Saneamento em palafitas de Manaus apresentado na COP30 inspira soluções para periferias amazônicas

O Beco Nonato se tornou um dos principais exemplos brasileiros de como o avanço no saneamento pode transformar áreas de palafitas.

Saneamento em palafitas de Manaus é destaque na COP30 e inspira soluções para a Amazônia. Foto: Patrick Marques/Rede Amazônica AM

O Beco Nonato, em Manaus (AM), se tornou um dos principais exemplos brasileiros de como o avanço no saneamento pode transformar áreas de palafitas. A chegada de água tratada e coleta de esgoto mudou a realidade de uma região antes marcada pela vulnerabilidade, pelo lixo acumulado, pelas enchentes e pela exposição constante a doenças.

Leia também: Saneamento para o futuro: conheça o primeiro beco de palafitas a receber esgotamento sanitário em Manaus

A transformação no local, conduzida pela Águas de Manaus, do Instituto Aegea, foi apresentada na Zona Verde da COP30, em Belém (PA), onde especialistas e participantes puderam conhecer o projeto por meio de uma experiência de realidade virtual. 

De Manaus para Belém: como o modelo virou referência

No estande da COP30, o público percorria virtualmente as passarelas do Beco Nonato e acompanhava como redes de abastecimento e esgoto foram instaladas em estruturas frágeis suspensas sobre igarapés na Zona Sul da capital amazonense.

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Segundo o presidente do Instituto Aegea, Édison Carlos, a experiência no Beco Nonato redefiniu a forma de implantar saneamento básico em regiões vulneráveis.

“Aprendemos muito em Manaus. Nossa área técnica desenvolveu tecnologias específicas para levar água e coletar esgoto em palafitas, algo inédito no Brasil. É um case premiado e que recebe visitas de especialistas do país inteiro”, afirmou.

Saneamento em palafitas de Manaus
Beco Nonato no bairro Cachoeirinha, Zona Sul de Manaus, após intervenção da Águas e Manaus. Foto: Reprodução/Águas de Manaus

O beco Nonato é a primeira área de palafitas de Manaus a receber água tratada e rede de esgoto. São mais de 900 moradores beneficiados nessa localidade do bairro Cachoeirinha, Zona Sul.

A mudança no local começou a ser percebida no primeiro semestre de 2023, quando moradores antes expostos à lama, lixo e alagamentos passaram a receber água tratada e ter coleta e tratamento de esgoto.

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A dona de casa Ivone Dantas é moradora do Beco Nonato há mais de 40 anos e vivenciou as transformações no igarapé que passa diante da comunidade. Ela lembra que a água, antes limpa e sem odor, foi perdendo qualidade ao longo dos anos, afetando diretamente a vida dos moradores e depois voltou a ser como antes após o funcionamento do sistema de saneamento instalado no local.

“Quando cheguei aqui, a água do igarapé era transparente, não fedia. Com o passar dos anos, a sujeira tomou conta e a gente não tinha o mínimo de qualidade de vida. Hoje eu vejo que é possível voltar a ter vida nesse igarapé. Até o cheiro melhorou”, lembrou.

Moradores do Beco Nonato, em Manaus, percebem melhoria na qualidade de água em igarapé que passa pelo local. Foto: Reprodução/Águas de Manaus

Para garantir que famílias de baixa renda pudessem acessar o sistema, a concessionária criou a Tarifa 10, modelo em que moradores em situação de alta vulnerabilidade pagam apenas R$ 10 pelos serviços. “Elas querem pagar, querem dignidade. Isso também faz parte da sustentabilidade do sistema”, disse Édison.

O projeto foi desenhado para resistir às variações do nível dos rios e às condições sociais e urbanas da região, associando engenharia adaptada à realidade amazônica com políticas tarifárias que evitam exclusão.

Área onde fica o Beco Nonato, em Manaus e área onde fica a Vila da Barca, em Belém. Foto: Reprodução/Rede Amazônica AM

Para o presidente do Instituto Aegea, os avanços em saneamento ainda enfrentam grandes desafios no país. Ele ressalta que muitas regiões do Norte e do Nordeste têm áreas isoladas, comunidades rurais e pessoas distantes dos centros urbanos, que também têm direito a água potável e esgoto tratado.

“A tecnologia existe, mas não são as mesmas soluções usadas nas cidades. São necessários sistemas menores, compactos, muitas vezes movidos a energia solar, adaptados a cada território. O que falta é visão política e educação para que as comunidades consigam operar e manter os sistemas funcionando ao longo do tempo”, afirmou Édison.

Tecnologia manauara aplicada na maior comunidade de palafitas do Pará

A experiência do Beco Nonato serviu de referência para a implantação de saneamento na Vila da Barca, a maior comunidade de palafitas de Belém, e uma das maiores da América Latina, com cerca de 5 mil moradores distribuídos entre casas suspensas e edificações de alvenaria às margens da Baía do Guajará.

