A política de segurança pública e seus atores

Apesar de todas as políticas públicas terem uma base comum, principalmente no processo de formulação, os cenários mudam de acordo com as peculiaridades da política pública setorial.

Em meu doutorado defendi a tese PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICAi. Na pesquisa estudamos a evolução histórica da política de segurança pública e identificamos alguns atores que têm se destacado na formulação e implementação da política de segurança pública no Brasil.

Apesar de todas as políticas públicas terem uma base comum, principalmente no processo de formulação, os cenários mudam de acordo com as peculiaridades da política pública setorial. Sendo assim, a mudança de cenário faz com que os atores sejam trocados, principalmente os protagonistas. Podemos fazer outra analogia: se a política pública fosse uma arena, os atores seriam os jogadores. Para alguns, o termo jogadores seria mais adequado, pois a política pública não passa de um jogo. Independente da terminologia utilizada, precisamos saber como os atores atuam ou qual a forma de jogar desses jogadores.

i LESSA, Sávio Antiógenes Borges. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA: Análise do Processo de Formulação das Políticas de Segurança Pública Implementadas pelo Estado de Rondônia no período de 2008 a 2017. 2018. 213 f.

Pavezi, identificou um grupo que tem atuado com bastante influência na agenda da política de segurança pública: as organizações de trabalhadores policiais, tanto os de baixa patente (praças das corporações militares dos estados e agentes de polícia civil), quanto os do segmento policiais de alta patente (oficiais das polícias militares e delegados de polícia civil).

Segmentos de baixa patente (que tinham pouca visibilidade e participação no âmbito nacional) passaram a atuar de forma mais organizada e com maior influência sobre a agenda da política de segurança pública (principalmente durante o processo de realização da primeira Conseg). Essas organizações, diferentemente dos segmentos policiais de alta patente (oficiais e delegados das polícias civis) são mais propensas às mudanças na política (PAVEZ et. al. 2009, citado por SOUZA, 2015, p.232).

i SOUZA, Robson Sávio Reis. Quem comanda a segurança pública no Brasil? atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015.

Apesar do “poderoso lobby no Congresso Nacional exercido pelas entidades ligadas aos oficiais e, principalmente, pelas entidades sindicais de delegados de polícia, observamos que muitos dos interesses dessas corporações são distintos

(PAVEZ et. al. 2009, citado por SOUZA, 2015, p. 232).

Os interesses são distintos em razão de pertencerem a categorias bastante diferentes: enquanto os oficiais são militares os delegados são civis. A formação e o regime constitucional que regem essas categorias de profissionais são completamente diferentes. Isto faz com eles tenham visões, crenças e prioridades diferentes. Sendo assim, é difícil encontrar pontos comuns que os unam nas reivindicações.

Segundo Souza (2015, p. 233), as entidades representativas dos oficiais e delegados (que determinavam em boa medida o rumo da política de segurança pública), “começaram a perder força à medida que a política se tornou mais porosa à participação de outros atores, incluindo os policiais de baixa patente”. Este último segmento, principalmente as entidades representativas das praças das corporações militares dos estados, passou a agir como sindicatos, realizando greves – o que é proibido pela Constituição Federal – que se tornaram cada vez mais comuns. 

Foto: Fábio Rodrigues / Agência Brasil

A força desse grupo no Congresso Nacional ficou evidenciada com as aprovações das leis de anistia, perdoando os crimes de motim, tendo em vista que greve no meio militar corresponde ao crime militar de motim.

Em que pese não haver uma homogeneidade em relação às ideias e crenças entre os membros das corporações policiais, ganha cada vez mais força no Congresso Nacional e nas Casas de Leis dos diversos Estados da Federação. No caso do Congresso, pode-se citar como exemplo a chamada “bancada da bala” composta por representantes das forças policiais do Brasil (policiais e bombeiros militares, policiais civis, policiais federais e rodoviários federais).

Outro poderoso grupo identificado é o da segurança privada. Segundo Souza, “a ação dos grupos de interesse que representam o setor é bastante difusa, impossibilitando a caracterização de um sistema minimamente coeso de crenças e de atores”. Afirma, ainda, que existe uma “relação complexa entre empresas de segurança privada e os operadores da segurança pública”. Ele destaca ainda:

Num contexto de violência e criminalidade, com intensa demanda social e política pelo controle do crime a qualquer custo, comumente aparece a suspeição acerca da aproximação pouco republicana entre operadores públicos (policiais, agentes prisionais, etc.) e empresas privadas. 

Souza (2015, p. 233) alerta que “a baixa regulação e controle de ambos os grupos pode criar um ambiente propício para o tráfico de influência e eventuais outros desvios (entre os integrantes desses dois segmentos)”. Vai mais além, levantando as seguintes questões: “Em que medida a deterioração da segurança pública motivaria o incremento de uma crescente indústria da segurança privada? O atual modelo da política (de segurança) seria favorável a essa situação paradoxal e predatória?”.

Nestas breves linhas não apontaremos possíveis respostas para os questionamentos supracitados, porém, indiscutivelmente, o interesse desse grupo na política de segurança pública é uma realidade e sua influência, devido ao poderio econômico, é grande.

