharhinus leucas) encontrado em Santarém, no Pará. Foto: Raiana Lara Rebelo Freire/Cedida

Outra possível motivação são algumas vantagens, como a falta de predadores para competir. No caso do tubarão touro, por exemplo, as modificações que ele apresenta para viver em água doce lhe proporcionaram vantagens como a pouca competitividade com outros tubarões. “Seus filhotes podem se desenvolver muito bem em estuários, já tendo sido observado um grande número de jovens tubarões touro em áreas estuarinas. Por sinal, os jovens são muito bem adaptados às águas doces”, completa.

Ainda segundo Lucia Rapp, outras espécies marinhas podem ser encontradas no Rio Amazonas, próximas a tubarões: “São o peixe–serra, com pelo menos duas espécies: Pristis pectinata e Pristis pristis, que diferente do tubarão touro, não oferece nenhum perigo a banhistas. Várias espécies marinhas de bagres e peixes de escama, de pequeno e médio porte, também adentram o rio Amazonas. Estas espécies são observadas facilmente no Mercado Ver-o-Peso, em Belém, e a grande maioria não chega nem até Santarém. A entrada de espécies marinhas também pode ocorrer no rio Tocantins, já que a sua foz deságua na área estuarina do Amazonas”, ressaltou.

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