O Dia dos Finados é uma data em que homenageamos os nossos entes queridos que já se foram, um costume humano bastante comum em diferentes culturas, celebrado em 2 de novembro. Mas vocês já pararam para pensar de que forma os animais podem estar relacionados em diferentes formas com a morte?
Rasga-mortalha: morte e superstição
Alguns animais se relacionam com a morte por meio de lendas. Na Região Norte e Nordeste do Brasil é muito comum ouvir a lenda de que se o pássaro, chamado de Rasga-mortalha, passar por cima da casa e “gritar” significa que alguém vai morrer em breve. Obviamente que isso não passa de um mito, e sabemos que mitos são algo não comprovado cientificamente e derrubados por meio de informação.
O pássaro em questão se trata de uma coruja da espécie Tyto furcata, é uma espécie de coruja da Tytonidae amplamente distribuída pela América do Sul, que pode ser encontrada em áreas urbanas abertas (cidades), casas velhas, torres, igrejas, fazendas, pastagens e bosques.
Esses animais possuem um tamanho médio de 34,5 centímetros nos machos e de 35,2 para as fêmeas, sendo que a envergadura (comprimento de uma ponta a outra da asa) varia 75 a 110 centímetros.
Apesar de na nossa região a lenda da rasga-mortalha ainda ser comum, existem pessoas que ao contrário da lenda, acreditam que a coruja traz sorte, uma vez que atuam no controle de pragas urbanas, como ratos e morcegos, o que é um ótimo serviço de controle ambiental prestado para nós.
Ah, sim! O tal grito não passa de uma vocalização desse animal, utilizada para se comunicar com outros animais.
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Mucura: morte e mecanismo de defesa
A mucura, espécie Didelphis marsupialis, é um animal de comportamento solitário e de hábito noturnos, deixando a segurança do abrigo apenas no período para caçar e procurar alimentos. Erroneamente confundidas com ratos, esses animais podem apresentar um comportamento curioso quando se sentem ameaçadas.
Quem já assistiu ao filme ‘A Era do Gelo’ lembra o que os irmãos gambás faziam quando estavam em perigo? Se fingiam de mortos. Essa estratégia de defesa é chamada de tanatose. E no caso das mucuras, elas não apenas se mantêm imóveis, mas têm a capacidade de mudar algumas características no funcionamento do corpo, como por exemplo, diminuir a frequência cardíaca e respiratória e ficar realmente sem movimentos quando tocados.
Esse período pode durar de 1 a 30 minutos. Assim que a causa da ameaça se afasta, elas retornam normalmente ao comportamento natural. Espertas, não? Isso reforça que esses animais não apresentam nenhuma ameaça para os seres-humanos, inclusive elas se alimentam de enormes quantidades de carrapatos, o que é um ótimo benefício para as pessoas.
Urubus: morte e controle de doenças
Na Amazônia existem algumas espécies de urubus, sendo as mais comuns o Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), Urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura) e o Urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus). Os urubus constroem seus ninhos em locais altos e protegidos de predadores e o filhote nasce sem penas, com as primeiras plumas brancas, o que faz com que eles pareçam de outra espécie.
Dentre as espécies com ocorrência na Amazônia, o Urubu-rei talvez seja uma das mais fascinantes. É uma ave de rapina de grande porte (pode atingir até 2 metros de envergadura), a qual está presente em países como o México, Brasil e Argentina. O nome científico da ave é Sarcoramphus papa, que significa “o pai dos comedores de carne podre”. E isso já diz bastante coisa sobre o comportamento desses animais.
A sua alimentação é basicamente composta por animais mortos, hábito conhecido por necrofagia. Mas sua alimentação não se limita a isso, frutas também podem compor a dieta do Urubu-rei. E apesar de muitas vezes os animais necrófagos causarem certa repulsa nas pessoas, esse comportamento alimentar é um serviço importante do ecossistema que esses animais oferecem aos seres humanos. Ao se alimentarem de animais mortos, o Urubu-rei, bem como outros necrófagos, controlam a disseminação de doenças.
Moscas-varejeiras: morte e solução de crimes
Alguns animais podem ser verdadeiros detetives na Amazônia e ajudar a solucionar crimes. Aliás, existe toda uma ciência por trás disso chamada Entomologia Forense, que só ocorre porque existe uma gama grande de insetos necrófagos, que se alimentam de material orgânico em decomposição.
Eles fornecem os melhores indicadores e ajudam a responder a primeira pergunta quando um corpo é encontrado: há quanto tempo ele está ali? Entender a biologia dos insetos necrófagos ajuda a responder a essa pergunta. É o caso das moscas-varejeiras, como a espécie Chrysomyia albiceps.
Essa espécie tem um ciclo de 12 dias entre a colocação do ovo e a fase adulta do inseto em temperatura ideal e é bastante utilizada como um indicador em Entomologia Forense. Ou seja, conhecendo-se bem as fases do desenvolvimento da mosca-varejeira, pode-se estimar por meio das larvas de varejeiras encontradas, há quanto tempo o corpo está no local, o que ajuda muito nas investigações. E para quem nunca deu nada por essas moscas, olha aí um exemplo desses animais ajudando a solucionar crimes!
Sapo-folha: morte e estratégia de reprodução
Talvez um dos comportamentos mais “curiosos” relacionados a morte é o ligado a uma estratégia de reprodução do sapo-folha, espécie Rhinella proboscidea. Nessa espécie de sapo, a reprodução é do tipo explosiva (calma, que ninguém morre por explosão!), tipo de reprodução onde vários machos se reúnem por dois ou três dias, geralmente em lagos, poças de água e nascente de rios, para disputar as fêmeas do local.
A fêmea fica na água, tem muitos machos tentando subir em cima dela ao mesmo tempo, e pode acontecer deles matarem ela por afogamento. Nesse caso, mesmo depois de morta, o macho pode “abraçar” a fêmea e forçar a saída dos ovos. Embora em alguns casos a necrofilia (relação sexual com cadáver) possa ser vista como algo negativo, a estratégia da espécie serve para evitar a perda de ovos após a morte acidental da fêmea.
Do ponto de vista evolutivo, pode ser uma estratégia de seleção natural que permite a seleção de machos cada vez mais fortes, já que os mais agressivos conseguem fecundar os ovos extraídos, passando seus genes para as próximas gerações, o que acaba sendo um sucesso reprodutivo. Interessante ou medonho?
Sobre a autora
Luciana Frazão é pesquisadora na Universidade de Coimbra (Portugal), onde atua em estudos relacionados as Reservas da Biosfera da UNESCO, doutora em Biodiversidade e Conservação (Universidade Federal do Amazonas) e mestre em zoologia (Universidade Federal do Pará).
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