Povos indígenas isolados não têm direito a consulta prévia, afirma União

Em nota técnica, Defensoria Pública da União conclui que instrumento da consulta livre, prévia e informada não se aplica aos indígenas isolados.

Nota técnica da DPU conclui que povos indígenas isolados não têm direito a consulta livre, prévia e informada. Foto: Acervo/OPI

A Defensoria Pública da União (DPU) divulgou uma nota técnica afirmando que a consulta livre, prévia e informada, instrumento previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata dos povos indígenas, não se aplica a comunidades tradicionais e povos originários isolados. De acordo com o órgão, o próprio isolamento já configura uma resposta negativa para qualquer tipo de empreendimento.

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O defensor público Renan Sotto Mayor reconhece a importância do instrumento, mas diz que ele é inaplicável no caso dos povos isolados.

Defensor Sotto Mayor reconhece importância da consulta livre, mas afirma que instrumento é inaplicável aos povos isolados. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

” A consulta [prévia] é sempre fundamental. Agora, quando você fala de povos indígenas isolados, a consulta já está feita. E a resposta é não”, frisa Sotto, que é titular do recém-criado Ofício de Povos Isolados e de Recente Contato, formalizado em outubro e que originou a nota técnica.

Arcabouço

A posição da DPU não é inédita no campo do direito e das normas. Os regimentos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Ministério dos Povos Indígenas já estabeleceram o princípio de não contato e, em 2020, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) aprovou uma resolução reconhecendo a impossibilidade de fazer consultas a povos isolados. Dois anos depois, foi a vez de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adotar a mesma posição. Mesmo assim, a nota técnica foi bem recebida por quem atua na área. 

indígenas isolados
Indígena que ficou conhecido como homem do buraco viveu isolado por 26 anos – Foto: Acervo/Funai

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“São documentos que podem influenciar a atuação da Justiça Federal em casos envolvendo esses grupos. É um adensamento desse arcabouço jurídico de proteção”, argumenta Fábio Ribeiro, coordenador executivo do Observatório dos Povos Indígenas Isolados (OPI).

O coordenador geral de Povos Isolados e de Recente Contato da Funai, Marco Aurélio Milken Tosta, tem opinião parecida. “Por mais que já existam normativas, é muito importante a gente reforçar esses entendimentos de tempos em tempos, em especial em instâncias diversificadas. Essa instância da DPU representa um fortalecimento relevante para nossa atuação e para a defesa dos direitos e promoção dos direitos dos povos indígenas isolados.”

A inadequação da consulta prévia para povos isolados está baseada em outro princípio do direito internacional, a autodeterminação dos povos. Sotto Mayor lembra que o isolamento é uma escolha. “Esses povos não estão isolados no mundo idílico. Eles, normalmente, estão em fuga. Eles têm o histórico de extermínio”. 

Povo Tanaru

É o caso do povo do Tanaru, etnia que deixou de existir depois da morte do homem que ficou conhecido como índio do buraco, em 2022. Ele escolheu viver sozinho, isolado, por 26 anos, em uma ilha de Floresta Amazônica de 8 mil hectares, no estado de Rondônia. Ele foi o único sobrevivente de uma série de massacres ocorridos dentro de uma fazenda, a Fazenda Modelo, na primeira metade dos anos de 1990. 

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indígenas isolados. Foto: divulgação

O extermínio dos Tanaru é considerado um dos casos mais emblemáticos de genocídio. Levantamento da organização não governamental Survival International estima que mais de 90% dos povos isolados do mundo vivem sob ameaça de setores extrativistas legais e ilegais. 

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A ONG aponta que em todo o globo existem 196 povos indígenas isolados. O Brasil registra, segundo a Funai, 115 desses povos.

“O Brasil, como o país que tem a maior quantidade de povos indígenas isolados do mundo, também tem que ter uma proteção gigantesca para essas pessoas. Um erro pode gerar um genocídio. Uma decisão errada da Funai, ou um contato mal feito, ou um contato com um garimpeiro pode matar toda uma etnia”, alerta Sotto Mayor.

Consulta livre, prévia e informada

A Convenção 169 estipula que os povos indígenas e das comunidades tradicionais têm o direito de serem consultados antes que sejam tomadas medidas que possam impactar territórios, bens e modos de vida. Desde 2002, o Brasil é signatário da convenção e, portanto, se compromete com a prática de consulta às comunidades. 

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