Produção artesanal de farinha na comunidade Cumaru, Terra Indígena Manoá Pium, na região Serra da Lua, em Bonfim, em Roraima. Foto: Carlos Barroco/Rede Amazônica RR
Na Terra Indígena Manoá Pium, na região Serra da Lua, em Bonfim, ao Norte de Roraima, a produção artesanal de farinha movimenta a economia local e preserva a tradição da comunidade indígena Cumaru. Com cerca de 360 moradores, a maioria do povo Macuxi, a atividade faz parte da rotina de praticamente todas as famílias.
A farinha produzida em Cumaru é a farinha amarela, que tem uma textura mais grossa, crocante e granulada, diferente da farinha fina usada, por exemplo, no Sul e Sudeste do país. Geralmente, é consumida como acompanhamento de pratos à base de peixe e carnes. Também serve de base para preparos tradicionais, como a paçoca de carne seca.
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Além disso, a produção na comunidade não é apenas para consumo próprio das famílias. Parte da produção é vendida na sede de Bonfim e também exportada para a Guiana, país que faz fronteira com o Brasil na mesma região, segundo o primeiro tuxaua de Cumaru, Valdiney Souza.
Semanalmente, a comunidade comercializa, em média, 10 sacas de farinha para a Guiana. Cada saca tem o equivalente a quatro latas de 20 litros. Cada lata é vendida por R$ 200, o que representa um faturamento de R$ 800 por saca. No total, a venda gera aproximadamente R$ 8 mil por semana para a comunidade.
“Alguns vem de lá [Guiana] para cá fazer a compra. O pessoal vem de lá comprar e muitas vezes encomenda e o pessoal daqui leva para vender lá [na Guiana]. Nem todos tem roça, tem a mandioca para fazer farinha. Mas, assim mesmo fazemos, vendemos e ajudamos, damos colaboração para algumas famílias também internamente”, explicou.
A farinha produzida artesanalmente em Cumaru alcança também outros municípios de Roraima. O objetivo dos indígenas é criar uma marca e profissionalizar a venda, mas sem perder a essência e tradição.
“Temos este pensamento de ver essas marcas, de buscar parcerias com outras organizações, na parte da nossa agricultura familiar. É dessa forma que vivemos na nossa comunidade indígena aqui”, reforçou Valdiney.
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Trabalho coletivo no dia a dia
Em Cumaru, o trabalho na roça começa cedo, ainda nas primeiras horas do dia. É lá que o segundo tuxaua da comunidade, Valdemar Laurentino, segue diariamente, acompanhado de outros moradores, para colher a matéria-prima da farinha amarela: a mandioca.
“É o dia a dia das pessoas: trabalhar na roça, arrancando, cultivando a mandioca pra fazer a farinha”, resume a liderança.
No cultivo, a tradição é cortar o caule da mandioca, chamada de maniva pelos indígenas, para que possa ser aproveitada no plantio de roças na própria comunidade. O trabalho é manual e segue os ensinamentos acestrais passados de geração em geração.
O adolescente Rivanderson Aniceto, de 13 anos, filho mais velho do tuxaua Valdemar, acompanha o pai na colheita desde pequeno.
“Ele pede para cortar, limpar a mandioca, colocar dentro do saco, carregar. Minha família… todos ajudam. É uma tradição. Meu pai me explica que o pai dele também explicou a ele. É tradição”, disse o garoto.

Valdemar explica que além de ser fonte de renda, o trabalho de plantio e colheita da mandioca para fazer farinha é também uma forma de ensinar os mais jovens sobre a importância do trabalho indígena no campo e de se manter a tradição do povo Macuxi.
“Eu, como tuxaua, dou o exemplo para o meu filho. Sempre a gente vai para roça arrancar mandioca. Às vezes vai roçar, às vezes, capinar. Quando o manival tá limpo, temos o ensinamento dos nossos jovens. É nossa cultura. Vai passando de pai pra filho. Nós, como povos indígenas, vamos passando para o filho”, explicou.
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Barracão da farinha tradicional
Depois de colher as raízes de mandioca, os moradores levam até o barracão da comunidade, onde a farinha é produzida. O espaço tem uma estrutura tradicional: telhado de palha, panelões para a torra e equipamentos feitos de madeira, montados pelos próprios indígenas.
Nessa etapa, toda a comunidade se envolve. As mandiocas são descascadas, raspadas, prensadas e, depois, a massa seca vai para a torra, onde se transforma na farinha.

Dona Luzia Trindade, de 80 anos, trabalha na raspagem. Ela aprendeu a técnica com o pais quando ainda era criança. “Desde os 7 anos trabalho com mandioca”, conta. Ela já não faz mais os trabalhos mais pesados, mas conhece todos os segredos de como deixar a mandioca no ponto certo.
“É muito trabalho a gente tirar essa mandioca”, explicou. Durante o processo para fazer a farinha, também é extraído o tucupi, um líquido amarelo usado tanto na culinária como na medicina tradicional.
“Tanto serve para remédio, como para alimento. Tem pessoas que usam no frango, temperam o frango para assar, na carne, também”, explica Isaac Aniceto, morador da comunidade.
O processo de produção da farinha ultrapassou gerações na comunidade. Desde a raspagem, a peneira, a prensa até a torra, tudo é feito de forma artesanal. Além de manter a tradição, a atividade é atualmente a principal fonte de renda das famílias da região.
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Apoio técnico do Sebrae
O trabalho dos indígenas da comunidade Cumaru recebe apoio técnico do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), por meio do projeto de agricultura familiar, que oferece consultoria e orientação de mercado para pequenos produtores, como os indígenas da região.
“O acompanhamento é para que eles tenham uma maior produtividade e que os produtos deles tenham uma qualidade melhor. Então, com um profissional acompanhando eles através dos projetos, faz com que tenham maior sucesso”, avalia o gestor do projeto da agricultura familiar do Sebrae, Helmes Dias.
O projeto de agricultura familiar do Sebrae oferece consultoria técnica para ajudar na profissionalização e formalização dos produtores rurais. Atualmente, atende cerca de 120 produtores em diferentes municípios de Roraima.
*Por Carlos Barroco e Rânia Barros, da Rede Amazônica RR