Expedição busca informações de saúde da população ribeirinha amazonense. Foto: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá
É amplamente conhecida a associação entre a falta de ferro no sangue e a anemia. Porém, e se uma população estiver com falta de zinco, ou magnésio? Se há uma deficiência nutricional, ela foi causada por uma alimentação desbalanceada ou por exposição a algum contaminante do ambiente? Essas são algumas das questões que o projeto ‘Amazomics: integração de abordagens ômicas na elucidação dos efeitos decorrentes da exposição a metais e contaminantes emergentes – um estudo epidemiológico em populações ribeirinhas na Amazônia Brasileira’, busca investigar em populações tradicionais da Amazônia.
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A pesquisa levanta o estado geral de saúde dos comunitários, analisa as concentrações de metais e contaminantes em amostras clínicas de comunidades ribeirinhas e investiga possíveis efeitos causados por contaminantes tóxicos. Esse estudo já vem sendo realizado no Rio Tapajós, e este ano ocorreu pela primeira vez na região do Médio Solimões, especificamente nas Reservas Mamirauá e Amanã e na Floresta Nacional de Tefé.
A expedição contou com um barco transformado em laboratório e percorreu 59 comunidades ribeirinhas da região durante 37 dias. Em cada comunidade, foram coletadas amostras de sangue, urina, fezes e cabelo dos participantes, além de medir a pressão arterial e avaliar a alimentação e a saúde mental de cada um.
Estas amostras serão analisadas para determinar as concentrações de metais – tanto do ponto de vista de metais tóxicos quanto de desnutrição de micronutrientes – avaliar os níveis de poluentes ambientais, como hidrocarbonetos e parabenos, e avaliar o perfil do material genético e da microbiota intestinal. No total, 1463 pessoas das comunidades locais participaram da pesquisa, um esforço de amostragem sem precedentes para a região.

Um aspecto diferencial da pesquisa é que todos os participantes receberam os resultados dos exames de sangue (hemograma completo) e fezes (parasitológico) logo após a participação no estudo. Em uma região onde a população tem pouco acesso a serviços de atendimento médico, esses resultados de exame são fundamentais para prevenir ou diagnosticar possíveis doenças.
“Em alguns casos, um hemograma completo pode fazer uma diferença tremenda na vida de uma pessoa”, comenta Fernando Barbosa, professor da USP e coordenador da expedição.
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“Tivemos alguns casos em que o participante da pesquisa estava com um quadro muito grave de anemia que demandava internação imediata. Nossa equipe entrou em contato com funcionários da Secretaria de Saúde local para coordenar um atendimento, possivelmente salvando a vida dessa pessoa”, complementa o pesquisador.
De forma geral, a pesquisa detectou cerca de 100 casos de pessoas com níveis de hemoglobina abaixo do esperado, indicando uma tendência à anemia. Outro resultado já detectado em campo foi uma prevalência de alterações associadas a infecções por parasitas, algo que pode estar associado à falta de saneamento básico.
Abordagem integrativa
Segundo Daniel Tregidgo, pesquisador do Instituto Mamirauá que também coordenou a expedição, “no Brasil, a quantidade de crianças entre 0 e 5 anos com anemia, em média, é de 10%. Aqui na região Norte, esse número aumenta para 17%. Porém, em comunidades rurais, esse número pode chegar a até 50% ou mais, ou seja, mais da metade das crianças com anemia”.
“Por isso, é muito importante analisar a saúde dessas comunidades por inteiro – não é somente um problema de mercúrio, não é somente um problema de desnutrição – temos que ver o conjunto para entender o que está acontecendo nessa população”, comenta o pesquisador.
“Na região do nosso estudo, nós temos dados das plantas, dos animais, do ambiente e agora vamos analisar amostras da população humana, portanto poderemos utilizar uma abordagem de saúde única para estudar a relação do sistema como um todo”, conclui.

Após o fim da expedição, milhares de amostras congeladas foram acondicionadas em 45 caixas e enviadas de volta para São Paulo, onde serão minuciosamente analisadas. Segundo Fernando Barbosa, “com o número de resultados nos estudos com essas populações ribeirinhas, que envolvem amplos aspectos de saúde relacionados à contaminação geral, alterações do clima, hábitos de vida, dieta, fatores relacionados à depressão, sono, entre outros, esse conjunto de informações pode servir como referência para ações de políticas públicas”.
“O intuito ao final do projeto é repassar esses resultados a órgãos do governo no sentido de promover intervenções que possam propiciar condições melhores de saúde nessas populações vulneráveis”, complementa o pesquisador.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Instituto Mamirauá, escrito por Miguel Monteiro