Cerrado e Amazônia: equipe de estudos navega entre os dois maiores biomas brasileiros

O intuito da equipe tocantinense – que se deu em cinco dias de deslocamento e acampamento, para pernoites, às margens dos rios – era mapear e documentar peculiaridades e potencialidades da área.

Uma equipe da Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de Palmas, percorreu cerca de 120 km pelo rio Araguaia e seu “braço menor”, o afluente Javaés. A Expedição UFT Canguçu-Caseara/Javaés-Araguaia 2022 reuniu 11 pessoas: dois pesquisadores científicos, quatro membros da equipe jornalística e audiovisual, dois servidores, um aluno do campus, além de um turista e um guia local.

Deslocando-se por meio de uma canoa, quatro caiaques e dois barcos a motor conhecidos como “voadeira”, o grupo navegou, entre os dias 8 e 13 de agostona faixa de transição entre os dois maiores biomas brasileiros, o Cerrado e a Amazônia. 

Nisso, margearam a Ilha do Bananal – a maior ilha fluvial do mundo, onde se encontra o Parque Nacional do Araguaia – e o Parque Estadual do Cantão. O intuito da expedição – que se deu em cinco dias de deslocamento e acampamento, para pernoites, às margens dos rios – foi mapear e documentar peculiaridades e potencialidades da área, observando-se cinco pontos principais:

  1. paisagem e relevância regional/nacional/internacional;
  2. contexto social;
  3. segmentos de turismo;
  4. biodiversidade (fauna e flora);
  5. projetos do Centro de Pesquisa Canguçu – UFT na região (em andamento e novas possibilidades).
O grupo navegou na faixa de transição entre os dois maiores biomas brasileiros, o Cerrado e a Amazônia. Foto: Divulgação

O pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFT, Prof. Dr. Raphael Sanzio Pimenta, avaliou esta primeira expedição – de caráter piloto – como bem sucedida. “Tivemos experiências e aprendizados bastante positivos durante esse período e acredito que a próxima expedição, que deve ocorrer em julho de 2023, será ainda melhor. Queremos aumentar a equipe, as ações de pesquisa e documentação e interagirmos, ainda mais, com as populações indígenas e ribeirinhas”, frisou Raphael.

Araguaia é habitat de ecossistemas únicos 

O grupo percorreu o entorno de Unidades de Conservação de Proteção Integral, como o Parque Estadual do Cantão, que possui ecossistemas únicos e espécies endêmicas e ameaçadas, e o Parque Nacional do Araguaia. 

Assim, passou pela maior e mais importante área úmida do Cerrado, que tem status de “Sítio Ramsar” – título conferido a uma zona listada pela Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional.

O grupo percorreu o entorno de Unidades de Conservação de Proteção Integral. Foto: Divulgação

“Na divisa entre Tocantins e Pará, temos dois ambientes bem diferentes: do lado paraense, o ambiente é tipicamente amazônico; do tocantinense, é de transição, entre Cerrado e Amazônia”, explica o Prof. Dr. Renato Torres, pesquisador integrante da expedição e coordenador do Centro de Pesquisa do Canguçu.

“Entre esses ambientes, há o rio Araguaia, que funciona, para algumas espécies, como uma barreira geográfica – um acidente natural que ‘impede’ a passagem, de um animal, de um lugar ao outro. Mas interessante é que a barreira também se aplica a algumas espécies de pássaros. O ‘chora-chuva’ é um exemplo: o chora-chuva-branco só é encontrado do lado do Pará, e o preto, do Tocantins. As estruturas das matas de cada um dos lados são diferentes”, esclarece Renato.

Eduardo Karajá e Renan Karajá saíram de longe: a aldeia Macaúba, na divisa com o Pará. Há dias percorrendo o rio, costumam pescar, nos arredores da Ilha do Bananal, animais aquáticos que já não encontram em abundância nas proximidades de sua aldeia. Mesmo perto da Ilha, em área ambiental protegida, os pescados vão se tornando, a cada dia, mais raros – consequências da degradação ambiental, caça e pesca predatórias e falta de fiscalização regular.

Foto: Divulgação

“Comecei a pescar aqui quando tinha 18 anos, e este rio era cheio de tartaruga. Agora, nesses tempos, é difícil pra pegar”, conta Eduardo, de 52 anos. “Mas, lá na nossa região mesmo, é que quase não tem mais, porque o pessoal do Pará pega é de rede”, explica ele.

Turismo é importante gerador de renda para ribeirinhos 

Há três segmentos principais de turismo na localidade: a pesca esportiva, a observação de aves (birdwatching) e, o de maior procura, a temporada de praias, com auge de visitantes entre julho e agosto. Durante a temporada, as várias praias que se formam pelas secas do Javaés/Araguaia recebem milhares de turistas, vindos do Tocantins e Pará, mas, também, de outros Estados.

Algumas dessas praias são licenciadas; outras, porém, são ocupadas desordenadamente. Contudo, todas recebem, em alguma proporção, impactos ambientais, resíduos – sólidos e orgânicos -, ruídos, desmatamento, caça e pesca predatória de peixes, aves, jacarés, tartarugas, conforme observam pesquisadores do Canguçu-UFT.

Em contrapartida, este é, também, um período econômico significativo para as comunidades ribeirinhas, uma vez que o turismo lhes gera renda extra, quantia que, para alguns, até mesmo assegura a permanência das famílias no local.

A aventura foi registrada. Foto: Divulgação

Vivendo à beira do Araguaia desde a década de 1970, o casal Eurize Vieira e Raimundo Canuto está entre os ribeirinhos pioneiros da região. Depois de aposentados, eles passaram a receber alguns turistas em casa, cujo quintal dispõe de área para camping, cercado por árvores, flores, ervas medicinais, bastante sossego e com vista para o rio. Os interessados buscam, sobretudo, a pesca esportiva.

“É no esquema do ‘pega e solta’, né? Já recebemos doutor, juiz… Já vieram uns [estrangeiros] que falam enrolado, que eu não entendo nada…”, conta, sorrindo, Eurize. “Mas são ainda poucos os turistas, por enquanto, que vêm. A gente recebe, cobra as diárias, que é pra conseguir se manter aqui”, destaca ela.

“Essa pescaria não faz mal pra ninguém, né? Você ‘enterte’ o tempo… Não precisa pegar só pra matar, não: tem, também, que pegar e soltar!”, explica Raimundo. “Claro, tem, também, o peixe de comer, que esse é sagrado, porque todo mundo precisa comer, não é mesmo?”, questiona.


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