Indígenas acionam a Justiça e protestam contra leilão da BR-364 em Rondônia

Essa é a primeira vez que uma rodovia federal vai a leilão na Região Norte do Brasil.

Foto: Gabriel Uchida

A Coordenação das Organizações Indígenas do Povo Cinta Larga e Organizações Indígenas e Ambientais acionaram a Justiça Federal para denunciar supostas irregularidades na licitação de concessão da BR-364 em Rondônia. As ações questionam a ausência de estudos ambientais prévios e a falta de consulta obrigatória às comunidades indígenas possivelmente afetadas.

“Nós não fomos consultados, como diz a lei OIT-169. Não é que somos contra, é porque a gente não foi incluído no projeto. Isso vai ter impacto social e ambiental e nós queremos reivindicar esse direito. É um retrocesso contra os povos indígenas”, diz o líder indígena Gilmar, Cinta Larga.

Leia também: ‘Rodovia da morte’: futuro da BR-364 gera preocupação em caminhoneiros rondonienses

O leilão para conceder a rodovia à iniciativa privada deve acontecer na quinta-feira 27 de fevereiro e prevê um investimento de R$ 10 bilhões. Essa é a primeira vez que uma rodovia federal vai a leilão na região Norte do Brasil. O trecho em disputa, denominado Rota Agro Norte, possui 686,7 quilômetros de extensão.

Em protesto, um grupo de indígenas bloqueou temporariamente a BR-364, no km 224, na região de Cacoal (RO). Após algumas horas de manifestação pacífica, os participantes alertaram que farão um bloqueio total da via caso suas demandas não sejam atendidas. 

Em nota, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que as comunidades indígenas serão ouvidas durante a fase de licenciamento ambiental, que ainda está por vir e que antecede qualquer obra a ser realizada pela concessionária.

O Grupo Rede Amazônica entrou em contato com o Ministério dos Transportes, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

O que os povos indígenas reivindicam?

O líder indígena Gilmar Cinta Larga se pronunciou nas redes sociais, pedindo para ser ouvido e informado. Como porta-voz de seu povo, ele destacou que a concessão da rodovia afeta diretamente os povos indígenas da região, pois a estrada atravessa territórios onde vivem.

Os povos indígenas Cinta Larga e Zoró e as Organizações Indígenas e Ambientais ingressaram com processos judiciais distintos, mas que tratam das mesmas questões.

As ações apontam que a Rota Agro Norte está localizada em uma área de alto risco por atravessar uma zona de influência de diversas terras indígenas. 

As comunidades argumentam que sua consulta é prevista nos Parâmetros de Desempenho de Sustentabilidade do edital de concessão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). No entanto, segundo a petição inicial, “o povo indígena Cinta Larga foi excluído de toda e qualquer tratativa nos moldes legais”.

“Os fatos apresentados evidenciam que o processo de concessão da Rodovia BR-364/RO – Lote CN5 viola normas constitucionais, nacionais e internacionais aplicáveis, expondo o meio ambiente, os povos tradicionais e a segurança jurídica do empreendimento a riscos concretos e irreparáveis, sendo necessária a suspensão do certame, conforme será detalhado adiante”, consta no documento.

A Coordenação das Organizações Indígenas do Povo Cinta Larga entrou com um pedido de liminar alegando possíveis danos irreparáveis ao meio ambiente e às comunidades tradicionais, além de prejuízos econômicos, caso o leilão seja realizado e posteriormente considerado irregular.

O pedido foi negado na segunda-feira (24). No despacho, a Justiça Federal argumentou que não há dano concreto e imediato, uma vez que o leilão é apenas uma das fases de um processo mais amplo.

Na manhã desta quarta-feira, véspera do leilão, a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé ingressou com outra ação para suspender a concessão da BR-364. A organização pede urgência na suspensão do processo e requer que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizem os estudos sobre o componente indígena e tradicional. 

Esses estudos são considerados fundamentais para subsidiar a concessão e garantir previsibilidade quanto aos povos e territórios indígenas impactados.

Entenda o principal ponto da discussão: leilão da BR-364

Duplicação BR-364, em Rondônia — Foto: Antônio Lucas/Alero
 Foto: Antônio Lucas/Alero

O trecho a ser considerado no leilão, nomeado de Rota Agro Norte, abrange importantes pontos de Rondônia, desde o entroncamento com a BR-435 até a BR-319. Esse corredor, de acordo com o projeto, vai facilitar o escoamento de grãos entre a região Centro Oeste e os portos do Norte.

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A concessionária vencedora será responsável por uma série de obras e melhorias na infraestrutura da rodovia, com o objetivo de aumentar a segurança e a fluidez do tráfego.

Entre os projetos previstos estão a duplicação de 135 quilômetros, a construção de uma terceira faixa em cerca de 200 quilômetros, além da instalação de passarelas e outras intervenções.

Os investimentos para as melhorias gira na ordem de R$ 10 bilhões durante todo o período de concessão e pode gerar cerca de 92 mil empregos.

*Por Agaminon Sales, Jaíne Quele Cruz, Luciana Kuster e Marcelo Nery, da Rede Amazônica RO

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