Zona de transição entre o Cerrado e a Amazônia Oriental, o Matopiba – que engloba partes de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – é a maior área de contato entre floresta e savana nos trópicos.
Na zona de transição entre a Amazônia Oriental e o Cerrado, uma interação entre mudanças climáticas e expansão da agricultura pode estar resultando em aumento da temperatura e redução das chuvas. Essa é uma das principais conclusões de um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e do exterior.
Essa zona de transição, conhecida como Matopiba, porque engloba partes dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é a maior área de contato entre floresta e savana nos trópicos. O Cerrado predomina em 91% da região, enquanto os 9% restantes são composto por manchas de Floresta Amazônica e vegetação de Caatinga. Nos últimos 20 anos, essa área se tornou uma importante fronteira agrícola do Brasil.
Segundo o coordenador geral da pesquisa, José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e primeiro autor do estudo, o objetivo do trabalho foi avaliar se poderia acontecer na região do Matopiba o que está ocorrendo no leste da Amazônia. “E, de fato, observamos que sim. Na região onde a nova fronteira agrícola está sendo implantada, estão acontecendo mudanças similares ao que se observa na Amazônia oriental”, conta.
Para o estudo, os pesquisadores utilizaram diferentes conjuntos de dados, que incluem chuvas, temperatura, evapotranspiração e índices de vegetação para o período de 1981 a 2020. “Observamos que na região do Matopiba, especialmente na porção oeste do Piauí e Bahia, há uma tendência de aumento de ocorrência de secas mais severas, intensificadas pelo aumento da temperatura na região”, conta a pesquisadora Ana Paula Cunha, do Cemaden, que também participou da pesquisa.
A equipe constatou ainda que as maiores tendências de aquecimento e seca na América do Sul tropical durante as últimas quatro décadas foram observadas precisamente nessa região de transição entre Amazônia e Cerrado.
“A substituição da cobertura vegetal natural por áreas destinadas à agricultura e pecuária, juntamente com as mudanças climáticas, podem ter contribuído para a intensificação de eventos de seca naquela área, especialmente na zona conhecida como Matopiba”,
diz Ana Paula.
De acordo com ela, os resultados do trabalho evidenciam um aumento na frequência de dias sem chuva e uma diminuição do volume de precipitação, além de um atraso no início da estação chuvosa, induzindo a um maior risco de incêndios florestais durante a transição do período seco para o úmido. “Esses achados fornecem evidências da crescente pressão climática nessa área, que podem colocar em risco a segurança alimentar global, e da necessidade de conciliar a expansão agrícola e a proteção dos biomas tropicais naturais”, diz.
Marengo, por sua vez, chama a atenção para o fato de que esses resultados não apontam para o futuro, mas já estão ocorrendo. “Descobrimos que a região não é só vulnerável ao que pode ocorrer no futuro, mas também ao que está acontecendo no presente”, explica.
No mapa acima, a soma de indicadores analisados pelo estudo aponta para mudanças significativas na região do Matopiba (limites em azul) entre 1981 e 2020; os dados incluem aumento de temperatura e dias secos e diminuição na precipitação e na evapotranspiração, entre outros. Imagem: Marengo et al
A caminho da savanização
“Isso representa um afastamento das políticas da Amazônia, em resposta à forte oposição ao desmatamento na região”,
alerta.
O estudo prevê, no entanto, que os processos de mudança ambiental impulsionados pelo crescimento socioeconômico na região do Matopiba, por sua vez, serão muito afetados pelas mudanças climáticas. O aumento gradual da temperatura anual e o déficit hídrico levarão a uma estação seca mais longa e quente, com alta frequência de dias de muito calor. “Como a produtividade da soja é afetada por déficits de chuva, a tendência à seca pode reduzir a produtividade da cultura, colocando em risco a segurança alimentar e a economia brasileira”, alerta Marengo.
Em outras palavras, para os pesquisadores as mudanças já observadas no estudo são críticas e podem colocar em risco a segurança alimentar tanto do Brasil e até do mundo. “A soja é a principal commodity de alimentação animal produzida no Cerrado brasileiro e as consequências das mudanças climáticas e do desmatamento na Amazônia e no Cerrado podem acabar com esse boom do agronegócio”, diz Marengo.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Evanildo da Silveira.