De acordo com o presidente do Instituto Aegea, em apenas três meses de obras, os moradores começaram a receber água tratada em casa, um avanço que transforma a rotina da população e reduz os riscos de doenças e infecções.

Instalação do sistema de saneamento básico na Vila da Barca, em Belém do Pará, pela Águas do Pará. — Foto: Divulgação/Águas do Pará

“A Vila da Barca é ainda maior que o Beco do Nonato, mas a tecnologia funcionou com muito sucesso. Trouxemos a experiência de Manaus e aplicamos em Belém, porque os desafios eram muito semelhantes. Hoje, milhares de pessoas deixaram de conviver com risco diário de infecções e doenças”, afirmou Édison Carlos.

A comunidade conta atualmente com cerca de 600 moradias de palafitas, onde vivem mais de mil famílias, além de áreas urbanizadas em alvenaria.

A primeira fase de abastecimento de água já foi concluída, com hidrômetros individuais instalados para cada família.

Leia também: Serviço universalizado: Manaus é cidade com maior evolução em atendimento de água no país, aponta Ranking do Saneamento

O valor da conta, que ainda não está sendo cobrado, será de R$ 66,42, dentro de uma taxa social. Já a rede de esgoto deve ser finalizada até abril do próximo ano.

Os sistemas foram concebidos para operar mesmo diante das variações nos níveis dos rios, entre períodos de cheia e seca, e adaptados às condições sociais e geográficas da periferia urbana.

Eleosangela Carvalho é uma das moradoras da região da Vila da Barca, no Pará. Ela relatou como costumava ser a vida dela e da família em seu dia a dia antes do início da instalação do sistema de saneamento na região, que já passou a beneficiar a área onde mora.

“Ia pegar (água) distante, carregando no balde, e trazia pra casa. Ou quando às vezes também faltava no cano que a gente pegava. Eu chego do trabalho tarde, aí tinha que ir na casa de uma amiga pra poder tomar banho, fazer refeição na rua, porque não dava pra fazer alimentação, não tinha como lava-louça, e era assim a nossa rotina”, relatou a moradora sobre a rotina antes da implementação do sistema na Vila da Barca.

Saneamento como proteção climática

Para Édison, a crise climática reforça o papel do saneamento básico como ferramenta essencial de proteção à vida.

Saneamento em palafitas de Manaus apresentado na COP30 inspira soluções para periferias amazônicas. Imagem: Reprodução/Rede Amazônica AM

“Quem mais sofre nas crises climáticas são os ribeirinhos, moradores de palafitas, de favelas. O saneamento aumenta a resiliência dessas comunidades”, disse.

A apresentação na COP30 evidenciou que discutir água e esgoto está diretamente conectado aos impactos das mudanças climáticas, especialmente em territórios vulneráveis.

“Até pouco tempo, nem a água era tema central da COP. Hoje, é impossível falar de clima sem falar de saneamento”, ressaltou.

Avanços e desafios no Amazonas

Dados do Instituto Trata Brasil mostram que, no Amazonas, o acesso à água encanada caiu de 87,58% em 2019 para 81,14% em 2023, distante da meta de 99% prevista pelo Marco Legal do Saneamento.

População atendida com abastecimento de água no AM

Em Manaus, o abastecimento de água apresentou leve melhora, passando de 97,5% em 2019 para 97,98% em 2023, um aumento de 0,48%.

O estudo “Avanços do Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil de 2025” também analisou a coleta de esgoto. No Amazonas, o acesso cresceu de 14,95% para 28,63% da população entre 2019 e 2023.

Mesmo com o avanço de 13,68 pontos percentuais, o estado ainda está longe da meta de 90% de cobertura prevista pelo Marco Legal.

População atendida com coleta de esgoto no AM

Para superar esses índices, o estado depende de investimentos contínuos. No âmbito da Aegea, R$ 6 bilhões já foram aplicados na Amazônia Legal, e há previsão de mais R$ 19 bilhões apenas no Pará nas próximas décadas.

Um modelo que pode mudar a Amazônia urbana

A experiência do Beco Nonato e da Vila da Barca mostrou, na COP30, que soluções de saneamento desenhadas para a Amazônia não precisam ser excepcionais, precisam ser replicáveis.

A tecnologia, aliada à adaptação geográfica e ao diálogo comunitário, aponta caminhos reais para transformar periferias ribeirinhas e reduzir desigualdades estruturais.

O que começou em uma viela de palafitas em Manaus se tornou referência continental e agora inspira novas cidades na busca por soluções sustentáveis, acessíveis e resilientes para enfrentar os desafios climáticos e sociais da região.

*Por Patrick Marques, da Rede Amazônica AM

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