Mantido o quadro atual, a previsão é de intenso desmatamento nas próximas três décadas.
As ações de destruição da floresta amazônica mantêm ritmo acelerado no Brasil. Nos cinco primeiros meses de 2022, a Amazônia registrou a maior devastação dos últimos 15 anos, segundo os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). De janeiro a maio, vieram ao chão 3.360 km², o equivalente a dois mil campos de futebol, por dia, de mata nativa.
“Nos últimos anos, a curva de desmatamento na Amazônia Legal vem apresentando um crescimento preocupante. A partir de 2019, a taxa anual de desmatamento ultrapassa o valor de 10.000 km², algo que não acontecia desde 2008”, destaca a pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Patrícia Bittencourt Tavares das Neves.
Em janeiro deste ano, Patrícia defendeu, pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia (Proderna/ITEC/UFPA), a tese ‘Modelo de Inteligência Artificial para Estimativa do Desmatamento Considerando a Rede de Transporte Rodoviário do Estado do Pará‘. No estudo, ela investiga as variáveis relacionadas ao processo de desmatamento da floresta amazônica, no período de 1988 a 2018.
Com área de formação e atuação ligadas a transporte, a pesquisadora buscou estudar a influência da malha rodoviária – oficial e clandestina – no processo de desmatamento no estado do Pará. Observando os cenários de expansão da rede rodoviária, foi possível realizar previsões de desmatamento e fazer alerta sobre a ameaça dessa modalidade de transporte na região.
“O desmonte dos órgãos de fiscalização e proteção ambiental acelerou o processo de desmatamento na Amazônia, o qual cresce de forma assustadora. A rede rodoviária oficial e não oficial tem influência significativa no processo de desmatamento da floresta no Pará. Ela atua como agente facilitador e vetor do desmatamento. É fundamental compreender a extensão e as características da rede rodoviária clandestina na região, inclusive para subsidiar a elaboração de políticas e a definição de ações de combate ao desmatamento ilegal”,
comenta.
Estudo analisou dados coletados de 1988 a 2018
Para a tese, organizada em sete capítulos, Patrícia das Neves fez uso de uma série histórica de 30 anos – de 1988 a 2018 -, com variáveis socioeconômicas, de natureza ambiental e de infraestrutura. A inteligência artificial permitiu realizar previsões de desmatamento no estado do Pará e estimar a área a ser desmatada na região da Calha Norte, em decorrência da implantação das rodovias BR-163 e BR-210, ambas em fase de planejamento.
“O recurso matemático utilizado foi a inteligência artificial, com aplicação da técnica de aprendizado de máquinas (machine learning). Testamos três algoritmos e o Random Forest, utilizando Python 3.7, foi o que apresentou melhor desempenho e melhores resultados nas simulações realizadas. Com a função gerada, foi estimada a área desmatada nos anos de 2020, 2030, 2040 e 2050″, detalha.
Os resultados encontrados apontam um cenário entristecedor. Mantido o quadro atual, a previsão é de intenso desmatamento nas próximas três décadas, com 25,77% de crescimento em relação à área existente. “A expansão da malha rodoviária na Calha Norte, região mais preservada do Pará, que está prevista no planejamento viário do DNIT e ratificada no Projeto Barão do Rio Branco, deve promover um desmatamento descontrolado naquela localidade”, alerta a autora.
“De acordo com a análise de sensibilidade aplicada ao modelo de desmatamento desenvolvido, as ameaças provenientes da construção das rodovias BR-163 e BR-210, na região da Calha Norte, indicam uma área de 4.703,43 km² de desmatamento para um cenário mais otimista e uma área de 6.567,48 km² em um cenário mais pessimista”, completa.
Para a pesquisadora, não há dúvidas sobre o impacto do modal rodoviário na floresta. A alternativa, segundo ela, seria um planejamento de transportes mais sustentável para a região. “Os resultados indicam que o modal rodoviário é muito prejudicial. O planejamento de transportes da região amazônica precisa priorizar a sustentabilidade, privilegiando outros modais como o hidroviário, pela vocação natural da região e por provocar menor impacto ambiental e cultural. Outra alternativa seria o sistema ferroviário”, aponta Patrícia das Neves.
Dados foram obtidos na Rede Mapbiomas Escolas
Ao desenvolver a pesquisa, Patrícia Bittencourt Tavares das Neves integrou a Rede Mapbiomas Escolas, uma plataforma referência na geração e distribuição de dados sobre o mapeamento de uso e de cobertura das terras no Brasil. A proposta tem como objetivo principal contribuir com o processo de formação utilizando os dados gerados em diferentes níveis e iniciativas do ensino escolar.
“Acredito que, quando massificarmos as informações sobre a importância e a necessidade da preservação da floresta, teremos resultados mais efetivos de combate ao desmatamento”, aposta a pesquisadora, que teve o trabalho publicado na Revista Land Use Policy (Qualis A1 para a Engenharia I).
“A maioria dos artigos que tratam o tema desmatamento é qualitativa. Aqueles que realizam uma abordagem quantitativa o fazem basicamente com tratamento estatístico. O uso de inteligência artifi cial para o tratamento dos dados foi algo inédito, por isso tivemos uma acolhida muito boa pelos pares”, comemora Patrícia. Segundo a pesquisadora, o modelo mostrou-se muito assertivo, pois a estimativa de 2020 foi muito próxima do valor real, com um erro de 1,63%.
A tese apresentada ao Proderna (ITEC/UFPA) contou com orientação dos professores Cláudio José Cavalcante Blanco e André Augusto Azevedo Montenegro Duarte. Patrícia das Neves foi contemplada pelo Edital Prodoutor e, agora, dará continuidade à pesquisa aprofundando os estudos que relacionam o sistema de transporte ao desmatamento.