Ponto de inflexão da Amazônia está mais próximo: entenda porquê isso é preocupante

De acordo com um estudo divulgado na revista Nature Climate Change,  mais de três quartos da floresta amazônica já perdeu resiliência nas últimas duas décadas devido a um aumento dos eventos extremos

A Amazônia será um dos locais que mais poderá sofrer com as mudanças climáticas. Entre as principais modificações que podem acontecer, está relacionada a resiliência do bioma. De acordo com um estudo publicado em março de 2022 na revista Nature Climate Change por pesquisadores do Reino Unido e da Alemanha constataram que o ponto de inflexão da Amazônia está mais próximo do que se imaginava.

O estudo foi conduzido a partir de dados relativos à degradação florestal da Amazônia entre 1991 e 2016, coletados por meio de imagens de satélite. Além de observar a evolução da cobertura vegetal, os pesquisadores também se atentaram para as reações ecossistêmicas a esses distúrbios.

Primeiramente, precisamos entender o que significa a floresta amazônica ter resiliência. A chamada resiliência é a capacidade de um sistema restabelecer seu equilíbrio, após uma alteração no ecossistema, ou seja, a capacidade de recuperação do sistema.

O Portal Amazônia conversou com o pesquisador de clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lincoln Alves, para entendermos a problemática do ponto de inflexão.

“Até o presente, diversos estudos já indicavam que as mudanças climáticas somadas ao desmatamento poderiam levar a floresta amazônica além de um “ponto de inflexão”, que levaria à morte de grandes partes da floresta mudando a paisagem para uma característica de savana. No entanto, os estudos, em particular de modelagem, não conseguem chegar a uma conclusão quando esse limite pode ser ultrapassado. Mas, recentemente um estudo liderado por pesquisadores do Reino Unido e publicado na Nature utilizando dados observacionais revelou que mais de três quartos da floresta amazônica já perdeu resiliência nas últimas duas décadas devido a um aumento dos eventos extremos. E isso se observa principalmente em regiões mais próximas a terras desmatadas, estradas e terras agrícolas. Dado essa relação de mudança climática, desmatamento e diminuição da resiliência da floresta aos eventos extremos as medidas mais urgentes são de fato uma redução significativa das taxas de desmatamento. E isso só poderá ocorrer através de uma intensificação na fiscalização”

Afirmou o pesquisador.

De acordo com o estudo, a floresta amazônica vem perdendo resiliência desde o início dos anos 2000, perdendo 3/4 da região amazônica. 

 Perda pronunciada da resiliência da floresta amazônica desde o início dos anos 2000. Foto: Reprodução / Estudo Revista Nature Change

 

Causas 


 De acordo com o estudo publicado na revista Nature Climate Change, apontam que as principais causas seriam o desmatamento e os impactos do aquecimento global antropogênico, que poderiam levar a floresta amazônica a ir além dos limites críticos.

Nas últimas duas décadas, mais de 75% da área da Amazônia sofreu perda da resiliência devido a esses dois fatores. Outro ponto que intensificou a perda da resiliência está nas três secas severas, combinando com o aumento da atividade humana na Amazônia. 

A principal preocupação está nas mudanças climáticas, pois, com o aumento das temperaturas atmosféricas devido os gases de efeito estufa, pode gerar efeitos negativos sobre a região. As rápidas mudanças no clima estão provocando mudanças ecológicas, mas os ecossistemas estão tendo dificuldades em acompanhar o ritmo. Em particular, a substituição de espécies de árvores sensíveis à seca por espécies resistentes à seca está acontecendo mais lentamente do que as mudanças nas condições (hidro)meteorológicas, potencialmente reduzindo ainda mais a resiliência da floresta.

Outras pesquisas mostraram que regiões com menor precipitação de média anual, menor resiliência absoluta da floresta, pois, a vegetação sofre mais estresse hídrico, fazendo com que ela precise regular o conteúdo interno de água. A profundidade óptica da vegetação, dependendo desse teor de água, consequentemente se ajustaria de forma mais lenta às perturbações. 

O impacto e as consequências  

 O fator mais preocupante da projeção seja o forte declínio da Amazônia até o fim do século XXI. Entre as principais consequências, está a transformação da floresta amazônica em sumidouro de dióxido de carbono, em decorrência do desmatamento, liberando mais carbono do que a quantidade de armazenamento.

“O aumento do uso humano da terra também parece estar contribuindo para a perda de resiliência observada na Amazônia, com as áreas de uso humano da terra aumentando tanto em alcance quanto em intensidade. Notavelmente, a expansão do uso humano da terra acelera após 2010, em um intervalo que também mostra perda de resiliência acelerada, mas anomalias de TSM do Atlântico tropical norte menos marcantes. A maior proximidade com o uso humano da terra pode aumentar os fatores de perturbação, como a remoção direta de árvores, construção de estradas e incêndios, reduzindo concebivelmente a resiliência absoluta e tornando a floresta mais propensa à perda de resiliência.”

Trecho do estudo publicado na Revista Nature Climate Change 

Com a perda da resiliência, a Amazônia caminha para o fenômeno conhecido como Savanização. Apontado em um estudo publicado em outubro de 2021, na revista Nature, a savanização é o processo de transformação de uma vegetação natural em uma área cuja paisagem se assemelha a paisagens africanas e ao cerrado brasileiro. O fenômeno foi descoberto pelo pesquisador brasileiro Carlos Nobre, na década de 90. Mais tarde, a bióloga Lilian Sales, descobriu que a savanização é responsável por significativa alteração na ocorrência de espécies de fauna. Savanização é o processo irreversível de transformação de áreas ocupadas por densa vegetação em desertos parciais, e tem como principal agente a ação humana.

Com o último relatório do IPCC, divulgado em fevereiro de 2022,  especialistas em clima da ONU voltaram a alertar para a  possibilidade, que segundo alguns modelos poderá ser desencadeada por volta de 2050.

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