Análise realizada anualmente entre os 13 municípios da área de influência da rodovia, aponta, ainda, recordes de desmatamento e focos de calor na região.
Dois mil e vinte e dois foi um ano de recordes de desmatamento e focos de calor nas regiões monitoradas pelo Observatório BR-319 (OBR-319), considerando a série histórica de 2010 a 2022, que abrange 13 municípios entre os Estados do Amazonas (AM) e de Rondônia (RO). Os registros mais altos foram detectados em municípios ao sul da rodovia, área mais próxima do Arco do Desmatamento e historicamente sujeita a mais pressões.
A situação se desenrolou no contexto dos últimos movimentos políticos do governo de Jair Bolsonaro (PL), que manteve o ritmo acelerado do avanço do processo de licenciamento do trecho do meio e a desproteção da Terra Indígena (TI) Jacareúba-Katawixi. Somado a isso, também houve o enfraquecimento de órgãos de fiscalização e o desmantelamento de políticas públicas socioambientais. As informações estão na publicação Retrospectiva 2022: desmatamento e focos de calor na área de influência da rodovia BR-319, produzida pelo Observatório BR-319.
“Os sucessivos recordes de desmatamento e focos de calor registrados nos últimos quatro anos na BR-319, são efeito do desmonte da política ambiental no Brasil e da desmobilização de órgãos de comando e controle”, avalia a responsável pela análise de dados da publicação, Paula Guarido. “A soma do incentivo a atividades ilegais, como desmatamento, garimpo e grilagem, a não destinação de terras públicas e a falta de fiscalização por parte das esferas federal e estadual, nos trouxe a esse cenário”, disse Guarido.
A retrospectiva é resultado dos monitoramentos mensais produzidos pelo OBR-319 e publicados no Informativo e no site da rede. Além disso, são produzidos estudos técnicos que apontam situações críticas e soluções, com o avanço de ramais no sul da rodovia. “No entanto, é muito difícil provocar alguma reação do poder público, no sentido de combater ilegalidades, quando se tem um governo avesso ao diálogo, como foi o caso do governo Bolsonaro”, explica Paula.
Seis municípios do sul da BR-319 – Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Porto Velho e Tapauá – próximos à fronteira agrícola da Amazônia, foram responsáveis por 94% de todo o desmatamento detectado nos 13 municípios da BR-319, somando 159.659 hectares (ha). Mas não só, os cinco municípios da BR-319 com mais focos de calor em 2022 foram: Porto Velho, Lábrea, Manicoré, Humaitá e Canutama que, juntos, somaram 89% do total detectado ou 12.553 focos de calor.
Além disso, seis municípios bateram recorde de desmatamento da série histórica em 2022: Beruri, Borba, Canutama, Lábrea, Manicoré e Tapauá.
O pior mês de desmatamento na BR-319 foi maio, quando oito municípios (Beruri, Borba, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Porto Velho e Tapauá) acumularam recordes para o período. Já em se tratando de focos de calor, setembro foi o mês mais crítico, com recordes em nove municípios (Autazes, Beruri, Borba, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manaus, Porto Velho e Tapauá).
A situação na BR-319 seguiu a tendência registrada no Amazonas, que foi o estado da Amazônia Legal que apresentou o maior aumento de desmatamento em relação a 2021, com 24%, e, novamente, foi o 2º mais desmatado da região, ficando atrás apenas do Pará. A Amazônia Legal também registrou, pela 5ª vez consecutiva, o ano de maior desmatamento. Já Rondônia, teve redução de 7% no desmatamento em comparação ao ano de 2021.
Ranking de desmatamento e focos de calor da Amazônia Legal
Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Porto Velho integraram a lista dos 10 municípios da Amazônia Legal mais desmatados do mês ao longo de 2022. Essa lista leva em consideração os 772 municípios dos nove estados da Amazônia Legal. Lábrea, que foi o município da BR-319 que apresentou o maior desmatamento ao longo de 2022, com 55.332,93 ha, também integrou a lista em todos os meses do ano, exceto em dezembro.
Três municípios da BR-319 apareceram no ranking mensal dos 10 com mais focos de calor da Amazônia Legal ao longo de 2022. Porto Velho em julho, agosto, setembro e novembro; Lábrea em agosto e setembro; e Manicoré em julho.
Unidades de Conservação
A análise do OBR-319 aponta que 25, das 42 Unidades de Conservação (UCs) monitoradas pela rede, apresentaram desmatamento em 2022, ou seja, 60%. As mais desmatadas foram: a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, com 4.254 ha; a Floresta Estadual (FES) Tapauá, com 1.830 ha; e o Parque Nacional (Parna) Mapinguari, com 1.176 ha de perda florestal. O dado mais alarmante veio da FES Tapauá, que apresentou aumento de 891% em relação a 2021. As três figuraram entre as dez mais desmatadas da Amazônia Legal ao longo de 2022.
Mesmo assim, houve uma redução no desmatamento nas UCs monitoradas pelo OBR-319. Segundo o Imazon, foram desmatados 8.225 ha dentro destas áreas em 2022, o que representa uma queda de 30% em comparação aos números registrados em 2021.
Vinte e nove, das 42 Unidades de Conservação (UCs) monitoradas apresentaram focos de calor em 2022. De longe, a UC com maior número de focos no ano foi a Resex Jaci-Paraná, com 1.042 registros, seguida pelo Parna dos Campos Amazônicos, com 100 focos, e pelo Parna Mapinguari, que teve 87 focos. No total, 1.583 focos foram detectados nas UCs monitoradas, um aumento de 35% em comparação a 2021, que apresentou 1.169 focos. Esse foi o maior número de focos de calor registrados nas UCs sob influência da rodovia BR-319 desde 2010.
