Entenda a diferença de comportamento entre os botos da Amazônia e se eles são mesmo “implicantes”

Enquanto o tucuxi parece mais pacífico, o boto cor-de-rosa se mostra mais interativo e “empolgado”. Especialista explica esses opostos.

Os carismáticos botos são um dos principais animais quando se pensa sobre as particularidades da Amazônia. Eles são muito famosos por conta do imaginário regional na famosa ‘lenda do Boto‘, quando um homem sai das águas de terno e chapéu branco e vai para as festas seduzir as moças solteiras, que acabam engravidando. Ao fim da noite, eles retornam à sua forma de boto.

Mas o foco aqui não é sobre a lenda, e sim sobre o comportamento dos botos da Amazônia. Você sabia que existem mais de uma espécie nas águas da bacia amazônica?

Isso mesmo, existem dois tipos: o tucuxi e rosa ventralmente, com a sua cor acinzentada e o boto cor-de-rosa (ou boto-vermelho) que, como o próprio nome diz,  possui a maior parte ou o corpo todo rosado. E apesar de serem “parentes”, eles possuem personalidades distintas.  

Para entender melhor sobre os golfinhos fluviais, o Portal Amazônia conversou com a pesquisadora no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Vera da Silva. 

“O boto e o tucuxi são dois tipos de golfinhos de rio totalmente diferentes, com hábitos alimentares e de uso do ambiente bastante distintos. Existe uma sobreposição destes hábitos, mas de forma geral, os botos machos adultos tendem a ocupar mais os grandes rios e as suas fêmeas, canais menores, áreas de lagos e áreas mais protegidas. E o tucuxi, que é um golfinho bem menor do que o boto-vermelho, ocupa mais a calha dos rios e dos principais corpos d’água na região”, 

explica.

A pesquisadora explica que os tucuxis são bem menores que os botos. O boto-vermelho, o macho adulto, pode alcançar 2,55 metros, enquanto que um tucuxi adulto nao ultrapassa 1,52 metros. Outro motivo que os diferencia, é a alimentação. Enquanto o tucuxi se alimenta de peixes menores e de cardumes, o boto-vermelho se alimenta de peixes bem maiores e muitas vezes de hábitos mais solitários e possui uma personalidade curiosa e bastante inteligente, o que facilita a sua alimentação e ainda acaba dando uma ‘dorzinha de cabeça’ para os pescadores.

“O boto é um animal extremamente curioso, ele se aproxima dos barcos e da borda do porto das casas. Sua área de vida é muito próxima às margens dos rios, que é onde existe maior abundância de peixes, que é o seu alimento. Então, ele ocupa estas regiões mais de margens de rio, até 150 metros da margem, local também preferido pelos pescadores para colocar a sua rede. Assim, o boto acabou ficando com a má fama de retirar os peixes da rede. Ele aprendeu que quando tem um peixe se batendo em uma rede, é sinal de alimento fácil e ele vai lá e rouba o pescado, como também muitas vezes, pode cortar e partir o peixe, no caso de ser um peixe maior, e acabar estragando o peixe para o pescador e até mesmo rasgar o apetrecho de pesca. Além disso, ocorrem casos em que o filhote se embola e morre afogado, e ainda acaba estragando a rede do pescador,”

explica a pesquisadora.

Os “galerosos” das águas?

Os botos são vistos como os brigões e arruaceiros das águas amazônicas. Em relatos de muitas pessoas pela internet, eles costumam “implicar” com visitantes, entretanto não é assim que isso ocorre.

Na verdade, o único comportamento “agressivo” que essas lendárias figuras apresentam, está na forma de brincar e interagir entre eles.

“Não é que o boto-vermelho seja mais agressivo ou ataque os humanos. O boto-vermelho é um animal que briga com outros machos da sua espécie. Os machos estão sempre brigando ou brincando de brigar; é uma espécie de brincadeira agressiva e uma forma de treinamento para quando eles competirem com outros machos pelo acesso à fêmea, no período reprodutivo. Então, os machos de boto-vermelho, apresentam esse comportamento aparentemente mais agressivo. Por outro lado, o tucuxi já tem outro comportamento reprodutivo e que não envolve brigas entre eles para ter acesso a fêmea, ele apresenta outra forma de estratégia reprodutiva. Mas, no caso do boto-vermelho, é diferente, ele briga fisicamente como que se exibindo para a fêmea que então escolhe aquele que ela considera o mais apto”,

explica Vera.

 Os curiosos da Amazônia

Por conta disso, tantas histórias que contam sobre o comportamento dos botos é de que eles são verdadeiros “malvados” das águas amazônicas, com relatos sobre supostos ataques de botos a canoas, batendo em embarcações com a finalidade de virá-las, arrancando remos das mãos dos canoeiros.

Mas fique tranquilo. Os botos não atacam ou são os vilões das águas na Amazônia. De acordo com a pesquisadora, eles não possuem o comportamento de atacar seres humanos.

“O boto ficou com essa má fama de tentar afundar canoas, de segurar o remo, ou de que ele agarra a quilha das canoas, além das lendas que existem sobre ele. Mas isso é apenas resultado da sua curiosidade. O boto se aproxima das embarcações e também utiliza no seu comportamento, de um modo geral, objetos que encontra no rio como galhos, tufos de capim e até pequenos animais aquáticos. Ele também utiliza objetos que os humanos usam nas suas atividades. Então, como as águas são muito turvas e não podemos enxergar o que acontece embaixo d’água, o boto pode nadar bastante discreto e muitas vezes, quando vai para superfície respirar ou quando se aproxima bruscamente de uma canoa, ele assusta as pessoas. A gente sabe que muitas vezes no interior, as pessoas vão para suas roças e voltam com as canoas muito cheias transportando seus produtos como a mandioca, lenha e alguma outra coisa que tenham colhido na sua roça, além do cachorro que o acompanha, a criança ou mesmo os adultos na canoa que acaba ficando sobrecarregada. Então, com o banzeiro do rio e o que o próprio boto faz, muitas vezes pulando em volta da canoa, ele pode acabar, às vezes, alagando a canoa”, conta Vera.

É importante ressaltar que, no caso do tucuxi, ele raramente se aproxima das embarcações grandes e principalmente de embarcações pequenas fazendo que muitos o considerem o bonzinho.

“O tucuxi não tem esse hábito de segurar objetos que estão boiando no rio, então ele já não tem a mesma interação que o boto-vermelho tem. Raramente vai nas redes para retirar os peixes, principalmente porque as redes são colocadas na sua maioria próximo às margens, ou dentro do igapó, que são áreas que o tucuxi não costuma frequentar. Então, como ele é menorzinho, mais gracioso e salta fora da água, ele encanta quem ver esse comportamento” afirma.

A pesquisadora deixa ainda um recado: 

“Os golfinhos fluviais tem um papel ecológico muito importante nas águas Amazônicas. Vamos protegê-los e manter esse símbolo Amazônico vivo”.

Vera da Silva

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