Segundo San Martini:

A falha da segurança pública explica o crescimento do setor de segurança privada, que foi de 15% entre 2000 e 2001, mesmo percentual em 2009, principalmente na proteção classe média, transformada na faixa da população mais vitimizada pelos criminosos nas cidades grandes. O mercado de vigilância movimentou R$ 7,8 milhões em 2001, aumentando para 15 bilhões em 2009. O setor de vigilância eletrônica, com a comercialização de equipamentos, teria crescido na faixa de 20% ao ano, com movimentação de R$ 1,2 milhão em 2000 (SAN MARTIN, 2013 citado por SANTIN, 2013. p. 122).

i SANTIN, Valter Foleto. Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na prevenção e repressão ao crime. 2. ed. -São Paulo: Editora Verbatim, 2013.

Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

 Sempre haverá um grupo que lucra com a deterioração dos serviços públicos: os planos de saúde e rede privada de hospitais, com relação à saúde pública; as escolas e faculdades privadas, com relação á educação pública; e as empresas de segurança privadas, com relação à segurança pública.

Outro grupo de interesses são os segmentos formado pelos movimentos sociais e pela Academia, professores e pesquisadores que começaram a atuar com mais incidência na política de segurança pública no período, atuando na condição de fortes grupos de pressão.

Souza (2015, p. 233) não conseguiu “identificar um sistema de crenças capaz de caracterizar uma coalizão de defesa congregando os membros dos movimentos sociais numa única coalizão; idem, em relação aos membros da Academia”. Apesar disso, indiscutível que ambos atuam na condição de grupos de pressão. O segmento ligado ao meio acadêmico tem sua atuação direcionada às demandas de

Alterações no modelo de gestão da política (principalmente em relação ao padrão atual de policiamento) e reivindicando a utilização de diagnósticos, planos e pesquisas para subsidiarem a produção da política (SOUZA, 2015, p. 234).

Infelizmente, na região norte do Brasil, a Academia tem tido pouca influência na formulação de políticas públicas de segurança, o que talvez explique o insucesso das políticas públicas de segurança implementadas. Parece que os agentes políticos não se interessam firmar parcerias com Instituições de Ensino superior e/ou pesquisadores especialistas em segurança pública. Ignoram o conhecimento científico, priorizando apenas o conhecimento empírico.

Com relação à sociedade civil, composta por entidades e movimentos das mais variadas matrizes, verifica-se que esse segmento apresenta crenças difusas, sendo possível encontrar grupos que se articulam

Pela extinção das polícias militares; outros exigem (do poder público) instituições mais eficientes de controle externo das polícias; alguns movimentos lutam por reformas no sistema prisional; e há, ainda, aqueles que se articulam pelas reformas em todo o sistema de justiça criminal, entre outros grupos (SOUZA, 2015, p. 234).

Para Santin (2013, p. 122) a prestação de serviços de segurança pública sem a colaboração do povo certamente será incompleta, com resultado insatisfatório e ineficiente, porque o apoio popular é essencial para o melhor fornecimento de serviço público.

A participação popular começa pela opção eleitoral, escolhendo seus governantes. Além do mais, segurança pública é responsabilidade de todos.

Nesse sentido, o povo pode e deve participar do processo de formulação da política de segurança pública, seja apresentando propostas individuais ou de entidades da sociedade civil, e ainda participando de audiências públicas e debates sobre o assunto.

Outros atores importantes no cenário da política de segurança pública, principalmente nos Estados, são o Ministério Pública e o Poder Judiciário.

Considerando que compete ao Ministério Público o controle externo da atividade policial, conforme estabelece o artigo 129, VII, da Constituição Federal, sua participação na política de segurança pública pode ser ampla e irrestrita, podendo atuar desde a sua fixação e alterações até a fiscalização, acompanhamento da execução da política e do seu plano de atuação e exigência da sua aplicação pelos organismos estatais, administrativa ou judicialmente.

O Ministério Público normalmente funciona após a ocorrência do crime, na movimentação da ação penal pública para a persecução penal, mas precisa atuar mais ativamente na área de prevenção de crimes, principalmente no acompanhamento da política e plano de segurança pública.

A instituição precisa preparar-se para atuar na área preventiva, com o aprofundamento dos estudos de criminologia para melhor formação dos seus membros e atendimento da necessidade de conhecimentos específicos, diferentes dos exigidos para a atuação tradicional. Seria interessante criar Promotorias de Justiça especializadas na prevenção de crimes, para atuação administrativa no acompanhamento da política e plano de segurança pública e especialmente para melhoria dos serviços respectivos, inclusive para instauração de inquérito civil e ação civil pública (SANTIN, 2013, p. 130).

Com relação a atuação do Poder Judiciário, Filocrei (2010, p. 133) ensina que sua atuação na política de segurança pública vai além das lides que envolvem os processos e as execuções penais, cabendo-lhe:

Apreciar e julgar, se provocado, omissões do Estado no exercício da segurança pública, assim como na formulação e na implementação de políticas a ela destinadas, naquilo que, evidentemente, agrida ao princípio da legalidade e comprometa a independência dos poderes.

Em nome e respeito à sociedade o Poder Judiciário pode atuar ao lado dos demais poderes contribuindo na formulação da política de segurança pública.

Conforme já discorremos em outros artigos desta coluna, segurança pública é responsabilidade de todos. Só será possível conter o avanço da violência se houver a participação de todos, principalmente dos atores mencionados aqui. No entanto, só obteremos êxito se atuarmos de forma coordenada e defendendo a supremacia do interesse público. Não pode ser cada um por si e lutando por seus próprios interesses.

i FILOCRE, Lincoln da Silva D’Aquino. Direito de Segurança Pública: Limites Jurídicos para Políticas de Segurança Pública. São Paulo: Edições Almeidina, 2010.

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

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