Partindo de Sinop, no Mato Grosso, até o porto de Miritituba, Pará, e com a previsão de uma estação intermediária em Matupá (MT), o projeto é considerado prioritário pelo Governo Federal
Uma delegação de indígenas Munduruku e Kayapó esteve em Brasília exigir que seu direito à consulta seja respeitado no planejamento da Ferrogrão, uma linha ferroviária que cruzará a Amazônia brasileira com a finalidade de acelerar a exportação da safra de grãos.
Na terça-feira (23), os indígenas entregaram uma carta ao Tribunal de Contas da União (TCU), pedindo que o processo de concessão da ferrovia seja devolvido para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), até que a consulta seja realizada.
“Os projetos de infraestrutura do governo têm que cumprir com o direito de consulta dos povos indígenas desde a fase de planejamento e, não, depois da licitação dos projetos, ou apenas no contexto do licenciamento ambiental para discutir medidas de mitigação e compensação”, diz a carta, entregue no gabinete do ministro Aroldo Cedraz, Ministro Relator do processo no TCU. [Leia na íntegra]
“A ferrovia vai trazer grandes impactos: desmatamento, grilagem e roubo de madeira. O meio ambiente somos nós, se não estivermos no território, não tem meio ambiente. Agora essa ferrovia vai destruir nosso território. O governo está atropelando nossos direitos e não nos consultou conforme está na Lei e no nosso Protocolo de Consulta”, conta Alessandra Korap Munduruku, da associação indígena Pariri e vice-presidente da Federação Estadual dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa).
Cedraz recebeu a comitiva em reunião virtual, e afirmou que “é o início de um diálogo” e reiterou que as lideranças indígenas “terão todas as oportunidades dentro do TCU para trazer informações para que possamos colocar o projeto em uma posição aceitável pela sociedade e empreendedores”. Os deputados Nilto Tatto (PT-SP), Airton Faleiros (PT-PA), assessores de Joênia Wapichana (Rede-RR) e o senador Paulo Rocha (PT-PA) acompanharam a reunião. “Nesse caso é claro tem que cumprir a constituição e ouvir os indígenas”, disse Rocha.
Agora cabe ao Ministério Público do TCU analisar o caso e se manifestar no processo. O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, relator do caso, também recebeu os indígenas junto com procuradores federais, e afirmou que o parecer será elaborado “tendo em conta o que vocês apresentaram”. Afirmou, ainda, que “estão me ajudando muito a tomar contato com essa matéria para que eu possa me aprofundar e emitir minha opinião”.
Na semana passada os indígenas foram surpreendidos com uma nota publicada em 18 de fevereiro pelo jornal O Globo, afirmando que o TCU iria encaminhar o processo da ferrovia sem que o governo ouvisse os povos impactados. A nota afirma que o Tribunal arquivou representação do MPF com uma série de advertências sobre as irregularidades do processo, mas o órgão ainda não se manifestou.
A representação do MPF, assinada por 14 procuradores e cinco organizações indígenas e da sociedade civil, entre elas o Instituto Kabu, Instituto Raoni, Associação Terra Indígena Xingu, Associação Iakiô e o ISA, protocolada em outubro de 2020, pede a suspensão do processo de concessão à iniciativa privada até que seja realizada a consulta sobre a viabilidade da ferrovia, ainda na fase de planejamento.
Os indígenas se articularam e enviaram uma petição solicitando a retirada do processo da pauta até que fossem escutados, e mesmo com a pandemia, decidiram vir a Brasília e dialogar pessoalmente com o ministro relator do tribunal, Aroldo Cedraz. Na noite de domingo, quando a delegação já estava na capital, o processo foi retirado da pauta.
“Queremos deixar algum futuro para nossos filhos e netos. Sabemos que o governo tem pressa, mas é preciso consultar os povos indígenas. O governo tem que ter pressa para nos consultar, eles não podem fazer esse empreendimento sem consultar os povos que vão ser afetados pela Ferrogrão. Precisamos garantir o futuro para as gerações futuras”, pede Mydjere Kayapó, vice-presidente do Instituto Kabu.
Sem consulta
Com quase mil quilômetros de extensão, partindo de Sinop, no Mato Grosso, até o porto de Miritituba, Pará, e com a previsão de uma estação intermediária em Matupá (MT), o projeto é considerado prioritário pelo Governo Federal.
O planejamento governamental reconhece apenas os territórios indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue, em Itaituba, como impactados pelo empreendimento. Até hoje os Munduruku não foram consultados como determina seu Protocolo de Consulta.
Na representação, o MPF alerta o TCU de que impedir a participação dos indígenas no planejamento da ferrovia pode provocar o subdimensionamento dos custos socioambientais. De acordo com os levantamentos iniciais, foram identificados potenciais impactos sobre o conjunto de terras do povo Munduruku nas regiões do médio e Alto Tapajós; sobre as terras dos povos Panará e Kayapó, no sudoeste do Pará; e sobre seis terras indígenas no Mato Grosso, incluindo áreas de povos isolados e o Território Indígena do Xingu.
Em dezembro de 2017 a ANTT se comprometeu a realizar a consulta antes do processo ser encaminhado ao TCU (acesse ata). Sem consultar povos indígenas, o Ministério da Infraestrutura encaminhou para análise do Tribunal em julho do ano passado.