Ainda que se constitua como um fenômeno hidroclimático, associar o problema exclusivamente à influência da estação chuvosa e à maré alta é um engano.
Ao longo do tempo, se a tradicional chuva paraense tem se mostrado cada vez menos pontual com o relógio, é de janeiro a junho que o despertador trabalha com mais energia, intensificando a marcante relação de Belém com as águas e trazendo à superfície um velho fantasma urbano: os alagamentos.
Ainda que se constitua como um fenômeno hidroclimático, associar o problema exclusivamente à influência da estação chuvosa e à maré alta é um engano. Variáveis fisiográficas, antropogênicas e políticas somam-se ao processo.
É o que avalia a dissertação ‘Riscos socioambientais de inundações e alagamentos na planície de Belém (PA): análise sobre as causas e formas de planejamento urbano para o tratamento da problemática’, do geógrafo André Sombra Soares. O trabalho foi defendido no Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, do Núcleo de Meio Ambiente (PPGEDAM/Numa/UFPA), e contou com orientação do professor André Cutrim Carvalho.
“A problemática das inundações em Belém deve ser setorizada, e, na pesquisa, setorizamos em três dimensões. A dimensão fisiográfica, que analisa a natureza do sítio da cidade de Belém. A dimensão antropogênica, que pormenoriza os efeitos da urbanização, isto é, das transformações do sítio natural pelo homem. A dimensão política, que se encarrega das proposituras de intervenções do poder público”, detalha o pesquisador, que, para este estudo, adotou como estratégia metodológica a análise ambiental integrada do tema, englobando diferentes dimensões do conhecimento.
Para a execução da pesquisa, André Sombra utilizou procedimentos operacionais, como o uso de ferramenta de geoprocessamento para a confecção do conjunto de mapas pertinente à distribuição e à classificação dos riscos existentes na área do estudo. Ele também fez uso de dados disponíveis em outras pesquisas acadêmicas, bases públicas e informações de eventos pluviométricos ocorridos durante o período de fevereiro de 2018 (meados da estação superúmida) a junho de 2018 (início da estação úmida).
Ao fim, o que Sombra conclui é que o problema dos alagamentos em Belém é multifatorial. “Além da coexistência de áreas baixas, cursos fluviais e alta incidência de chuvas, a cidade é resultado de uma somatória de expansões urbanas desordenadas, com a aplicação de planejamento urbano inadequado às suas características naturais”, explica.
Planejamento urbano precisa de atualização
Sombra destaca que estudar as características geomorfológicas de Belém é importante para compreender a formação das planícies de inundação, áreas que idealmente não deveriam ser ocupadas. Mas, considerando o consolidado grau de urbanização da cidade, inclusive dessas áreas, o principal tratamento é buscar formas de planejamento urbano atuais.
O geógrafo lembra que o processo de urbanização de Belém ocorreu à custa de intervenções, aterramentos e canalizações de corpos hídricos, com o objetivo de controlar o avanço do movimento das águas sobre a cidade, o que o tempo revelou ser uma forma de planejamento urbano ultrapassada. “Em médio e longo prazo, você percebe que esse modelo aumenta os riscos ao retirar elementos naturais importantes para o escoamento das águas, como o solo de igapó e os leitos de inundação. Esses componentes são substituídos por superfícies de concreto, que intensificam o processo de assoreamento”, aponta.
“Na verdade, você encaixota um rio e constrói um canal de concreto por cima. Mas o que acontece? Na época das marés altas, associadas às chuvas fortes, esse rio, que está aparentemente morto, retorna às suas superfícies naturais buscando reocupar os limites do seu antigo leito e, por isso, ocorrem os grandes alagamentos”,
esclarece André Sombra Soares.
Pesquisa mapeou áreas de maior risco de alagamento
Com o desenvolvimento da dissertação, Sombra formou uma grande base de estudo para a construção cartográfica da pesquisa, mapeando dentro do recorte de planícies de Belém as áreas mais sujeitas aos riscos de inundação. As análises apontam para a necessidade de ações planejadas e integradas, aliadas a uma gestão sustentável que considere as dimensões naturais, urbanas e políticas.
“Para cada ponto de enchente, uma medida específica deve ser tomada. Se falarmos de ruas sem canais urbanos, estamos falando da precariedade ou deficiência do escoamento superficial das águas pluviais, ou seja, há a necessidade de limpeza constante e acréscimo de valetas e bocas de lobo para facilitar o escoamento da água para a rede geral de esgoto da cidade. Ao falar em canais urbanos, teremos a interferência da maré. Além da limpeza de canais, serão necessárias obras de intervenção para a recomposição de parte da morfologia original das bacias, acrescida, é claro, de seus componentes como solo, vegetação e leitos. As ações precisam ser integradas”, exemplifica.
Na prática, o pesquisador propõe a adoção de um modelo de macrodrenagem sustentável: um plano de renaturalização de trechos de canais urbanos. A proposta é recuperar os leitos de inundação dos canais e, em consequência, contribuir com a gestão dos alagamentos e das inundações e com o desenvolvimento local.
Entre as medidas necessárias para a renaturalização, está “a utilização de caixas de gordura para coleta adequada do esgoto e a substituição do concreto presente nos canais urbanos por vegetação ciliar e solo de igapó, com o objetivo de deixar o rio fluir e refazer seus antigos meandros, bem como os leitos vazante, menor e maior”, finaliza o pesquisador.
*Por Edmê Gomes, Jornal Beira do Rio Ed.163/UFPA