Já em relação às Terras Indígenas (TI), foram registrados 3.678 ha desmatados nas 69 TIs monitoradas pelo OBR-319, o que representa um aumento de 24% em relação a 2021 e o maior valor de desmatamento da série histórica.
Vinte e nove apresentaram desmatamento em 2022, ou seja, 42%. A mais desmatada foi a TI Karipuna, com 1.733 ha, seguida pela TI Sepoti, com 482 ha, e pela Tenharim-Marmelos (Gleba B), com 429 ha. As três, mais as TIs Sissaíma, Jauary, Murutinga-Tracajá e Boca do Acre apareceram no ranking das dez mais desmatadas da Amazônia Legal ao longo de 2022.
A TI Jacareúba-Katawixi, que teve sua Portaria de Restrição de Uso renovada recentemente, após um ano sem proteção, foi a 12ª mais desmatada no ranking das TIs monitoradas pelo OBR-319, com perda 50 ha. Esse valor representa um aumento de 77% em relação a 2021.
Sobre os focos de calor, 41 das 69 TIs apresentaram o total de 544 focos de calor ao longo de 2022, um aumento de 44% em relação a 2021. O número também foi um recorde para as TIs da BR-319, considerando os últimos 13 anos. A TI que teve o maior número de focos detectados no ano foi a Karipuna, com 112 focos, seguida pela Tenharim-Marmelos, com 71, e a Deni, com 43.
“Observamos nos últimos anos uma forte pressão sobre as Áreas Protegidas localizadas na área de influência da rodovia. Além de todos os danos ambientais, os danos sociais e econômicos precisam de atenção especial, já que os impactos comprometem o desenvolvimento da sociobieconomia e a manutenção dos importantes serviços ambientais providos por esta imensa região”,
alertou a secretária executiva do OBR-319, Fernanda Meirelles.
Como é feito o monitoramento?
A região monitorada pelo Observatório BR-319 engloba a área de influência da rodovia BR-319, que abrange 13 municípios entre os estados do Amazonas (AM) e de Rondônia (RO). Para a seleção destes municípios, foram utilizados dois critérios: I) a presença da rodovia cruzando parte do território municipal, como acontece em Careiro, Careiro da Várzea, Canutama, Beruri, Borba, Humaitá, Manaquiri, Manaus, Manicoré, Tapauá, e Porto Velho; e/ou II) a existência de conexão do município com a BR-319 por outras rodovias, como é o caso de Autazes e Lábrea, que se conectam à rodovia pela AM-254 e pela BR-230, respectivamente.
A partir desta seleção, o OBR-319 passou a monitorar todas as 42 Unidades de Conservação (UCs) e as 69 Terras Indígenas (TIs) presentes nos territórios dos municípios e, além de detalhar os dados municipais, também realiza análises regionais, incluindo a Amazônia Legal e os estados do Amazonas e de Rondônia.
Os dados de desmatamento utilizados são estimativas produzidas pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Já os dados de focos de calor, são do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dados são sistematizados mensalmente e adicionados ao banco de dados do Observatório BR-319, que reúne dados de focos de calor e desmatamento, das fontes citadas, desde janeiro de 2010. Por isso, a série histórica do OBR-319, quando citada no texto, corresponde ao período entre 2010 a 2022.
Emissões de CO2 aumentam na BR-319
Entre 2018 e 2019, o desmatamento e a agropecuária fizeram as emissões de CO2 (dióxido de carbono) nos municípios da BR-319 aumentarem 16% contra 11% da média nacional durante o mesmo período para os dois setores. As principais razões foram desmatamento e agropecuária que fizeram as emissões saltarem de 54,7 milhões de toneladas de CO2 para 63,8 milhões. Os dados são do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg). “Já está claro que, sem garantias de não desmatamento, a pavimentação da rodovia significará uma sentença de morte para a floresta e contribuirá para o agravamento da crise climática global”, alertou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
Dos 13 municípios do eixo da BR-319, dez tiveram aumento de emissões e três tiveram queda. O maior aumento foi em Borba, que saltou de 521 mil toneladas para 913 mil toneladas de CO2 equivalente, ou seja, 75% a mais de poluição climática de um ano para o outro. Em Humaitá (AM), as emissões foram 62% maiores, saindo de 2,3 milhões de toneladas em 2018 para 3,7 milhões no ano seguinte.
Autazes, ocupa a terceira posição entre os maiores emissores avaliados pelo OC. Saltou de 1,2 milhão de toneladas de gases-estufa para 2 milhões no intervalo analisado, um aumento de 59%. Lábrea, no sul amazonense, ficou em quarto lugar. Saiu de 15,4 milhões toneladas de gases de efeito estufa em 2018 para 23,2 milhões em 2019, um aumento de 50% nas emissões de um ano para o outro. O município tornou-se um dos maiores hotspots de desmatamento da Amazônia. O padrão de aumento foi observado também em Canutama (51%), Manaquiri (44%), Careiro da Várzea (27%) Beruri (24%), Tapauá e Careiro (10%). Somente em Manicoré, Manaus e Porto Velho as emissões tiveram queda: 15%, 12,5% e 9%, respectivamente.
*Conteúdo publicado originalmente pelo Observatório BR-319. Para mais informações acesse Observatório BR319.