Estudo revela plantas e frutos com capacidade de acelerar o crescimento dos filhotes de quelônios

A pesquisa foi realizada com filhotes e juvenis de tartarugas e tracajás em comunidades de reservas extrativistas no interior do Amazonas, especialmente nos municípios de Carauari e Barreirinha.

Projetos inovadores tem ganhado destaque com o desenvolvimento de estratégias de sustentabilidade, especialmente em comunidades de reservas extrativistas na Amazônia. Uma das pesquisas mais recentes colaborou com o desenvolvimento de uma metodologia capaz de melhorar o manejo alimentar de filhotes e juvenis de quelônios.

A pesquisa contou com apoio de cerca de 400 comunitários, entre eles ribeirinhos, agroextrativistas e seringueiros que se dedicaram a aprender técnicas para melhorar a alimentação dos filhotes de tartarugas e tracajás. O estudo foi realizado em comunidades do interior do Amazonas e o resultado mostra plantas, frutos e sementes que foram encontradas e testadas para agregar nessa alimentação com seus valores nutricionais.

Portal Amazônia conversou com o coordenador do projeto, Paulo César Machado Andrade, doutor e pesquisador da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que explicou mais sobre a metodologia, principais resultados e a importância das unidades de conservação comunitária.


Foto: Paulo César/Acervo pessoal

A pesquisa compõe o projeto ‘Pé-de-pincha’, idealizado como forma de incentivo a conservação comunitária das populações de quelônios em municípios do Amazonas, as primeiras unidades demonstrativas ficam localizadas em Carauari e Barreirinha. Além da UFAM, desde 2018 o projeto conta com o incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapeam) e colaboração do Instituto Federal do Amazonas (IFAM).

Com o desenvolvimento sustentável e a utilização de recursos naturais como as plantas, sementes e frutos, o estudo revelou quais são ricos em nutrientes com capacidade de estimular o crescimento dos filhotes e juvenis de tartarugas e tracajás. Os estudos existentes, até então, mostravam apenas a composição de itens alimentares na alimentação dos adultos.

“A escolha dos filhotes foi impulsionada devido a maioria dos estudos sobre itens alimentares que as tartarugas e tracajás consomem na natureza ter sido feita com animais adultos, existindo muitas dúvidas sobre a questão alimentar do filhote na natureza. Nosso trabalho ficou dividido entre identificar o que os filhotes e juvenis comiam na natureza e tentar montar uma dieta para ser utilizada nos filhotes em cativeiro, criados pela comunidade. A ideia era ter uma alimentação local mais próxima de itens e valores nutricionais da dieta da natureza e que também fosse uma ração com valor mais acessível”, destacou Paulo César.

Além de beneficiar filhotes de 2 anos de idade e juvenis entre 3 e 4 anos, o estudo também barateia o custo com alimentação, devido a utilização de recursos naturais. Com a coleta de sementes e extração de óleo, é gerado um resíduo, formando uma “torta residual”, e assim são formados produtos altamente proteicos.

“A ideia é ter uma alimentação, dieta a base de ração artesanal que faça eles crescerem mais rápido e em menos tempo, sendo uma ideia para que o animal tenha uma capacidade produtiva maior e com isso baratear o custo de produção desse animal. Com a redução do custo com ração, é gerada uma maior expectativa de renda para as comunidades, e assim também incentivar que elas continuem protegendo a natureza. A criação comunitária serve como uma estratégia de conservação muito importante para esses animais, que vai permitir com que as comunidades continuem fazendo esse trabalho de proteção, gerando renda e garantindo com que essa espécie sobreviva por mais tempo”,

esclareceu o pesquisador.

Metodologia da pesquisa

A primeira etapa do estudo contou com a identificação dos frutos, sementes, flores e folhas, além da participação de comunitários que auxiliaram na coleta das amostras desses frutos e, a partir disso, identificação das suas propriedades científicas e valores nutricionais.

“A segunda fase foi a captura desses quelônios, tracajás e tartarugas para ver o que eles comiam, utilizamos uma técnica com uma sonda, no qual os animais vomitavam e analisamos o conteúdo que eles tinham no estômago. Nós identificamos assim, a porcentagem proteica de origem vegetal e animal. O etnoconhecimento local também contribui com a evolução da ciência. Através das informações disponibilizadas pelos comunitários, pudemos avançar na pesquisa”, explicou Paulo.

A última etapa foi a avaliação das respostas dos filhotes dentro das criações comunitárias, analisando como o fornecimento desses alimentos afetaria o crescimento desses filhotes. Para isso, foi necessário coletar biometria e realizar pesagem mensal dos filhotes durante seis meses para acompanhar o crescimento de cada um.

“Para o teste usamos comparação entre os animais que se alimentavam com a ração artesanal e a comercial, dividindo os animais em lotes, e assim analisamos a diferença de crescimento entre eles. Além do experimento em campo nas comunidades, realizamos um experimento de controle no laboratório da UFAM para acompanhar o desempenho desses animais”, informou. 

Quelônios no Amazonas

No Amazonas, dentre os organismos aquáticos mais criados comercialmente, os quelônios assumem o quarto lugar, ficando atrás apenas do Tambaqui, Matrinxã e Pirarucu. Tradicionalmente, os quelônios (tartarugas e tracajás) são utilizados como uma iguaria culinária, tradição que surgiu a partir da chegada dos portugueses, que foram os primeiros a explorar comercialmente este recurso.

“No processo de exploração, eram retirados os ovos para a fabricação de óleo, esse óleo também era utilizado para a iluminação pública nos lampiões de Manaus e Belém. O consumo permaneceu por muito tempo. Assim, algo que ameaçava a preservação dessa espécie era a exploração e saqueamento das praias onde essas tartarugas costumam se reproduzir”, revelou o pesquisador Paulo.

Com o passar dos anos, em 1967 foi instaurada a lei de proteção à fauna, que passou a proibir a comercialização de animais silvestres, dentre os animais estão as tartarugas, tracajás e quelônios. A lei também estabeleceu a possibilidade da criação desses animais de forma legal. Por meio de registro em órgão ambiental, são permitidos criadouros para a comercialização de quelônios. 

O artigo ‘O conhecimento ribeirinho que vêm do Igapó: Plantas consumidas por quelônios, no rio Andirá, Amazonas‘, da Universidade Federal do Pará (UFPA), desenvolvido pelo pesquisador Paulo Cesar Machado Andrade em parceria com Paulo Henrique Guimarães de Oliveira, José Ferreira da Silva, Joari Costa de Arruda e Aldeniza Cardoso Lima, aprofunda o tema. Confira:

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